Encontrámo-nos em Lisboa numa tarde ensolarada de Abril. Sentámo-nos numa esplanada e pedimos cada um um café e um copo de vinho branco. Abri o caderno, liguei o gravador, dei uma passa num cigarro e começámos. O tempo ficou suspenso no ar – apenas eu e ele, o sol, o vinho fresco e uma conversa que rolou sem travões.
Dos primeiros vídeos no YouTube, à relevância da Casa do Cais na RTP, enquanto série capaz de mudar o paradigma da televisão portuguesa, das actuações como DJ ao novo espaço que está a ocupar ao reinventar-se enquanto youtuber no seu canal KikoisHot, conversar com o Kiko é como comer uma caixa inteira de cerejas da época. Doces, suculentas e viciantes. Bom proveito!
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VICE: Quando começaste a fazer vídeos no Youtube, acreditavas que poderias vir a construir uma carreira?
Kiko: Não! Nunca! Nunca pensei. Quando comecei, tinha eu 16 ou 17 anos, havia seis ou sete youtubers portugueses a fazer vídeos e nem existia ainda um plano de parcerias, ninguém ganhava dinheiro com aquilo. Não havia marcas a apostar. Se dissesses a alguém que eras youtuber, as pessoas perguntavam-te “O que é isso?”. O boom de agora não fazia de todo parte da realidade naquela altura. Eu só comecei a fazer vídeos, porque estava aborrecido em casa. Era uma coisa para passar o tempo.
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Quando é que percebeste que a coisa podia tomar outras e inesperadas proporções?
Acho que foi o meu terceiro vídeo, o do tutorial de maquilhagem, que me lançou para o País inteiro. Lembro-me que, na altura, o Tá Bonito e o Dioguinho partilharam e eram páginas importantes na época. Tornou-se no vídeo feito por um youtuber português mais visto de sempre até àquele momento. Aqueles números nunca tinham sido atingidos por ninguém. Lembro-me que até chegou a amigos dos meus pais, rebentou a escala.
E os teus pais, acreditaram na ideia de que ias ser youtuber?
Não! A minha mãe achou estranhíssimo. “Porque é que estás a falar para uma câmara?”, “Porque é que a minha sala é o teu background?”. Ficou chocada no início. Até me obrigou a apagar vídeos em que se visse muito a sala, não se sentia confortável com o facto de eu estar a expor as nossas coisas e a nossa casa. Na altura era muito estranho e complicado de perceber. Mas, sempre me encorajou a fazer o que eu quisesse, desde que aceitasse as consequências disso. Nem sempre corre tudo bem e a minha mãe explicava-me que toda a exposição traria consequências e que eu teria que estar preparado para lidar com elas.
É preciso ser forte para aguentar as criticas e comentários negativos… No entanto, estive a ver e os comentários que tens no Youtube são óptimos!
Agora, amiga, agora. Se tu soubesses no início…! Lembro-me que, sem exagero, nos meus primeiros meses de Youtube os comentários e likes eram 50/50 – metade positivo, metade negativo. Foi assustador no começo, porque tu sabes o que és e os teus amigos sabem o que és, mas depois a Internet inteira tem uma opinião sobre ti. Que não é verdadeira, mas é impossível de mudar ou de os fazer ver que não é bem assim.
Não é viável responder a centenas de comentários e, se há coisa que aprendi, é que as pessoas acham o que têm que achar. Já vêm com uma ideia fixa sobre ti. Portanto não vale a pena tentares explicar que é ironia, que é uma brincadeira… Eu lembro-me de, antes, escrever notas na descrição dos vídeos a explicar que era um video irónico, até perceber que não tenho que me justificar e que isso não leva a lado nenhum.
Se bem que, ainda hoje, não consigo perceber a maldade do online, porque, pessoalmente, nunca deixei um comentário negativo. Quem é que tem o tempo para estar sentado ao computador e deixar um comentário do estilo “odiei e odeio-te a ti”? Eu nunca na vida fiz isso. Mas pronto, acontece e acho que é porque parece que as pessoas não são bem reais. Cara a cara, se tiveres uma opinião negativa sobre uma pessoa, vais perceber que, na verdade, ninguém te perguntou nada. Mas, na Internet achas que te perguntaram.
Quanto tempo é que pensas que vais continuar a fazer isto? Ou não tens um plano definido?
Não tenho plano nenhum, principalmente com o Youtube, que já mudou tanto para mim. Há dias em que acordo e quero, outros que não. A minha base de fãs é muito compreensiva nisso. Ainda há pouco tempo, umas pessoas que fizeram de figurantes na Casa do Cais vieram falar comigo e disseram-me “faz só vídeos quando te apetecer”.
Durante uns tempos, fazia vídeos só para alimentar a máquina. Até que me apercebi que aquilo não estava a ser bom para mim. Faço YouTube desde 2011, estamos em 2019, mesmo que gostes muito do que uma pessoa faz é preciso perceber que a pessoa vai ter que evoluir, ir para outros sítios… O YouTube, para mim, só faz sentido se for verdadeiro, se for algo que sinto e quero mesmo partilhar. Há meses em que publico vídeos todas as semanas, há meses em que não publico nada. É inconstante – se tivesse agente, nunca me deixaria fazer as coisas assim, mas eu vou ao meu ritmo e tenho a sorte de poder fazer aquilo que realmente quero e ter outros projectos que me conseguem garantir a sobrevivência. O youtube é o meu diário, o meu side project, onde vou quando faz sentido ir.
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Tu és da primeira geração de youtubers em Portugal. O que é que achas que mudou de então até agora?
Ai meu Deus. Agora é que é o ponto [risos]. Eu acho que mudou tudo. Tudo! Qualquer youtuber da minha geração vai dizer-te isso. Não quero nunca parecer aqueles velhos, que dizem que no tempo deles era tudo melhor… acho que temos de aceitar a mudança – as coisas são como são, a evolução é a evolução, ou acompanhas ou ficas para trás. Ou então crias outra coisa! 90 por cento da minha geração já não faz Youtube, abriram caminhos para outras áreas artísticas. E acho que é assim que tem que ser, se não concordas, fazes outra coisa.
No Youtube, a maior diferença que noto, do antes para o agora, é a genuinidade. É tudo muito menos genuíno, o que é triste. Eu vejo coisas que as pessoas não vêem, estou com os youtubers de formas que o público não está, conheço os agentes deles e o trabalho de marketing por detrás de cada um. Isso não existia antes. Nós éramos miúdos, íamos à escola, tínhamos os nossos pais, os amigos… éramos exactamente iguais às pessoas que nos viam.
Neste momento, os youtubers são criados. Manufacturados. Conheci uma das maiores youtubers do momento e descobri que as redes sociais não são dela, são geridas e pertencem a uma agência – são uma marca. Há marcas por detrás dos miúdos, que os escolhem, que lhes dão o equipamento, as ideias, editam os videos… tudo o que é preciso para produzir um youtuber. Não estou a dizer que a pessoa em si depois não seja verdadeira ou que nos vídeos não faça transparecer o seu verdadeiro eu – aliás esta de quem dei o exemplo é muito fixe e gosto muito dela -, mas é uma maneira completamente diferente de fazer as coisas. A máquina é gigante. O Youtube tornou-se um negócio e quando as coisas dão dinheiro, toda a gente quer uma fatia. Na altura que eu comecei não era sobre dinheiro. Era um mundo que estava a ser descoberto e, a meu ver, era mais genuíno.
Mas, hoje em dia é tudo assim. É tudo estudado ao pormenor. Estamos presos num marketing constante, para onde quer que olhemos. Há muitos artistas portugueses que não podem escrever no Twitter aquilo que lhes apetece. Olha o nível a que chegámos! Os fãs acham que estão a conectar com eles, mas não são sequer eles, ou não têm a liberdade de o ser totalmente. Odeio que nos cortem a liberdade como artistas, acho que é das piores coisas que se pode fazer.
Tu vais crescendo, o tipo de negócio muda e quem vê o Youtube também vai mudando. E tu, como é que mudas para chegar a este novo público, a esta nova geração?
Não sei como é que se chega a uma geração que se esquece de tudo! Têm um foco de atenção de dois segundos, são a Dory. Passam do “Que giro!” para o “Já não quero” numa questão de segundos. Mas, eu não mudo. Mesmo. Garanto-te. E, atenção, nem sempre fui assim! Há dois anos passei por uma fase no YouTube em que estava a ter views como nunca tinha tido, o maior sucesso a nível estatístico do meu canal, mas não era verdadeiro.
E eu percebi o mal que isso me fazia a longo prazo. Percebi quando as pessoas me perguntavam ou falavam sobre um video meu e eu não queria ouvir. Até que comecei a pensar que, se não queria que me falassem do meu trabalho, então havia qualquer coisa errada. Cheguei à conclusão que o conteúdo que estava a fazer era só porque as pessoas queriam que eu fizesse. É tão fácil cair nisso. Publicas um vídeo e as pessoas dizem-te “faz mais daqueles vídeos, esses é que nós gostamos” e então eu lá fazia. Só que, de repente, começas a perceber que não estás a gostar de fazer aquilo. Então, como é que geres isso?
No outro dia falei disto com a Blaya, que lançou uma música nova, “Cash“, que está a ser um sucesso e que eu passei num DJ set meu. Mandei-lhe um video e disse-lhe que adorava a música. Ela respondeu-me que não sabia se iria conseguir fazer muitas mais músicas do estilo “Faz Gostoso”, desse tipo de sucesso comercial. É preciso muita coragem para, como artista, tomares uma decisão destas. É por isso que a respeito tanto. Ela sabe que pode sempre fazer aquilo, mas escolhe não o fazer.
A longo prazo, é muito melhor para ti próprio fazeres o que realmente queres e não o que os outros querem que faças. Para eu estar aqui, passados oito anos, a trabalhar no mesmo meio, a diferença é essa – faço aquilo que quero e vou sobrevivendo, porque quem me acompanha sabe que é verdadeiro. Funciona porque é real. É uma relação de confiança. Se eu começasse a fazer aqueles videos só porque as pessoas queriam, o que ia acontecer é que, um dia, iria aparecer outro youtuber a fazer esse tipo de videos e os fãs passavam para ele. As pessoas sabem quando não é real.
Dizes várias vezes que não queres que o teu canal tenha rótulos.
Eu já percebi que, no matter what, eu não vou ser um youtuber comercial. Já tive dezenas de marcas a fecharem-me a porta por ser demasiado polémico, ou demasiado de nicho, ou porque digo palavrões, ou porque o meu público não é o que querem atingir. Por isso, chegou o momento em que pensei que, em vez de tentar encaixar-me na caixa, já que não vou ter marcas a trabalhar comigo, porque não vou ser uma Angie Costa ou um SirKazzio, então mais vale aproveitar para ser o mais verdadeiro possível!
E fica cá quem realmente curtir. Mesmo que seja um nicho, é um nicho verdadeiro, com quem eu posso falar a qualquer momento e sei que me vão aceitar. Não me vão cobrar, não me vão virar as costas à primeira polémica que eu puder ter. Já trabalhei muito neste meio e acabo sempre por me cruzar com as pessoas. E isso é interessante porque, nos dias de hoje, as pessoas estão reduzidas a números. Para as marcas e empresas, não passamos de números. De seguidores, de likes, de partilhas, de engagement. E isso é tão ao lado, as marcas estão muito enganadas. Porque, por exemplo, uma marca hoje vai pegar em alguém que, agora, está cheio de views e muito na moda, mas que daqui a um ano está…
Morto?
Done. Fenómeno Casa dos Segredos. Estás na Casa dos Segredos, ou ganhas, viras famoso, fazes presenças em discotecas durante seis meses e depois já ninguém sabe quem é que tu és. E é tão importante que as marcas percebam a pessoa e aquilo que ela quer comunicar, em vez de julgarem so por números. É tão fácil ires buscar uma modelo do Instagram para comunicar um produto teu; mas agora diz-me, daqueles milhões todos de seguidores que ela tem, quem é que confia nela? Quem é que vai realmente comprar e confiar no que ela está a vender?
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Hoje em dia os youtubers ou os instagrammers são estrelas. E é um tipo de fama estranho, porque as pessoas sentem que te conhecem verdadeiramente, que estavam contigo em casa da tua mãe em 2011. Há alguma coisa que tenhas feito no princípio de carreira de que te arrependas?
Sim, completamente. Com um actor és fã dos filmes dele, com um músico és fã da musica. No caso do YouTube, muitas vezes és fã da pessoa. O teu sucesso recai muito na likability das pessoas por ti, porque elas acham que te conhecem, para o bem e para o mal. É preciso ter cuidado com o que se mostra, porque se não, quando dás por ti tens a tua vida espelhada na Internet e as pessoas ja têm uma opinião sobre os teus pais, sobre a tua relação, sobre o teu cão, sobre como tratas a tua casa….
Mas, não me arrependo de nada. É completamente cliché, mas é sempre verdade que, mesmo que na altura não pareça, a longo prazo, tudo o que fizeste acaba por ganhar sentido. Se bem que eu tinha um defeito antes, que acho que agora já não tenho: no início, queria muito que os outros youtubers gostassem de mim. Como quando entras numa nova escola e queres que os meninos fixes gostem de ti. Eu tentava muito ser aceite, tinha 16 anos e isso para mim era importante. Hoje em dia, who cares? Se eu pudesse dar um conselho a novos youtubers, seria fica com os teus amigos, mantém a tua vida pessoal, o Youtube é só o Youtube. Não precisas que toda a gente goste de ti.
Os vídeos mais recentes no teu canal Kiko is Hot sobre temas pessoais estão a ser um sucesso. E ainda que não seja intencional, se calhar acabam por ir mais de encontro ao que estas novas gerações querem do Youtube, de ser algo que tem os dois lados, o pessoal e o entretenimento.
Eu espero que sim, que seja isso que as pessoas procurem, porque sinceramente já não tenho muita paciência para o conteúdo típico, nem sequer no Instagram! As pessoas agora vivem todas em tons pastel? E toda a gente é linda a toda a hora? É mesmo essa a realidade? Não!
Tudo o que é levado à exaustão acaba por rebentar e espero que estejamos a assistir a isso agora. Tudo o que é demasiado trabalhado, este mundo do Instagram retocado até ao mínimo detalhe, do vídeo muito estudado… eu espero mesmo que se volte às raízes, que possas ligar a câmara às três da manhã e falar sobre aquilo que tens na cabeça, para depois descobrires como não és o único e abrir a discussão. Eu não sou um palhacinho, nem sou um humorista. Não estou aqui só para vos fazer rir. Sou uma pessoa e tenho dias, como toda a gente.
Por outro lado, a relação que tens com os teus fãs parece muito próxima. Há quem te dê conselhos, há quem te conte a sua vida nos comentários dos vídeos…
É tão fixe! Estás mesmo a falar com pessoas. Isso é das melhores coisas para mim. Às vezes publico vídeos que acho que são temas só da minha cabeça, que ninguém se vai identificar. Mas depois, com os comentários, percebo que afinal não, que são coisas sobre as quais todos pensamos. Porque é que ninguém está a falar delas? Os vídeos de entretenimento também têm o seu lugar, claro, mas também faz falta falar das coisas em que pensamos no dia-a-dia. Porque é que há uma separação tão grande entre aquilo que dizes ao teu psicólogo e aquilo que consomes como conteúdo?
Passo horas a ler os comentários. É muito enriquecedor para mim perceber que, ou meti alguém a pensar sobre um assunto sobre o qual nunca tinha pensado, ou fui uma companhia para pessoas que se sentem sozinhas, porque no seu grupo de amigos não se fala destes temas. Eu vivo no meio privilegiado que é uma grande cidade, mas vou muitas vezes a sítios remotos e é aí que acho que o Youtube é tão importante. Para pessoas que, no seu meio, não conseguem falar destes assuntos porque, simplesmente, não são assunto. Quer seja a morte, a orientação sexual, a sua diferença, o que seja. Qualquer tema que não podem debater no sítio de donde são, por serem meios demasiado pequenos para isso.
Para mim, esta ideia sempre foi fascinante: eu, desde o meu quarto, estar a conseguir chegar a zonas do País onde há pessoas para quem eu, apesar de longe e dentro de um computador, acabo por ser a pessoa mais remotamente parecida com elas. E, de repente, isso faz com que não se sintam tão sozinhas no Mundo. É aí que está o poder do YouTube.
Hoje coloca-se muito a questão de se quem tem uma plataforma como a tua a devia usar para motivar o público em certos aspectos, como para ir votar. O que achas disso? Ou pensas que, mesmo que te oiçam, não é isso que muda comportamentos? O que fazes no Youtube, quer seja de forma intencional ou não, tem alguma coisa de político?
A minha existência é política. É muito engraçado estares a falar sobre isto. Perguntavam-me várias vezes porque é que não usava mais a minha plataforma para apelar a marchas ou eventos de angariação de fundos, ou ser completamente político no meu canal. O que eu digo sempre é que eu acho que o activismo se faz de formas diferentes e que cada pessoa tem um papel diferente nele. Apesar de eu perceber a importância da ILGA e de associações activas no papel politico e na Assembleia da República, onde realmente se faz a mudança, acho que o meu papel é diferente.
O facto de alguém como eu, que teria tudo para ser uma paródia, para ser uma figura gozada, ter sobrevivido estes anos todos num meio mainstream e crítico como só a Internet sabe ser, é o meu activismo. Eu entrar numa reunião com senhores de meia idade engravatados – é aí que eu faço a diferença. Já perdi a conta às vezes em que fui “o primeiro assim” a participar em coisas. Diz-me tu no nosso país onde é que vês alguém como eu a participar nos projectos que eu participei, ou a estar nas reuniões em que eu estive. Eu estou a criar oportunidades ao ser eu próprio. Ficam chocados com a minha forma de vestir ou com o meu cabelo, o que for, da primeira vez que me vêem. Talvez até da segunda. Mas, eu continuo aqui, sempre igual, não vou a lado nenhum, até que deixam de se chocar. Até que venha o próximo como eu e já não há resistência, já não é assunto.
É esse o teu objectivo?
É esse o meu grande objectivo, que isso deixe de ser assunto. Que quando um youtuber talentoso quiser participar numa série, não se coloque a questão da sua sexualidade, mas apenas o talento. E é por aí que eu ganho. Sempre que me perguntam “como é que mudas mentalidades?”, eu respondo que as mentalidades se mudam aproximando as pessoas. Percebendo, ao conhecer as pessoas, o quão igual tu és a elas.
Eu acredito mesmo – ainda que seja uma teoria minha que vale o que vale – que a maior parte das pessoas não são homofóbicas, nem transfóbicas, nem racistas. São, isso sim, ignorantes. A maior parte do tempo é só ignorância. Porque nunca tiveram pessoas próximas delas que tivessem essas diferenças. O que vi na minha vida a resultar foi sempre o facto de, ao ser eu próprio e a saber quem sou, as pessoas acabarem por me aceitar, por percebem que, afinal de contas, sou igual a elas. Deixa de haver “aqueles”, passas a ser “tu”. A sermos “nós”. É nesse sentido que acho que eu fiz a diferença e que espero continuar a fazer.
Concordo com a tua teoria. Como quando estás a ver um filme, se a personagem principal do filme for má, tu estás por ela na mesma. Como no Dexter, por exemplo. Quando conheces a história toda de alguém e sabes porque é que fazem o que fazem, podes não gostar, mas compreendes.
Completamente. Mas, atenção, eu acho que toda a gente pode ser ignorante uma vez. A partir daí já é uma escolha, torna-se prejudicial. Eu entendo, tenho amigos meus que ja foram gozados tantas vezes que têm uma postura muito mais defensiva com as pessoas no dia-a-dia. Nem toda a gente tem paciência para estar aqui a tentar abrir mentalidades e nem toda a gente tem que o fazer. Era de esperar que as pessoas mostrassem respeito umas pelas outras e que não gozassem na rua, coisas básicas de educação que todos deveríamos respeitar, mas muitas vezes não respeitam.
Mas, garanto-te e aos meus amigos, porque tenho visto isso na minha vida, que se perderes tempo com alguém, falares com essa pessoa cinco minutos que seja, a pessoa vai mudar a opinião que tinha sobre ti à partida. Nem toda a gente tem que o fazer, mas eu já estive em tantos meios diferentes que tive de trabalhar sempre – e muito – no meu poder de encaixe.
É fácil ser diferente no Lux. É fácil ser diferente no Trumps. Até é cool. Mas, ser diferente numa sala de reuniões, na terrinha, nos estúdios de televisão… ser diferente em meios em que és o único diferente – aí sim, é que mudas qualquer coisa e abres portas à diferença. Porque acontece muito, nestes núcleos em que somos todos muito avançados e diferentes, mas depois só nos damos entre nós. Então, onde é que está a ocorrer a mudança aí?
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