Que Portugal é um país forte da arte urbana, já ninguém questiona. O tempo em que só tínhamos paredes com “Amo-te Karla” há muito que acabou. Hoje, são vários os nomes de peso que encabeçam a lista de talentos nacionais. Exposições com filas durante dias a fio, como foi o caso da mostra do Bordalo II no seu atelier em Xabregas, no final do ano passado, são o pão nosso de cada dia.
É verdade, acreditem ou não, em Lisboa, por exemplo, já não se espera apenas horas na 2ª Circular, ou para comer um pastel de Belém. O que antigamente valia tanto como um comum graffiti tem agora rotas turísticas dedicadas. Não é novidade, nem são casos raros, a arte urbana está disseminada e é inclusive apoiada por Câmaras Municipais, marcas e as mais variadas instituições.
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Apesar do fenómeno crescente e cada vez mais omnipresente, há algo neste tipo de expressão artístico que continua a ser raro em Portugal: a deturpação de publicidade. Se procurarmos a fundo encontramos apenas um trabalho que se destaca, o adbusting de Pantónio e 4Ink, que juntos criaram novas mensagens de cartazes promocionais de eventos disponíveis. À falta de uma palavra melhor, Adbusting é o que se chama a estes actos de acção sobre a publicidade. Algo que, de resto, deixa implícita uma crítica, social ou outra qualquer, através da manipulação estética do meio comunicacional promocional.
Quem está atento a estes fenómenos não deve ter ficado indiferente a uma “polémica” que nas últimas semanas tem encontrado adubo para se alimentar nas redes sociais, principalmente no Instagram, mas que, obviamente, tem o seu ponto de partida na rua. De repente, começámos a deparar-nos com uma nova força urbana, uma expressão que também podia, na boa, ser um nome para um grupo de hip hop tuga qualquer. O Coruja, como se autodenomina, tem andado a espalhar a sua marca por aí, através de uma panóplia de skills: stencils, tags, stickers e outras cenas que nem sei o nome.
Em conversa com pessoas que conheço e que me parecem ser deste meio, surgiu a dúvida se não seria um artista mais antigo que adoptou um novo estilo para acompanhar as mais recentes tendências da arte urbana, ou apenas de um gajo que até está a começar agora e que, coincidência, aparece na mesma altura em que uma conhecida marca de cerveja portuguesa lança no mercado um produto com o mesmo nome.
Pelo que percebi a sua actividade no Instagram começou no final de Janeiro, apesar de um amigo meu me ter jurado a pés juntos, numa noite de copos, ter visto coisas dele antes. A actividade online parece ter começado num post onde se lia “A partir de hoje, as paredes não têm só ouvidos”, dando a indicação que está de olhos postos em nós. Uma afirmação bem reminescente do conceito de Big Brother – não o reality show, mais uma referência tão Orwelliana que dói.
E o que ele acabou por ver também não foi assim tão difícil de reparar quanto o seu trabalho, lamento. Foi uma nova cerveja que apareceu. Uma que, para o bem e para o mal, partilha o nome com o artista. A dúvida não demorou a instalar-se: golpe de marketing, ou feliz coincidência? Estaremos nós a ser levados nas falinhas mansas de uma campanha publicitária(genial, diga-se, se for o caso)? Corremos nós o risco, ao escrevermos sobre isto, de vocês, leitores atentos, nos verem como os idiotas que foram na cantiga? Na verdade, pouco importa para o caso, porque o que nos interessa aqui é partir desta situação – fictícia ou não – e dissertarmos meia nesga sobre o adbusting ao longo da história da arte urbana, enquanto motor da crítica social, da intervenção e do activismo anti-sistema.
Qualquer pessoa que já criou um pseudónimo, banda, empresa ou projecto sabe a dificuldade que é criar um nome. Soa tudo mal, é uma coisa que fica connosco para sempre. Aparecer outra coisa com o mesmo nome ainda adivinha mais desvantagem. Coruja, iniciou entretanto um ataque a toda a publicidade da nova cerveja da Super Bock, ocultando muita da sua exposição na via pública. Podemos questionarmos em relação à eficiência das suas acções contra tão grande empresa, mas a mensagem é simples e deixada na sua página de Facebook: “Quem é quem ? Mais uma vez @superbock, só para esclarecer, o Coruja sou eu”. Ok. voltamos a dizer: isto pode ser tudo fake, mas que levanta questões, levanta.
Este tipo de acções pode ser rara, mas, por isso mesmo, a VICE decidiu dar-vos a conhecer alguns dos mais memoráveis exemplos deste género registados ao redor do Mundo. Só para esta Coruja não se sentir sozinha.
KIDULT VS MARC JACOBS
Se acham que o grafitti, tags, bombing e tudo o que não seja meramente ilustrativo é uma valente merda, deviam ver o vídeo do Kidult. O vídeo Illegal World é tão convincente que nos deixa a pensar que um tag é uma coisa honrada e que estas grandes marcas até merecem estes actos de vandalismo. Ficou mais conhecido por ter vandalizado a loja parisiense do estilista Marc Jacobs, após este se ter, segundo acusa Kidult, apropriado da cultura do graffiti numa mala de senhora.
Em resposta pegou num extintor cheio de tinta e, ao invés de apagar um fogo, ateou a chama de uma discussão que opunha o estilista e o artista. Marc Jacobs ripostou vendendo uma t-shirt com uma fotografia deste acto de vandalismo, a inscrição na sua frente de loja. As letras garrafais de Kidult, onde se podia ler “Art”, foram suficientes para valorizar estas camisolas em 686 euros. O artista urbano respondeu com a mesma técnica, desta vez escrevendo 686 na fachada da loja.
Jacobs colocou uma nova t-shirt, desta vez com fotografia da nova decoração de loja, à venda. Também tirou uma fotografia com os seus empregados a usar bonés com a inscrição destes 3 números. Não é o número do diabo, mas é um preço diabólico para a porcaria de uma t-shirt. Não sabemos quem ganhou, mas há mil coisas melhores em que gastar 686 euros. Querem uma lista?
DE FEO A BONITO
Parece a história do patinho feio, mas é só o apelido de um tipo. Chama-se mesmo De Feo, daí esta porcaria deste trocadilho. Mr. de Feo, como ficou conhecido, dignou-se a desfigurar publicidade e acabou por ser abraçado pelo mundo da moda por isso mesmo. Michael De Feo, do alto dos seus 43 anos, fazia parte de um colectivo que agia em cima de mupis publicitários para gerar diálogo em relação à comunicação corporativa.
Os posters desapareciam e, no seu estúdio caseiro, fazia remisturas – acho que lhe podemos chamar assim – destas peças publicitárias. Reapareciam, pouco mais tarde, cobertas em imagens floridas. A acção foi adorada por muitos directores de revista e até figuras-chave do universo das artes, alegando que o marketing, pelo menos para aquela área, estava bacoco e desinspirado. Claro que agora faz carreira disso. Pode estar a subverter o formato, mas não acaba por estar também a fazer parte dele?
E UM POUCO DE PHOTOSHOP?
Os mais inseguros desejariam que isto fosse notícia de telejornal. Cá está, mais uma vez, um português a mostrar que ser português não é uma deficiência. Não é uma incapacidade que nos impede de trabalhar tão bem como outros lá fora e podemos ficar conhecidos com isso. Daniel Soares, criativo publicitário português de sucesso internacional, decidiu fazer um acto de adbusting bem simples.
Começou, portanto, a colar a barra de ferramentas do Photoshop em alguns anúncios e acabou viral nas redes sociais. Até foi convidado a expor. Uma crítica à publicidade do mundo da moda, porque cria expectativas irreais em quem a consome. Um belo exemplo de como uma ideia simples pode dar-vos um bom dinheirinho, apesar de que se procurarem na Internet só aparecem sugestões para fazer compotas ou babysitting.
AFINAL, QUEM É O BANKSY?
Em 2006, antes de ser a figura mais conhecida da arte urbana, Banksy também fez experiências neste tipo de formato. Apesar de não ser bem um exemplo de Adbusting, porque se trata de um CD de uma “cantora” – sim, as aspas são para dar ironia à frase.
Bansky alterou os libretos de 500 discos de Paris Hilton em 48 lojas pelo Reino Unido, inserindo mensagens subersivas, ao invés do que lá estava. Até os donos das lojas se renderam à acção, achando-a genial. As mensagens criticavam a superficialidade do mundo da música e, obviamente, geraram uma grande procura pelos mesmos. Foi uma sensação viral no início da Internet como a conhecemos hoje em dia. Uma espécie de vídeos do Taveira da street art.
PADRÕES IRREAIS
Também no Reino Unido, anúncios de uma empresa de suplementos chamada “Protein World” apareceram alterados. Imensos mupis da campanha “Are You Ready for the Beach” surgiram modificados, um pouco por todo o lado, com diferentes deturpações. Desde figuras menos atléticas a dizer que “sim!”, até mensagens a afirmar que todos os corpos são figuras de praia, toda a gente quis cascar nestes burros do ginásio. A campanha acabou por ser retirada pela autoridade da publicidade do Reino Unido por ser considerada imprópria. Nem todas as acções de adbusting acabam por beneficiar a vítima.
E AGORA?
Resta saber qual destes exemplos será o fado de Coruja. O que sabemos, isso sim, é que a sua acção é algo de novo por cá. O que será melhor, a cerveja ou a arte? O que é certo é que todos os dias aparecem coisas novas e cada vez mais direcionadas à publicidade da Super Bock, assinadas pelo artista. Apesar das bocas nas redes sociais, ainda não conseguimos obter qualquer resposta da marca (nem do Coruja), devem estar a ver no que isto vai dar.
Para já, esta Coruja voa e promete vir para ficar. Ou esperamos nós que venha para ficar. Como ela vê tudo, de certeza que vai ver isto. Ficamos à espera de um contacto para conversar e perceber um pouco mais. A polémica segue dentro de momentos. Até já, Coruja!
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