70 pessoas ficaram feridas na rodagem deste filme

O leão Togar no filme “Roar” da Drafthouse Films.

White God estreou recentemente nos Estados Unidos. A história é basicamente uma metáfora moderna que troca nos troca as voltas e nos mostra humanos serem perseguidos pelos seres caninos. Sob a direcção de Kornel Mundruczo, utilizam-se os recursos de forma magistral. Contudo, nem todos os projectos cinematográficos que contam com o protagonismo de animais têm tanto êxito. A Drafthouse Films fez um relançamento de Roar, o filme de 1981 que ficou conhecido por ter uma das rodagens mais perigosas e sangrentas da história do cinema.

A história nasce de um casal bastante peculiar – a actriz de The Birds, Tippi Hedren e o seu marido, Noel Marshal (produtor do The Exorcist), estreando-se como realizador neste filme, função que nunca mais voltou a repetir. Ao que parece, a tarefa de coordenar um jardim zoológico de dezenas de leões, tigres, pumas, chitas e elefantes não amestrados foi tão surreal que nunca mais tiveram vontade de voltar a tentá-lo.

Videos by VICE

O projecto começou a ser planeado em 1969, quando Marshall visitou Hedren enquanto rodava o Satan’s Harvest em África e ambos aproveitaram para passear por umas reservas de animais selvagens situadas perto do platô. Durante uma viagem a Moçambique presenciaram um verdadeiro espectáculo ao encontrar a casa de um guarda florestal abandonada, que teria sido tomada por uma manada de leões que rapidamente a converteram no seu refúgio. De repente, fez-se luz, e nasceu assim a ideia para o filme de Marshall e Hedren.

Leões contemplam a paisagem em cima do telhado durante a rodagem do “Roar” da Drafthouse Films.

Imaginaram um drama protagonizado por defensores dos animais. Uma história em que uns animais perderiam o seu habitat natural. O filme seria rodado na Califórnia no seu rancho de 65 km situado a norte de Los Angeles. Marshall ficou encarregue de escrever o guião sobre um zoólogo (que ele mesmo representou) que vivia entre leões, temendo a sua segurança para com os caçadores furtivos e o governo, enquanto Hedren e os seus filhos – uma jovem Melanie Griffith, Jerry Marshall e John Marshall – eram obrigados a afugentar os animais selvagens sempre que se aproximavam demasiado.

O director de fotografia Jan de Bont sufreu um golpe de um leão durante a rodagem de “Roar”. Depois de receber mais de 120 pontos, acabou de rodar o filme.

O que inicialmente seria uma rodagem de seis meses com uma produção que chegaria aos 3 milhões de euros, acabou por alargar-se por cinco anos e com um custo de 15 milhões (dos quais grande parte terá sido financiada por Hedren e Marshall), e rapidamente se aperceberam que filmar uma história com leões e ser ao mesmo tempo os co-protagonistas não se revelou tão fácil como esperavam. Marshall e a sua equipa (incluindo o director de fotografia e futuro realizador de Twister, Jan de Bont) não tiveram outra alternativa senão filmar ao estilo de documentário, gravando as cenas de acção com oito câmaras Panavison de 35 mm. Para filmar algumas cenas, como a que se vê Marshall a conduzir um jeep todo-o-terreno com dois leões nos bancos traseiros, foram necessárias duas semanas de ensaios diários.

Hank (Noel Marshall) passeia dois leões no banco traseiro do seu todo-o-terreno.

Era também bastante óbvio que os animais tinham uma tendência constante para atacar os actores e membros da equipa, o que acabava por atrasar as gravações. Ficaram documentados mais de 70 ataques. Jan de Bont ficou ferido na cabeça pelas garras de um leão e teve que levar 120 pontos; Noel Marshall foi mordido várias vezes, mesmo quando representava o seu papel, e acabou por ser hospitalizado com gangrena; Hedren partiu numa perna durante a filmagem de uma cena com o elefante Timbo e sofreu uma ferida que mais tarde deu origem a gangrena, que descobriu depois de ter visitado Jerry no hospital. E a lista continua. Ficou também documentado um ferimento horrível que sofreu Melanie Griffith durante a rodagem de uma cena onde se vê o seu rosto encostado à garra de um leão, pelo qual recebeu uma cirurgia plástica facial.

Incidentes como estes posicionaram o filme num incómodo terreno de aceitação, e enquanto que alguns membros da produtora e da equipa de rodagem falam abertamente sobre os percalços sofridos durante o filme, outros, como Melanie Griffith, não querem nem sequer ouvir falar no filme. Durante a rodagem surgiram versões que diziam que a produção estava a ser afectada pela mítica “maldição do Exorcista“, na qual Marshall estava implicado, e até certo ponto havia razões para acreditar em tais sugestões.


A distribuição também tardou algum tempo – cinco anos – e Roar acabou por estrear em 1981, arrecadando menos de 2 milhões de euros. Mas esse resultado não é surpreendente, porque sem a terrível história (real) de fundo, o filme não é mais que uma bodega desastrosa, se bem que chega a ser emocionante numa ou outra cena.

Jerry (Jerry Marshall) escapa de uns tigres.

Após a sua estreia, o filme foi qualificado como “comédia feroz”, deixando claro que Marshall tinha fracassado na sua intenção de realizar um drama sério. Em cada cena percebe-se que os actores tentam agir naturalmente enquanto tentam seguir forçosamente o guião, que fica comprometido cada vez que há uma ameaça de um ataque real, e isso faz com que o espectador dê voltas ao sofá temendo a segurança dos actores.

Os leões espalham o pânico na casa da família.

O mundo excêntrico em que viviam Marshall, Hedren e os seus filhos era bem conhecido pelo público durante a rodagem de “Roar” nos anos 70. Uma sessão de fotografias bastante curiosa da LIFE Magazine mostra-nos Melanie Griffith e a sua família convivendo na sua casa de Beverly Hills com Neil, o leão adulto que adoptaram como animal de estimação – proposta de um domador de leões. Mais tarde, acolheram mais sete leões em sua casa até que os vizinhos se queixaram do ruído, do mau odor e da ameaça à sua segurança.

Madelaine (Tippi Hedren) acorda com as lambidelas de uma pantera quefoi atraída pelo mel que escorre pelo seu rosto.

Não é preciso muito para percebermos que a história que se esconde por detrás de “Roar” mostra uma família com rasgos de intenções puras, mas que não tem em consideração se todos os membros da família partilham da mesma causa. No entanto, estas intenções são fruto da Fundação não lucrativa – The Roar – constituída por Hedren, que continua em funcionamento. Por sua vez, o próprio filme, Roar, não é mais que o resplendor da ambição e um documento fascinante das cinzas que foram deixadas pelo caminho.

Madelaine (Tippi Hedren) e Hank (Noel Marshall) contemplam o pôr do sol com um dos leões.

Acede aqui e dá uma vista de olhos pelas cenas de Roar.

Este artigo foi inicialmente publicado em The Creators Project.