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Estes artistas estão fazendo novos cartuchos para consoles antigos

Se você cresceu com videogames por perto, há boas chances de que um dia você se imaginou fazendo um jogo para um console como o NES (vulgo “Nintendinho”) ou o Mega Drive. Porém, essa ideia some de mãos dadas com o sonho de ser astronauta.

Outras pessoas, como Marcelo Barbosa, nunca esqueceram. E por conta da sua resolução, o seu próximo jogo vai ser lançado como um cartucho pro NES, 32 anos após o lançamento do videogame no Brasil. Por quê criar um jogo pra um videogame de trinta anos atrás? Eu conversei com o Marcelo pra tentar descobrir.

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Acima: Trailer de ‘Lucky Penguin’, jogo inédito de NES criado por Marcelo Barbosa.

“O que me fascina e o que me relaxa nisso são as limitações. Porque você não pode simplesmente desenhar qualquer coisa que vem à cabeça”, ele contou numa conversa por email. Marcelo está produzindo o jogo Lucky Penguin com o polonês Lukasz Kur e é responsável pela arte. Ele tem 38 anos e o seu primeiro jogo — Tcheco no Castelo do Sarney — também foi pensado como um jogo retrô. O desenvolvedor é o tipo de pessoa que hackeia jogos antigos por diversão e há décadas nutre um relacionamento profundo com fóruns e comunidades de homebrew (jogos não-oficiais para consoles antigos).

“A vontade de trabalhar com isso aí é desde criança”, lembrou. “Tem um desenho que eu fiz com 9 anos que era todo meu game design primitivo de como eu faria um joguinho do Atari. Esses sonhos de infância que toda criança tem e vai deixando, só que eu ainda sou meio obcecado com isso”.

“Na época em que o Nintendinho meio que foi morto em favor do SNES, eu não entendi o que tava acontecendo. Eu não queria o novo, porque eu já tinha o Nintendinho. É um aparelho que você já tem, por quê seu suporte precisa ser interrompido?” – Marcelo Barbosa

Comunidades de homebrew existem desde a pré-história da internet, mas de alguns anos para cá alguma coisa mudou. Mais pessoas estão lançando seus homebrews de maneira autêntica, com caixa, cartucho, manual. Você provavelmente tem que até assoprar pra tirar a poeira e tudo, é a experiência completa.

“Tem sido um pesadelo organizar tudo isso! Eu tenho uma caixa gigante na minha cozinha com centenas de cartuchos vazios”, me conta Matt Phillips, um desenvolvedor britânico que está produzindo Tanglewood para o Mega Drive sozinho. Ele me diz que a sua inspiração é em jogos como Another World e Flashback, mas também tem um elemento da sua infância envolvido. “Os cartuchos são todos montados manualmente e o molde é feito do zero, porque eu quero que pareça e tenha o peso de um cartucho original dos anos 90. Quando abrirem a caixa do jogo, eu quero que as pessoas tenham uma experiência parecida com a que elas tinham no natal quando eram crianças.”

Matt tem 32 anos, mora na Inglaterra, e talvez sua idade explique porque ele prefere um console de 16-bit ao 8-bit. “Eu tinha 8 ou 9 anos quando ganhei Sonic 2, e depois disso eu disse pra minha mãe que eu queria criar algo assim. E agora eu estou fazendo isso. A verdade é que eu nunca cresci direito”. Matt é um cara engraçado, e ele tem sete tatuagens do Sonic. Isso é irrelevante, mas não é muito legal? Me senti obrigado a compartilhar.

O desenvolvedor explica que fazer um jogo sozinho tem um preço, “especialmente porque eu passei minha vida inteira programando em C# ou C++”, que são linguagens de programação mais complexas. Matt deixou a vida de desenvolvedor em grandes empresas pra focar em Tanglewood depois de um financiamento coletivo bem sucedido. “Acho que por dentro eu devo ser um sádico masoquista ou sei lá”, Matt confirmou minhas teorias.

Eu tenho essa sensação de que criar esse tipo de jogo é como escalar uma montanha, outro esporte que eu não entendo muito. Não me parece algo feito apesar de ser difícil, mas algo que as pessoas fazem também por quê é difícil. Marcelo Barbosa me contou que “a graça de desenvolver pra esses consoles é pensar em como você vai resolver esse pepino aqui, como que tu vai fazer tua ideia caber ali.”

“É muito complicado fazer um jogo pra um videogame como o NES”, ele diz. “Parece simples, porque o que a gente vê na tela é basicamente a mesma coisa, mas é um negócio incrível: tudo que tu levaria um dia pra fazer num PC moderno, tu leva 100 vezes mais pra fazer a mesma coisa no videogame antigo.”

Existe algo além da dificuldade que o incentiva. Não é um sentimento nostálgico, mas um descontentamento com a tecnologia que qualquer pessoa que tenha utilizado um computador ou um celular nos últimos dez anos poderia se identificar. “Tem um anúncio em que eles afirmavam que o Atari ia ser algo permanente na sala de estar da família.”

Esse é o anúncio:

O texto diz: “‘É uma tendência passageira, como o bambolê?’ É exatamente o oposto. O ATARI não é um brinquedo para ser colocado no armário e esquecido. É uma parte permanente do centro de entretenimento de uma casa. E assim como constantemente existem novos discos disponíveis para o seu som, o Atari irá constantemente oferecer novos cartuchos para o seu sistema.” Imagem: Atari/Reprodução.

“O que soa ridículo hoje mas me parece que eles realmente tinham essa intenção. E para pra pensar, por quê uma tecnologia nova precisa necessariamente matar a antiga?”

Eu ainda guardo meu PlayStation 1 e um monte de CDs, embora o tempo tenha corroído boa parte deles. “Na época em que o Nintendinho meio que foi morto em favor do SNES, eu não entendi o que tava acontecendo. Eu não queria o novo, porque eu já tinha o Nintendinho. É um aparelho que você já tem, por quê seu suporte precisa ser interrompido?”

“É engraçado que nesse meu trabalho com jogos e tal eu ainda levo a sério essas bobagens da infância.”

Então por que fazer um jogo pra um videogame de duas décadas atrás? Porque agora, duas décadas depois, Marcelo e Matt podem.

Cartucho de ‘Lucky Penguin’. Imagem: Marcelo Barbosa/Divulgação.

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