Para os Devotos do Angelito Negro do México, o Diabo é que Protege

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Para os Devotos do Angelito Negro do México, o Diabo é que Protege

A fotógrafa Erin Lee acompanhou uma purificação demoníaca de uma estranha seita mexicana.

Algumas semanas atrás, apresentamos uma matéria da fotógrafa neozelandesa Erin Lee sobre os seguidores da Santa Muerte no México. Enquanto fotografava a Santa Muerte, um culto associado à violência e ao crime, considerada a religião que cresce mais rápido no mundo, ela acabou cruzando com uma seita mais estranha e menos conhecida, chamada Angelito Negro. Falamos com Erin sobre a "purificação demoníaca" que ela testemunhou.

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VICE: O que é a Angelito Negro?
Erin Lee: É uma escultura de um anjinho negro vestido como mariachi e segurando uma garrafa de tequila, só que ele é um demônio com chifres enormes. O que me disseram sobre o Angelito Negro é que você não deve usar o diabo como desculpa para fazer coisas ruins, tipo: "Ah, o diabo me fez fazer isso." O diabo só existe para julgar se você vai para o céu ou o inferno quando morrer. Ele está ali para te julgar, não para te influenciar a fazer coisas ruins. Então, isso é diferente do satanismo.

O que aconteceu durante a purificação demoníaca que você fotografou?
Eles colocam uma mulher num círculo de fogo e desenham símbolos com sal no chão. Aí, fizeram cortes nas costas dela. Eles nos disseram que os símbolos representavam os quatro portais de invocação do sobrenatural. Depois, desenharam os mesmos símbolos nas costas dela com sangue. Por fim, jogaram sal e álcool nos cortes. A coisa toda durou uns 20 minutos.

Quem era a mulher?
Ela nos disse que tinha uma filha de 12 anos. A filha nasceu prematura de 3 meses; e, na época, disseram ao marido dela que ele tinha de escolher entre a esposa e o bebê. Ele escolheu a esposa, porque eles já tinham outros filhos. Bom, as duas sobreviveram – e ela disse que esse é um sacrifício que ela faz todo ano pelas duas terem se salvado. Não entendi muito bem como isso se relaciona com o diabo – ela não disse isso, só disse que era por isso que ela estava se sacrificando. Eles acreditam no diabo, porque ele fornece proteção. É isso que eles pedem quando rezam: eles pedem proteção, e não uma desculpa para fazer coisas ruins.

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Isso tem alguma relação com a Santa Muerte ou é uma coisa completamente diferente?
Não sei muito bem. Acho que é algo diferente. Mas é estranho… a maior parte dessa igreja é dedicada à Santa Muerte – há estátuas dela por toda parte. Mas, entrando lá, você vê Jesus Cristo, a Virgem de Guadalupe (símbolos totalmente católicos), a Santa Muerte e o Angelito Negro, sendo que estes dois são totalmente condenados pela Igreja Católica.

É tipo uma loja de departamentos de religião?
Sim! Tem um pouco de tudo. Há também uma sala separada dedicada à Santería, que vem do Caribe. Não sei muito bem como todos esses pequenos cultos se conectam. Mas nem todo mundo que vai pela Santa Muerta vai para a parte do diabo.

Foi difícil ficar vendo enquanto a mulher passava por tudo aquilo?
Sim… mas isso era uma escolha dela. Acho que é diferente ver alguém ser machucado quando não é por vontade própria. Eles pagam para fazer isso.

Eles pagam?
Ela pagou o cara que gerencia a igreja. Inicialmente, ouvimos que isso tinha custado 1.500 pesos (R$ 400), o que é muito dinheiro aqui. Mas, quando o líder da igreja estava falando, ele disse que cobrava mais de 5 mil pesos (R$ 1,6 mil). Esse cara com quem estávamos falando comanda a igreja, e ele contou que tinha sido preso algumas vezes. Mas, então, ele disse: "Veja o que eu tenho agora. Construí isso do nada". A ideia dele era construir isso para ajudar as pessoas que queriam ser parte de uma igreja.

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Ele construiu uma igreja inteira?
Ele disse que sim. Mas eles fazem muito dinheiro lá. Quando há uma celebração, todo mundo paga. Eles te servem tequila, há mariachis tocando… mas eles definitivamente lucram com isso. Tudo está à venda. Eles dizem que o dinheiro é para manter a igreja. Há estátuas enormes e muitas flores, e há sempre bebida.

Como as pessoas costumam reagir quando você as fotografa nas ruas?
Em toda a minha vida, inclusive no México, poucas vezes alguém ficou nervoso porque eu estava tirando fotos. Isso acontece, mas é raro. Aqui, as pessoas não ficam nervosas – elas só são muito tímidas. As pessoas são muito reservadas. Isso pode até irritá-las um pouco, mas aí elas vão embora. As pessoas não gostam de confronto.

Você está muito longe da Nova Zelândia. Quanto tempo você pretende ficar no México?
Ainda estou trabalhando no projeto Santa Muerte. Logo vou viajar para o norte do México. Estou explorando os mesmos tópicos: família, religião, cultos, fé e corrupção; acho que isso tudo está interligado, e o modo como isso formou a sociedade mexicana é muito diferente do que conheço. Quero criar uma representação visual de como e por que essas coisas estão ligadas, e o efeito que isso tem na maneira como as pessoas tratam umas às outras. A ideia de a vida ser tão finita – você é lembrado disso todo dia. Você é constantemente lembrado de que não sabe o que vai acontecer. As pessoas aqui vivem muito no momento. Elas adoram festejar: elas se importam muito com suas famílias, seus amigos. Você pode festejar por qualquer razão, o que é uma coisa boa de certa maneira. As pessoas aproveitam tudo da vida, mas isso pode ter um lado ruim. Talvez as pessoas não se sintam responsáveis por suas ações. Esse é bem o caso quando você pensa na impunidade que comanda o país.

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Tradução: Marina Schnoor