A não ser que você trabalhe no meio, seja um estudante chato de gastronomia que faz risoto, agente da vigilância sanitária ou só um deslumbrado com a vida, nunca deve ter pisado na cozinha de um restaurante. O Paulo Tiefenthaler não é nenhuma dessas coisas. Ele é ator, jornalista, cineasta, editor e fotógrafo, mas já botou os pés em muita cozinha pelo mundo, só que como garçom. No fogão mesmo o cara só manja do arroz com feijão e bife básico.
Mesmo assim, ganhou um programa de culinária na TV, o Larica Total, que já está na segunda temporada. Mas diferente do que costuma passar pelas tardes, as receitas do Paulo não tem ingredientes afrescalhados. Pra quem liga a televisão desavisado, alguns pratos podem parecer meio toscos. Foi o que aconteceu quando assisti à preparação do frango total flex, no ano passado. Sem saber se o que o cara faz é pra ser levado a sério ou não, resolvi bater um papo com ele e tirar tudo a limpo.
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Vice: Já almoçou?
Paulo Tiefenthaler: Ainda não.
Vai cozinhar o que hoje?
Vai rolar um frango com batata aqui.
Com restos da geladeira?
Não, não, não. Com comidinha nova [risos].
Olha só!
Só por que é comida nova? Isso é piada! É só para o programa. Na vida real eu tenho sempre comidinha compradinha, nova, gostosinha…
Por falar nisso, te confundem muito com o Paulo de Oliveira [personagem que apresenta o Larica Total]? Acham que você é ele e ele é você?
Totalmente! Mas a partir do momento que as pessoas me abordam na rua e começam a conversar, vêem evidentemente que eu sou eu. Ele tem muitas coisas parecidas comigo, obviamente, mas aquela energia, aquela coisa toda que eu faço no programa eu não faço no meio da rua normalmente, né? Tem gente que fala comigo querendo rir!
Mas então me explica: o Larica Total é um programa de culinária ou um programa de humor?
Tem de tudo um pouco. Ele chega a ser até um documentário, porque documenta o que acontece pra valer na frente da câmera. Mas é um programa de humor, de auto-ajuda, um programa filosófico, um programa de culinária, um programa caótico… Tem um lado tiozão, um lado irmão mais velho… Entendeu? Sempre tem umas dicas, então não é só culinária. É um bate-papo, uma conversa. O Paulo de Oliveira é meio um filósofo da vida que ele leva.
E você come tudo o que cozinha lá?
Sim! Tudo fica bom. Só o sanduiche do Mossy que não ficou, então ninguém comeu. E teve uma sopa de abóbora que também não ficou boa. Acho que botei muita água. Mas eu falei isso no programa. Falei: “a sopa tá uma bosta, hein? A sopa tá muito ruim”. Eu falo sempre a verdade. Mas é comida normal lá no programa. Tipo moqueca de ovo. Todo mundo falava com nojo, “nossa, moqueca de ovo!?”. A moqueca de ovo ficou MARAVILHOSA! A gente faz comida normal. Não é omelete com pombo do Hermes & Renato. Feijão, arroz, salsicha, macarrão… Todo mundo come isso, mas a pessoa vê na televisão e acha nojento. Lógico! ISSO AQUI NÃO É ANA MARIA BRAGA! ISSO AQUI NÃO É UM PROGRAMA DO ALEX ATALA. Não é um cenário lindíssimo com fórmica branca, entendeu? Não é! A idéia do programa não pode ser essa. O programa é um solteirão em casa fazendo comida no seu apartamentinho sem empregada doméstica, como a maioria das pessoas faz. As pessoas cozinham de cueca em casa, entendeu? Ninguém tá vendo! Então é um pouco isso. O programa tenta trazer um pouco a intimidade dessa figura, e é por isso que tá fazendo sucesso. Porque fala a verdade. Ninguém tem uma cozinha chique e maravilhosa em casa. Quer dizer, alguns tem, mas a maioria não.
Mas o público faz os pratos mesmo?
Cara, a galera faz mesmo. Geralmente a pessoa repete o prato, tira uma foto e manda pelo Orkut, Facebook, Twitter…
Lembro que quando assisti ao primeiro episódio, do frango total flex, achei que fosse piada. Nunca achei que alguém fosse comer aquilo.
Mas por que não?
Ah, cara! Porque é uma mistura de frango, molho inglês, ketchup, mostarda, cerveja e sei lá mais o que. Achei que não fosse ficar bom nem a pau.
Experimenta! Ficou agridoce, sabe assim? Quando ele fica meio doce, meio assim… Ficou gostoso. Ficou gostoso mesmo. Tem que fazer, cara. Tem que fazer e experimentar. Parece nojento porque as pessoas quando vão num restaurante já vem tudo pronto, então não sabem como foi feito aquilo. É que nem limpar galinha. Limpar galinha é uma das coisas mais nojentas que tem.
Agora me diz outra coisa: você iria ficar tranquilo de comer num restaurante no qual o chef fosse o Paulo de Oliveira?
Cara, é o seguinte: o Paulo Oliveira não é um chef. As pessoas falam “ah, mas é o Jamie Oliver brasileiro”. Não sou o Jamie Oliver brasileiro PORRA NENHUMA! O Jamie Oliver é um SUPER cozinheiro internacional, entendeu? Super talentoso, sensível, tem uma comida gostosa, maravilhosa… Eu não sou um cozinheiro. O Paulo de Oliveira é um solteirão de 38 anos que aluga bugres pra sobreviver e resolveu fazer um programa de televisão de culinária do jeito dele porque não aguentava mais ver esses programas com receitas chiques feitas com ingredientes que normalmente você nunca tem em casa. Então ele resolveu tomar uma atitude de criar um programa no qual ele pudesse cozinhar para outros como ele. Quem não sabe cozinhar direito, então, vai aprender junto a enfrentar a parada. Essa é a graça da história. Ele não é profissional. Não é um cozinheiro. Ele não vai ter restaurante nenhum.
O que você acha do Jamie Oliver, aliás?
Ele é talentoso, divertido… Gosto dessa coisa de ele pegar a moto e sair pra comprar peixe. Ele é boa praça e tal. Pelo menos pela televisão. Não sei se pessoalmente ele é um filho da puta.
E o Paulo de Oliveira tem planos de pegar um bugre e sair atrás de especiarias por feiras do Brasil?
Sim! A gente quer fazer um longa-metragem com ele, mas não tem noção de como fazer. Acho que vai ser uma coisa meio que pé na estrada mesmo. Tem muitas idéias, mas agora é esperar por patrocinadores. Venham patrocinadores maravilhosos, venham.
Cara, estou tentando decorar seu nome o dia inteiro, mas ainda não consegui. Realmente cozinhar parece fácil perto de falar Tiefenthaler.
Meu nome é fácil. O primeiro ‘e’, do ‘Tie’ – que é ‘tê’, ‘i’, ‘é’ – é mudo. Então fala ‘Ti’. Depois vem o ‘éfe’, ‘é’, ‘êne’, que fala ‘fén’, e depois vem ‘t’, ‘h’, ‘a’. Como esse ‘h’ também é mudo, então se fala ‘tá’. O resto se diz como escreve. É simples! Tiefenthaler.
Você nasceu na Suíça?
Eu nasci na Suíça, mas meus pais já moravam no Brasil. Minha mãe tava grávida, foram viajar e eu acabei nascendo lá. Mas cheguei ao Rio com dez dias de vida.
Mas você já morou em Zurique, não?
Sim, sim. Quando eu tinha uns 20 anos passei um tempo lá. Trabalhei com várias coisas. Fui carteiro, gerente de pensão, garçom… E com o dinheiro que juntei lá fui pra Paris estudar teatro.
E trabalhando como garçom você via muita nojeira rolando na cozinha?
Não, cara. As maiores nojeiras que eu vi em cozinhas foram nas de hotéis cinco estrelas.
E por que o programa tem esse nome?
Olha, a larica vem do português mais antigo, mais arcaico, e quer dizer ‘muita fome’. MUITA fome! Essa palavra sumiu e voltou como a fome gerada por fumar cannabis, né? Pra falar do apetite que a cannabis produz em você. Nem sei como, mas essa história é muito interessante – o como essa palavra voltou pra denominar a fome sob o efeito da maconha. “Estar com larica”. Então são duas coisas. Na origem a palavra quer dizer ‘muita fome’, mas na contemporaneidade do Brasil larica está associada àquele paladar, àquela fome gerada por fumar maconha. Já a ‘fome’ é uma fome diária. O corpo necessita de vitaminas pra poder ficar de pé. O programa não fala de maconha. O nome Larica Total é porque a palavra se tornou tão popular que transcendeu o propósito de fumar maconha. Não está necessariamente ligada à necessidade de fumar maconha para poder comer tudo aquilo que você comprou. A palavra já se tornou um sinônimo daquele lanche da madrugada, de um doce, de um pastelzinho gostoso, entendeu? O programa tem uma liberdade meio que anárquica. Não tem uma defesa se é maconha ou não. Não interessa! Cada um faz o que quiser com essa informação.
Para acabar, um daqueles trocadilhos idiotas de entrevistadores espertinhos: quais ingredientes devo misturar para ter um Paulo Tiefenthaler?
Pergunta difícil essa, hein? Mas vamos lá. Uma receita para Paulo Tiefenthaler… Bom, muito pé na estrada, tá? Vá viajar. Tem que ser viajante e se interessar por tudo pra escolher o que é o melhor para si próprio e jogar fora aquilo que não presta. Depois… Escolher coisas para se fazer antes da morte muito seriamente, não vir a passeio. Viver a vida intensamente. Também é bom um pouco de arrogância simpática. Existe uma arrogância perante a vida que é saudável – não vai colocar aí que eu sou um arrogante chato – porque a vida também é arrogante com a gente, entendeu? Então tem que ter uma arrogância com muito humor. Aliás, sem humor não dá! Isso é básico! Tem que ter muito humor e amor, né? E paixão. E loucura – uma loucurinha é boa. E um pouco de revolta também… Uma boa cachaça, né? Cigarrinho natural… [risos] – tem que botar aí cigarrinho natural, hein? Porque pode ser várias coisas, não delimita… Porra, bicho, é coisa pra caralho! Praia… Rio de Janeiro… Copacabana… Amar as mulheres… Amar os amigos… Muito! Cada encontro, cada festa, cada chope, cada brinde é uma celebração. É um aniversário do dia-a-dia. Porque sem os amigos, sem o amor e sem o humor é impossível levar a vida… E…
E um nome complicado…
E um nome complicado.