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Música

A auto-destruição do hip-hop americano segundo Pawz One

A ousadia de voltar as costas ao gangsta rap na West Coast.

Pawz One quer tornar-se numa lenda da Golden Era do hip-hop. Natural de Compton, California, o rapper da West Coast cresceu a escrever poemas e short-stories sob influência de marcantes nomes como N.W.A, Eazy-E e Ice Cube. Mais tarde dedicou-se ao freestyling como meio para encontrar a confiança para cuspir umas letras que relatam a sua vida. Em Fevereiro, o rapper originário do México de nome Robert Perez estreou o seu primeiro álbum, Face the Facts, um conjunto de 18 músicas que remexem com a herança do hip-hop de poeirentos boom-bap beats e scratched hooks com uma restaurada atitude “Estou aqui, vou dominar esta merda”. Misturado com produções de DJ Default e Breeze, o álbum combina o ritmo tecnológico da velha escola do primeiro com versáteis e modernas mutações de samples do último. Contudo, a maior diferença reside no afastamento de Pawz One do dominante movimento gangsta rap da West Coast, apostando no seu próprio e enriquecido estilo não-ficcional. Face the Facts é Pawz One — pseudónimo graffiter de Robert Perez — numa confiante mensagem sobre o que ele apelida de “corporações e falsas editoras” que estão a implodir a indústria, em vez de a manter real e simples naquilo que trata: uma forma de arte. Foi desta forma que o rapper se chegou à frente para apontar a Glock a uma nova fase, sem perder a aura original do hip-hop. "The system is gonna rupture / It's destined to self-destruct / The signal was interrupted / Their message is so corrupted." Através de sólidas colaborações com Masta Ace e Ras kass, Pawz One também escava histórias sobre a vida nas ruas e memórias de um passado pessoal não tão distante. Definir a Golden Era tem sido uma jornada de vida para muitos estudiosos e do hip-hop e a verdade é que ninguém consegue determinar rigorosamente a época em que se insere. Contudo, parece-me que esta reside mais na evolução do movimento e não num mero período de tempo que alberga tudo quanto aí foi produzido no hip-hop. Mas se consideraremos, de uma forma muito abrangente, a primeira metade dos anos 1990 como a “Golden Era”, então Face the Facts encaixa que nem uma luva nesse espectro. Pawz One reflectiu com a VICE a sua preferência pelo old school hip-hop e como a editora holandesa Below System lhe oferece uma casa segura para os seus projectos. VICE: Que factos são esses que temos de encarar? Fala-nos deste álbum…
Pawz One: Face the Facts significa que muita gente gosta de fugir à realidade, principalmente no hip-hip. Há muitos artistas a serem empurrados por corporações e falsas editoras e a música deles tenta convencer as pessoas de que isto é tudo apenas dinheiro, as roupas que vestimos, os carros. Não passa de uma distracção da realidade. Muita gente cai na saída fácil, é como uma droga, uma valente moca. Quanto mais cedo encarármos a realidade, mais depressa enfrentamos os problemas e encontramos uma forma de os resolver e de sermos felizes connosco próprios e com a nossa vida. O que te fez ficar pelo old school hip-hop na era em que o género se voltou para o electro-synth?
Apenas fiz o hip-hop que senti que gostava, o hip-hop que cresci a ouvir, com álbuns como o “Enter the Wu-Tang (36 Chambers)” [dos Wu-Tang Clan] e malta como Rakim, Kool G Rap, Ras Kass e coisas do género. Não quero dizer que o meu álbum é da Golden Era, mas acho que é a melhor forma de pôr as coisas. Era a época em que o hip-hop tinha alma e conteúdo; que os rappers realmente falava sobre algo que interessava. Bem sem que agora a malta é mais pop ou electro. Não sou contra isso, mas acho que o forte do hip-hop sempre foi a alma, as rimas, os beats, os breaks. Um gajo tem de se manter fiel à arte. A mim parece-me que o teu hip-hop vive nas franjas da nova escola através das produções do Breeze. Sentiste que tinhas de optar por ambos os estilos para manter o álbum moderno?
Não, na realidade sentei-me com este produtores e avançámos para o álbum. Somos amigos e temos trabalhado juntos há muito tempo, por isso, sentámo-nos e eles surgiram com estes beats e nós fomos reduzindo a lista. Escolhemos uma variedade de beats de cada um, criámos os conceitos e gravámos o álbum. Depois voltámo-nos a sentar, a ouvir e a escolher os sons que melhor encaixavam no que queríamos e demos-lhe uma ordem e sequência. Não foi necessariamente planeado dessa forma, mas acabou por resultar. O rap underground da West Coast é mais estilo gangsta, mas tu estás ligado a outro movimento. Como é que defines o teu hip-hop e o que te levou a adoptar o teu próprio estilo?
Quero ir para onde sinto que é correcto, não quero fazer o que todos fazem e tentar encaixar-me neles. Sendo de Compton, fui influenciado pelo gangsta rap no sentido em que eles se estão a cagar. Eu tenho a mesma mentalidade no que toca a escrever, por isso influenciou-me. Gosto do vocabulário deles e de poder expressar-me como muitos dos MCs da West Coast fizeram. Tem sido um desafio para mim porque o pessoal que ouve hip-hop da West Coast é tradicionalmente voltado para o gangsta rap e é por isso que certos artistas estão a ser empurrados para a frente. E nós vivemos ao lado de Hollywood e tudo é realmente grande e está na rádio e é popular e as pessoa inclinam-se para isso. Já eu preferia inclinar-me para outro lado. Everyone Raps Now” está impresso na capa do álbum. Sentiste-te pressionado a dar um ponto-de-vista diferente para te destacares?
A única pressão que senti foi a de lançar um produto que perdurasse e criar música que as pessoas possam ouvir daqui a 15 ou 20 anos e sentir que entraram numa cápsula do tempo. Quero que as pessoas oiçam este álbum entre outros de qualquer outro artista da Golden Era e que sintam que Face the Facts se encaixa ali e que não consigam identificar de que época é o álbum. Quero que a música transcenda qualquer tempo específico. Por isso, não senti qualquer pressão em dar um novo ponto-de-vista, apenas me apliquei e deixei a música falar por si. Parece-me que o álbum está dividido em três partes pelas músicas “Desfrumentals”. Primeiro há o manifesto; depois a vida nas ruas; e por fim a evocação do passado. Porquê esta ordem e tantos temas?
Ah, apanhaste isso! Muita gente diz que existem muitos álbuns em que o pessoal segue uma estrutura em particular e pretende contar uma história de uma ponta à outra. Esse não foi necessariamente o nosso plano, mas quando parámos para escutar o álbum, estes acabou por ter uma certa ordem que nos fazia sentido. Saiu naturalmente assim. Não tivemos de apertar nada para caber ali, apenas pareceu fixe como estava e sendo como é. No início dou-me a conhecer e exponho as minhas visões. Depois falo da vida nas ruas, de crescer em Los Angeles e ter estado preso e merdas do que género que passei. A última parte é já sobre as minhas origens e como tive de superar alguns desafios. O hip-hop tem sido a minha voz, a minha ferramenta, a minha arma e foi capaz de expor todas essas mensagens em diferentes secções. Tenho ouvido muito o álbum da crew de Nova Iorque Ratking e eles têm um par de músicas a beefar a polícia. Tu fazes o mesmo em “Officer Down”. Afinal que raio se passa com a polícia norte-americana para esta ser tão produtiva para os rappers?
Nós vivemos num estado de polícias. Costumo falar com imensa gente no estrangeiro que me diz que as coisas não são assim tão fodidas como aqui. Eles simplesmente estão a espancar os sem-abrigo até à morte e ainda gozam com isso. É um verdadeiro abuso de poder, sem qualquer respeito por nada nem ninguém. Não estou a dizer que todos os bófias são assim, mas a maioria dos seus actos são errados. Não apenas nas ruas, mas até nas instituições, como as prisões, onde misturam gangs rivais de propósito. É o mesmo que meter dois cães numa jaula. Nas ruas o abuso é visível e o DJ Default acabou por criar um beat que me fez lembrar onde cresci a mensagem “fuck the police” de gajos como os N.W.A, Ice Cube e Eazy-E. Nós apenas demos um passo à frente e chamamo-lo “Officer Down” [“Polícia Abatido”] porque nos parece que, por cada um de nós que cai, eles continuam a safar-se. É tempo de mudarmos isso. És natural de um dos berços do rap da West Coast, mas a tua editora é holandesa. As editoras da tua terra não te deram troco?
Na América o hip-hop tornou-se num produto que é facilmente criado e duplicado. Por outro lado, é fantástico que noutros países do mundo, até em África, as pessoas continuem a ouvir hip-hop com base naquilo que ele soa e lhes faz sentir. Continua a ser música. Contactei diversas editoras daqui e eles não me levaram a sério porque sou da West Coast, mas tenho influências da East Coast, por isso não me encaixava nelas. Então decidi saltar fora e aproximar-me do pessoal que realmente ama o hip-hop. Como é que o old school rap se pode manter fresco numa época em que já não se encaixa nos círculos mainstream?
As pessoas hoje agem como se o velho fosse uma merda. Mas quando ouvimos música antiga, como classic rock, jazz ou outro estilo qualquer, esta continua a ser boa música que vai manter-se viva. É testada pelo tempo e ouvida por gerações, as mesmas gerações que hoje estão a pegar nos Rolling Stones ou Led Zepplin ou Santana e estão a descobrir essas músicas, estão a abrir os olhos. Se o hip-hop for feito de forma tradicional e vier do coração e for real, acho que daqui a 20 anos as pessoas vão retirar o pó aos álbuns, tocá-los e ver os seus netos perguntar, “que som é este?” Não acredito na existência de uma old e new school: é basicamente música da moda. Música pop é fantástica, mas dissolve-se e a boa música encontras sempre na tua colecção de discos, estará sempre ali.