28 de Abril: o dia em que o PSOE voltou a vencer umas eleições espanholas

PSOE victoria

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

“Em democracia, muitas vezes a questão não é que tenhas ganho, é que o outro tenha perdido”. Esta frase era uma das mais repetidas por um dos meus professores durante o curso e, perante os resultados de ontem, 28 de Abril, das eleições em Espanha, não podia estar mais certa. O PSOE – um partido que há escassos cinco anos estava em estado vegetal depois da penosa gestão da crise durante o segundo mandato de Zapatero e da ainda mais penosa gestão da oposição durante os dois mandatos de Mariano Rajoy, salpicado por um dos maiores escândalos de corrupção em Espanha e desaparecido durante todo este tempo numa guerra interna entre diferentes facções marcadas por momentos excêntricos, como quando o site Forocochesenviou primeiro um entregador da Telepizza e depois uns mariachis à sede do partido em Madrid quando os barões socialistas estavam a tentar expulsar Sanchez – conseguiu 75 por cento dos votos, que se traduzem em 123 lugares no Parlamento.

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O alerta anti-fascista que Pablo Iglesias lançou depois das eleições na Andaluzia não teve o resultado que o Podemos esperava. Ou sim, mas não para eles, que não souberam capitalizar o voto do medo (neste caso, o medo da extrema-direita), tal como também não souberam capitalizar as horas mais fracas do PSOE para se converterem na principal força da esquerda espanhola, uma posição que poderia ter atraído o voto jovem e o voto dos desencantados com os socialistas (que não eram, nem são, poucos), o que poderia ter sido um impulso para o partido, se não estivesse tão preocupado com mil e uma lutas internas, lutas de siglas, de egos e de detalhes ideológicos.


Vê: “Um Homem Insignificante


Isto porque, em vez de darem a estocada final a um PSOE quase moribundo, consideraram que era mais inteligente procurar uma alternativa a la portuguesa, sem se darem conta de que aos socialistas o que lhes interessava era uma saída a la francesa: um grande governo pró-europa, liberal no económico e progressista no social, para continuar a mudar tudo para que nada mude. E não como se os de Pedro Sánchez não tenham avisado durante todos estes anos. Paradoxalmente, o problema do partido que levou o populismo ao centro da atenção política e mediática foi incapaz de fazer o que estavam a fazer os partidos populistas em toda a Europa: ganhar à custa dos sociais-democratas.

Como disse há umas semanas Daniel Bernabé, o PSOE é o culpado da abstenção e fá-lo tão mal que dá as eleições de bandeja à direita, desmobilizando o eleitorado socialista. Mas, como dizia eu mais acima, não é tanto sobre se tu ganhas, mas mais sobre se o outro perde, ou para realçar ainda mais a questão: não é tanto que tu ganhes, como que tenhas tanto medo do que possa vir que preferes levar um (ou 123) tiros no pé, que deixar que Santiago Abascal [líder do VOX] se sente na Moncloa.

O PSOE tem vindo a seguir os passo de Rajoy: dar voz nos meios que lhe são afins a um mal daninho (antes ao Podemos, agora ao VOX) para mobilizar o eleitorado que tinha perdido com o medo geral da chegada ao Congresso dessa nova formação, porque já se sabe, “mais vale um mal conhecido do que um mal por conhecer”. Passámos do monstro roxo, ao monstro verde seguindo a mesma mecânica: um voto sem vontade, mas, supostamente, necessário.

De nos dar a conhecer isso encarregou-se uma campanha perfeitamente orquestrada (ou assim parecia) de alianças impossíveis entre activistas marginais, influencers, jornalistas e anónimos com vontade de terem algo importante a acrescentar, tudo a coincidir com o motor da campanha do PSOE. “Vota para travar o fascismo”, parecia dizer-nos, como se Pedro Sanchéz fosse o líder de um novo e refrescante partido e não o actual representante de um partido político que governou Espanha durante metade do total de anos que Franco governou e nos trouxe coisas maravilhosas como a entrada na NATO, a conversão definitiva de Espanha num país do sector de serviços, as empresas de trabalho temporário, os Centros de Integração de Estrangeiros [uma espécie de centros de detenção, onde se colocam migrantes estrangeiros antes de, na maior parte das vezes, os devolver de novo à procedência] e todo um sem-fim de maravilhas das quais parece que nos esquecemos.


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O Podemos tentou uma ofensiva final contra o PSOE ao apertar com o tema Villarejo, dando a Sánchez vontade de pactuar com o Ciudadanos no debate de RTVE e os media da esquerda comprometida decidiram que era também um bom momento para falar do monopólio da comunicação social ou das profundezas obscuras do estado para ajudar nesse empurrão, mas não serviu de nada. O peixe já estava todo vendido. A crise de Galapagar, o escândalo Más Madrid e mais uma ou outra escorregadela, fez com o que o PSOE conseguisse fazer ricochete e voltasse ao recinto de jogo.

E o VOX? Pouco se pode dizer que não tenha sido já dito [Nota do editor: bom, o euro-deputado português eleito pelo CDS-PP, Nuno Melo, conseguiu afiançar que o VOX não era um partido de extrema-direita, o que só por si é obra] . Ainda que, por outro lado e sem qualquer tipo de intenção de normalizar o que quer que seja, não será em si normal que uma sociedade que não nos cansamos de dizer que é racista, machista, ultra-conservadora, etc, tenha um partido que a represente tal qual como é? Não terão sido anos e anos a negar esse lado, essa tentativa de negar a existência de uma realidade incómoda, mas latente, a incubadora perfeita para que um partido como o VOX chegue ao Congresso?

Em toda a ideologia política, seja de que século for, democrática ou não, parece haver um impulso totalitário que diz algo como “deixa-me isto a mim que tu não sabes”, que pretende que toda uma sociedade, com os seus milhões e milhões de pessoas e as suas infinitas nuances, passem por um funil demasiado estreito. Não se põe em causa que o resultado desse processo possa ser mais justo do que a situação anterior, mas a verdade é que, imaginemos, se uma pessoa anti-aborto não tem direito a representação política, porque a sociedade, essa enteléquia, avançou supostamente a níveis tão altos que essas posições são inaceitáveis e não se podem propor, estamos a enviesar a realidade.

Estamos, aliás, a criar uma realidade paralela com a qual não pode haver interacção possível. É algo que, no fundo, é muito cristão: há Deus e o diabo e o que não é Deus, tem que ser o diabo. Essa foi a grande arma do VOX, o voto do cansaço, o “bem, vão-me chamar facho na mesma”, o voto do descontentamento. Não do descontentamento com o sistema político, mas com um sistema cultural (o do consenso progressista) em que até o Partido Popular (um partido apelidado de fascista, franquista, retrógado, etc) se comportou como mais um partido sócio-liberal e basta ver o que aconteceu a Gallardó quando tentou mudar a lei do aborto para nos apercebermos disso.

Pedro J. Ramírez, jornalista e director do El Español, afirmava ontem na RTVE que o VOX era um problema, porque atacava o consenso constitucionalista e, efectivamente, a brecha nesse consenso foi e continuará a ser o principal incentivo do voto ao VOX, pelo que, enquanto a nova esquerda não for capaz de oferecer as suas próprias perspectivas, não vai conseguir sair debaixo da asa de submissão ao PSOE. Enquanto o VOX for um problema que é preciso resolver, não é preciso ganhar, basta-lhe continua a atacar os tabus do consenso e continuar a vitimizar-se a si próprio e aos seus eleitores, não para ganhar, mas para forçar debates em que ninguém quer entrar e que lhes permita continuar a capitalizar nessa brecha.

Por outro lado, essa mesma brecha foi o que meteu os apoiantes de Abascal no centro da campanha eleitoral: foram eles os que puseram em cima da mesa os temas da campanha. Aliás, foram eles o tema da campanha. Para além disso, propor temas que estavam totalmente fora do habitual esquema partidário, obrigava o resto dos partidos a posicionarem-se em coisas que já tinham (e tínhamos) como assentes, ou então a inventarem uma posição. Daí que, por exemplo, tenhamos passado de “Duas Espanhas” às infinitas Espanhas (a dos trabalhadores, dos direitos sociais, das minorias, do mercado, dos empreendedores, das liberdades individuais, da plurinacionalidade, a grande e livre…) num exercício de reflexão sobre o Ser de Espanha que não se via desde Ortega e Gasset. O mesmo se pode dizer sobre todos e cada um dos temas de campanha.

Para o VOX, qualquer resultado era uma vitória e 1.400.000 não são poucos votos (e podem ser muitos representantes nas Eleições Europeias que são de círculo eleitoral único), para além de confirmarem que a extrema-direita (seja em forma de partido ou de proposta) não só entrou no Congresso, como na vida da sociedade espanhola – e veio para ficar.


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Entretanto, o novo centro e a velha direita, Ciudadanos e PP, confirmam as suas próprias limitações num momento de extrema polarização social. Por muito que uma boa parte dos comentadores políticos assegurem que as opções moderadas vão sempre arrecadar mais votos do que as extremistas, o certo é que entre os votantes de ambas as opções, como entre os votantes do PSOE, o que há é uma apropriação das opções que têm os respectivos extremos.

Por muito que se diga que o Partido Popular ganha quando tende a aproximar-se do centro, o certo é que a sua viagem ao centro só alimentou o VOX e o Ciudadanos, que por sua vez não podem competir com o grande partido do centro espanhol, que quem mais poderia ser se não o PSOE, que apenas precisa de copiar as políticas da nova esquerda para continuar a vender-se ao melhor preço, sempre com um bom sorriso e essa pinta de “estamos a fazer o melhor que podemos, mas a verdade é que a coisa está mal”, que têm há 40 anos.

Enfim, com a campanha finalizada e as eleições concluídas, só nos resta aguardar que formem governo e que façam algo. Ainda que as coisas pareçam iguais aos meses de governo “interino” de Sanchez, o único que podemos esperar como certo são muitas notícias sobre a exumação de Franco, uma linguagem um pouco mais inclusiva e a mesma renda impossível de pagar com o teu trabalho precário, que já tinhas antes de o líder do PSOE governar.


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