É com imenso prazer que derretemos vossos cérebros nesta sexta-feira com a exclusiva estreia de Como Irritar Dândis do Hardcore – Lições Práticas Vol 01 (aka How To Irritate Hardcore Dandis). É o filme mais recente do cineasta crescido em Joinville e atualmente tentando se radicar no Rio de Janeiro, Gurcius Gewdner [se diz Güidner] — o mesmo diretor de Nosferatum (2003) e Mamilos em Chamas (2008). A sinopse é muito bonita: “Um gato astronauta dá rasantes no espaço sideral enquanto revisa os melhores momentos de sua própria vida, poucos segundos antes de salvar o mundo, sendo atropelado por um meteoro que destruiria o planeta. Ao mesmo tempo em que agentes criminosos internacionais tentam fechar os sites de download e adolescentes incomodam banda de hardcore jovem com câmera inconveniente”. Essa banda, pra que conste, é o Dog Eat Dog, aquela que muita gente que curtiu nos anos 90 hoje tá transando menos que os lamas do Tamagotchi.
Só que antes um intervalo, porque ele não tem verbete na Wikipédia: Gurcius Gewdner (Brasília, 30 de julho de 1982), apesar de “ser tipo uma versão menos nutrida do Lemmy Kilmister com o mesmo sotaque do Neto, só que mais inteligente” também é conhecido como Príncipe do Isopor, Cineasta do Amor ou, às vezes, Gustavo Gewehr. Sua carreira já tem mais de 50 filmes, entre auxílios, participações e trabalhos próprios. Junto com o Peter Baiestorf (Canibal Filmes), tenta “implantar o termo ‘cinema maravilhoso’, que é aquela coisa que você faz por amor e não sabe dizer o que está fazendo”. Ele filma desde que tem 13 anos, mesma época em que integrava o grupo de hardcore nonsense Os Legais. Desde então tem juntado o que talvez seja o maior acervo pessoal de horas gravadas entre viagens e amigos. “Minha tia mesmo tava me lembrando que levei câmera no último passeio que fiz com ela há dez anos. Filmei um gafanhoto e usei no Mamilos em Chamas.” Enfim, dá o play, macaco!
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How to Irritate Hardcore Dandis (Gurcius Gewdner, 2012) from Gurcius Gewdner on Vimeo.
A saber: as sequências em que o grupo de amigos se empenha em irritar o vocalista do Dog Eat Dog foram filmadas em 1997, e o cabeludo é o próprio Gurcius; a cena do espaço sideral foi retirada de um filme turco; o homem tocando xilofone com dançarinas ele não sabe de onde veio; e o resto é tudo filmado por ele.
A saber (2): junto com o filme ele mandou um e-mail falando um pouco mais sobre o trabalho. O que foi ótimo, primeiro porque estavávamos devendo uma entrevista desde novembro passado [quando lançou Freddy Breck Ballet (2010)], e segundo porque se tivéssemos mesmo trocado a tal conversa, as respostas poderiam ter demorado oito meses pra serem respondidas e o interessado em ler tudo talvez precisasse de mais ou menos sete meses pra conseguir terminar. Então resolvi transformar as esclarecedoras informações que ele enviou em perguntas, tipo uma entrevista pingue-pongue, só que pongue-pingue. Pra caso o filme não se explique por si só. Mas fica tranquilo que dá pra ler de boa em uns três dias. Bom final de semana!
VICE: Por que resolveu lançar esse filme agora?
Gurcius Gewdner: Pra fazer as pazes com a montagem: em 2011 não tive tempo de montar filme nenhum, só filmei. E os dias vão passando e você sente que já esqueceu tudo, vai vendo as filmagens acumulando e começa a sentir que não vai conseguir montar mais nada. Resolvi que precisava fazer um filme novo pra me exercitar. De início a única coisa que eu iria fazer seria pegar essas filmagens que fiz 1997, botar uma tela preta na frente e outra atrás. Mas perto do Natal, senti vontade de desenhar a turma da Monica praticando atos imorais, e resolvi que ia misturar isso com essas filmagens. Mantive essa ideia fixa, mas no fim não fiz. Sempre quis homenagear o Limp Wrist em um filme — além de ser minha banda preferida de hardcore dos últimos anos, as letras deles também estão entre as melhores. Sempre achei a melhor resposta possível pras bandas de “hardcore MACHO” que de macho não têm nada. Nem sei se o Dog eat Dog tem essa postura, acho que não, ao menos não tanto quanto outras bandas mais conhecidas de NY, mas sem dúvida eles são uma “safe punk band”, totalmente inofensiva, que na época tinha destaque mediano na MTV. Então decidi que se estava fazendo um filme usando como base uma banda nada relevante, ao menos eu deveria usar uma banda relevante na trilha sonora. Quinze anos depois dessas filmagens, a única conclusão que consigo chegar sobre os motivos de estarmos ali é que depois eu ia fazer esse filme. Não éramos fã da banda na época, e nunca viemos a ser. Em nenhum momento houve tentativa de fazer amizade, apenas ficamos incomodando.
Na hora de assistir as filmagens do Dog Eat Dog, comecei a desistir do filme, achando a coisa tão desinteressante que cheguei a repensar minha vida, pensando em qual o sentido de perder meu tempo montando filmagens que fiz com 14 anos. Pra diminuir ainda mais minha fé em mim mesmo, um amigo antigo se oferecia pra apresentar um filme meu em um edital, e mesmo com toda boa vontade dele, eu só conseguia mexer nessas filmagens dos 14 anos. Mantenho minha implicância com preparar um roteiro “fechado” antes de iniciar uma produção, já que aqui, mais uma vez, nunca existiu um roteiro, apenas a decisão do que usar previamente — fui descobrindo durante os cortes o que ia acontecer com o filme. Paralelo a isso tudo, começam a surgir as leis anti-pirataria na internet, com babacas internacionais tentando eliminar as trocas de arquivo pela internet, fechando o Mega Upload e colocando os outros sites sob observação. Essa situação nem se resolveu ainda, mas decidi desviar um pouco o filme pra isso. Imaginei uma bandeira pirata ou uma simples bandeira preta anarquista, e percebi que a Mini Mulamba [uma das atrizes] se chacoalhadando aos ventos se parece com uma bandeira preta. Me lembrei da abertura de Nosferato no Brasil, do Ivan Cardoso, e me apropriei do “empréstimo” que ele por sua vez fez dos poetas concretos.
Também decidi que se minha intenção é fazer experimentos com montagem, eu deveria complicar tudo e fazer um filme-montagem, desses que tanto amo, misturando dança, explosões, animais, carros em alta velocidade e todo tipo de baboseira que eu conseguisse encontrar pelo caminho. Comecei a vasculhar meus arquivos, selecionando tudo que me agradasse sem muito critério. Muita coisa não tinha nome, e fui pegando. Também encontrei umas filmagens que fiz com a dupla de musas, que ao lado da Mini Mulamba fecham um trio: Rachel & Sarah. Três filmagens com suportes diferentes: Dog Eat Dog com VHS-C, Rachel & Sarah com uma máquina fotográfica comum & Mini Mulamba, a bandeira anarquista astronauta felina filmada com o celular de minha mãe. Em nenhum momento a nossa câmera é bem vinda, e mesmo anos depois, em tempos onde tanto se discute uso da imagem, confesso que gosto de ser indesejado às vezes, de filmar quem não quer ser filmado, de irritar quem surge diante da lente.
Isso deve ser um acontecimento e tanto. Pelo que fiquei sabendo, às vezes você demora anos pra lançar filmes novos.
Eu realmente gostaria de conseguir fazer um filme a cada duas semanas, pra que os filmes não tivessem a importância que acabam tendo por só terem um sucessor depois de seis meses, oito meses. Queria que os filmes fossem como músicas e pudesse pular de um para o outro com a facilidade de quem faz um desenho. Acho que ainda consigo isso, terminar um filme, largar pra alguém divulgar e começar outro no dia seguinte. Acredito que os filmes precisam ser críticos, mas também acredito que posso criar uma zona autônoma temporária ao menos dentro do mundo dos meus filmes, o que significa que dificilmente farei um filme usando políticos ou religião. Gosto de imaginar um mundo onde não exista religião ou políticos, porque essas coisas me deprimem, e já que o mundo dos filmes é meu, quero fazer o que eu quiser. Mesmo em um mundo sem essas coisas, é inevitável você lidar com hipocrisia, e a melhor forma de discutir e criticar religião, política e hipocrisia é através do SEXO, que também é uma forma de discutir liberdade, que é o tema central de boa parte dos meus filmes — mesmo que implícito. Nesse filme novo tentei misturar liberdade de criação, falando sobre como é maravilhoso fazer filmes sem a pressão de um edital e com seu próprio dinheiro. Falo sobre liberdade de troca de informações, que é meu direito de compartilhar música e filmes dos outros e piraterar meus próprios filmes. Liberdade de propriedade intelectual, que é pura baboseira, liberando meus filmes pra uso comum e usando imagens de filmes que não são meus; e falo sobre liberdade sexual dentro do hardcore, que é um dos estilos musicais onde mais se fala em liberdade, mas, na prática nem sempre é assim. Hoemenageando um dos ícones do homocore, que è o Limp Wrist, no meio disso tudo tem essas minhas filmagens de 1997 incomodando essa banda, que começou como a base principal do filme, mas no fim são quase coadjuvantes.
Gurcius Gewdner vem do hibridismo do seu nome, Gustavo Gewehr, com o de um amigo, certo?
Sim, com o do Marcius Lidner, um dos vocalistas d’Os Legais e que fez meu primeiro filme comigo [Poluição dos Mares & Oceanos (1996)].
Você já perguntou pra alguma numeróloga, cabala ou sei lá o que os artistas hoje em dia procuram, se esse nome é harmônico e traz boas vibrações?
Sim! Uma menina que entende dessas coisas fez essas porras e disse que acertei na mosca! Já me esqueci o que ela fez, mas me disse que é um nome fadado ao sucesso total! [Risos]
Uma dúvida: se já tem filme repetindo seu nome trocentas vezes pra ensinar a pronúncia, um documentário sobre você mesimo (Triunvirato de Gurcius Gewdner) e uma vinheta Exija Gurcius Gewdner!, por que ainda não existe um verbete de Gurcius Gewdner na Wikipédia?
Há uns dois anos fiquei sabendo que meu nome entrou em discurssão na Wikipédia (que existia um verbete lá). Mas levaram meu nome a um grupo de ‘entendidos’ de cinema brasileiro e a conclusão geral foi a de que eu não existia. Quem me contou essa história foi o André Kapel. Tinha um grupo de discurssão de cinema brasileiro bem antigo (que não me lembro o nome) e faziam parte umas autoridades que cuidavam da Wikipédia. Colocaram a coisa em pauta lá, e a conclusão foi que não existo, que é tudo mentira — memso com o Kapel dizendo que já tinha feito filme comigo.
Mas é só colocar lá.
Até pensei (que isso é possivel, né?), mas até hoje não mexi por lá. Numa dessas faço [risos]. Acho que eu ia preferir que alguém fizesse pra mim! Mas seria com alguma frase de impacto fazendo os leitores pensarem que sou o rei do mundo, ou ao menos do Planeta Brasil! Depois dissso os dados básicos… [risos]