Imagine ficar sentada nua com pessoas te observando por horas, olhando cada uma das suas curvas, vales e pneuzinhos como uma série desconcertante de círculos, triângulos e linhas. Tirar a roupa e nudez podem ser coisas sexualizadas para a maioria, mas para modelos de nu artístico, a ideia de estar despido é simplesmente parte do trabalho. E mesmo que o nu artístico exista na Índia há séculos – com a tradição imortalizada nas paredes dos nossos templos e palácios, e nas esculturas que enchem nossas cavernas – nossos guardiões da moral garantiram que a forma de arte, que ajuda amadores a entender a anatomia humana e os jogos de luz e sombra, agora seja vista como algo vergonhoso. A conotação negativa disso significa que, hoje, poucas escolas de arte indianas defendem a prática e ainda menos museus estão abertos para patrocinar isso. E também significa que modelos como Tulsi mantêm seu trabalho em segredo, com o marido e a família acreditando que ela é faxineira numa das escolas de arte de maior prestígio da Índia.
VICE: Oi, Tulsi. Como você se tornou uma modelo de nu artístico?
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Tulsi: Minha mãe era modelo de nu artístico. E a mãe dela também. Minha irmã também é modelo. Ela que me introduziu a esse trabalho. Fiquei muito hesitante no começo. Eu costumava achar que isso era algo ruim; quando crianças, eu não entedia. Quando minha mãe me levava nas sessões, eu corria para o outro lado do prédio para não ficar perto dela. Na verdade, quando modelei pela primeira vez, chorei por horas antes. Mas depois disso fiquei confortável. Esqueci todas as minhas inibições e agora isso não me incomoda mais.
Considerando que o trabalho envolve ficar imóvel por horas, como você lida com essa parte?
Pode ser bem tedioso. Sentar por horas numa posição é difícil e se me mexo ou tento me coçar, os artistas podem reclamar. Mas não ligo se eles dizem alguma coisa, respondo que sou uma pessoa de verdade, não uma katputli (fantoche), o que geralmente faz eles me darem alguma margem de manobra. É fácil se perder no que você está fazendo. O que passa na minha cabeça é minha família, meu marido e meus filhos. O medo deles descobrirem é mais forte durante as sessões, e não consigo deixar de me preocupar. Sei que não estou fazendo nada de errado, mas também sei que eles não veriam desse jeito. Isso me deixa muito triste, mas não mostro isso no rosto. É só meu trabalho.
Você é nudista em outras partes da sua vida?
De jeito nenhum! Minha família não faz ideia do meu trabalho. O dia em que meu marido descobrir, ele vai pedir o divórcio. Digo pra ele que trabalho como faxineira aqui na escola de arte. Uma vez, ele mencionou que ouviu dizer que a escola empregava modelos de nu artístico. Eu disse que nunca ouvi falar nisso. Não posso contar pros meus filhos também. Eles não entenderiam de jeito nenhum.
Algum artista que te pintou já ficou excitado durante uma sessão?
Acho que não. Os artistas me veem de um ponto de vista de estudo. Como um médico veria um paciente. Nunca senti o olhar deles como sexual – eles fazem isso pela arte. Um leigo pode não entender, mas o jeito como os pintores te olham é completamente diferente. Tenho uma ótima relação com os alunos. Estamos sempre rindo e brincando. Eles nunca me deixam desconfortável – até os homens.
Como você se sente sobre como seu corpo mudou com os anos em que você vem trabalhando nisso?
Bom, acho que engordei bastante com o tempo. Quando era mais nova, eu estava mais em forma, mas agora tenho pneus por todo lado. Mas isso não me deixa constrangida. Um corpo é um corpo, e cada pintura minha me deixa feliz. Na verdade, até brinco com os artistas. Alguns deles dizem: “Tulsi, você ficou tão grande que não cabe mais na minha tela!” E eu respondo: “A culpa não é minha se você não sabe pintar!”
Qual a pose mais estranha que te pediram pra fazer?
Poses estranhas são melhores, na verdade; você pode esconder as partes com que você não está se sentindo bem naquele dia, especialmente se pode ficar sentada. Em pé é a pior pose. Todo peso fica numa perna e depois de um tempo, começa a doer. Uma vez, quase desmaiei por ficar muito tempo em pé. Pode parecer fácil, mas qualquer pose em pé é estranha.
Pelos podem atrapalhar seu trabalho?
Depende do artista. Se eles fazem um pedido, eu atendo. Mas geralmente venho como sou. Não tem nenhuma preparação. Acho que qualquer pessoa pode fazer esse trabalho.
Você já sofreu alguma humilhação por causa do trabalho?
Se meus parentes e vizinhos souberem, provavelmente vou sofrer. Algumas pessoas têm uma ideia equivocada sobre esse trabalho. Felizmente, eles nunca descobriram. Por outro lado, os artistas nunca me constrangeram. Eles me tratam com muito respeito. Eles conversam comigo, me fazem rir, me fazem sentir que estou fazendo algo importante.
Esse trabalho paga bem?
Nem de longe. Ganho apenas mil rúpias por dia [R$58] por dia, onde faço um ou dois turnos de três horas. Além disso, o trabalho é sazonal e escaço. Posso ter algumas sessões marcadas por semanas seguidas, mas aí fico sem trabalho por meses. Preciso ir para diferentes faculdades de arte. Mas poucos lugares estão abertos para nu artístico, então isso não é o suficiente para me sustentar. Tenho outros trabalhos como lavar pratos, mas gosto de fazer esse trabalho porque os estudantes podem aprender. Fico feliz quando eles fazem uma boa pintura e são elogiados por ela.
Qual a coisa mais engraçada que já aconteceu durante uma sessão?
Uma vez, no meio de uma sessão, minha sogra ligou dizendo que eles estavam na CST (a estação de trem perto da escola de arte). Eles tinham vindo do vilarejo fazer compras na cidade e me surpreenderam – do nada. Tive que literalmente sair correndo. Nunca me vesti tão rápido. Quando cheguei na estação, eles perguntaram por que eu parecia tão estressada. Eu disse que a limpeza na escola tinha sido muito pesada e eu estava cansada. Eles acreditaram e até simpatizaram comigo. Não consegui deixar de rir depois. Mas se eles soubessem que eu estava pelada no meio de uma classe menos de uma hora antes, teria de tudo menos simpatia.
Matéria originalmente publicada pela VICE Índia.
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