O sexo está sobrevalorizado

Imagem cortesia de MonnieRocks

Laia Abril tem uma especial predilecção por todas as questões relacionadas com o corpo, com a sexualidade e com o género. Falámos com ela sobre um dos seus trabalhos: um site chamado Asexuals Project, que vai crescendo com novas histórias publicadas ao longo dos meses.

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VICE: Olá Laia! Na página de Facebook do Asexuals Project há cada vez mais comentários de pessoas que querem que vás ter com elas para te contarem a sua história.

Laia: Recebi uma quantidade brutal de e-mails. Recebo mensagens de vários lugares do Mundo onde nem sei se poderei ir com este projecto, tipo Abu Dabi. Adoraria lá ir, mas como?

Tentei encontrar dados que me ajudassem a entender de quantas pessoas falamos, mas não encontrei grande coisa. Estima-se que entre três a cinco por cento da população é assexual, mas três por cento são 200 milhões de pessoas, ou seja, montes de gente.

Tive acesso a dados estatísticos que apontam para uns sete por cento, embora nenhum deles seja oficial e, na última estatística oficial que se fez, o resultado rondava o um por cento, que para mim não é real. Pessoalmente, acho que agora é muito mais que sete por cento. Primeiro, porque há muitas pessoas que não sabemos sequer que existem e por isso não podemos contabilizá-las. Imagina que toda a população ocidental sabe o que é a assexualidade. O crescimento que houve nos últimos anos, à medida que as pessoas foram sendo informadas, foi exponencial e isso, obviamente, tem a ver com a visibilidade. As coisas não existem até que tenham um nome e há muita gente que não concorda com as etiquetas ou categorias à volta deste tema. Têm as etiquetas que precisam de ter e pronto. O que é que interessa? Se assim se sentem melhor… Se entram ou não em classificações é uma coisa pessoal. Além disso, são categorias e etiquetas super flexíveis e essa fluidez e flexibilidade é precisamente o que representa esta comunidade, que é uma escala de matizes, nem preto nem branco.

Entremos um pouco nas categorias…

Para além da orientação sexual e da orientação romântica há uma terceira categoria que é a anti-sexualidade. Os anti-sexuais não são a maioria, mas são aqueles que nunca teriam sexo com o seu parceiro.

Então, há assexuais que não se importam de ter sexo e outros que nem mortos o teriam?

Os anti-sexuais jamais teriam sexo como um casal sexual. Podem chegar a um pacto com os seus companheiros (qualquer tipo de pacto), mas depois há assexuais que podem ter sexo e que explicam: “Todos fazemos, por amor, coisas que não queremos fazer…”. Ou seja, sempre que não sintam dor física, ou não seja um problema em si…Mas se te é igual ao litro e o fazes de vez em quando para que a outra pessoa esteja contente, está tudo bem. Claro que não posso generalizar, mas já encontrei pessoas que me explicaram este tipo de coisas.

Amy. Fotografia do projecto de Laia.

Olhando para o teu projecto, surpreendeu-me ver que a masturbação e a assexualidade nem sempre estão em polos opostos. Os assexuais masturbam-se?

Uma coisa é a atracção sexual, outra é a líbido. A maioria das pessoas assexuais têm líbido, ou seja, excitam-se, mas não se sentem atraídas por outros. Então, quando lhes pergunto em que é que pensam quando se masturbam, respondem-me que é uma questão mais física. A maioria das pessoas assexuais não tem aversão ao sexo e experimentou um pouco de tudo, com homens, mulheres, não importa. “Se calhar sou gay, não. Se calhar sou… qualquer coisa, mas afinal também não”. Investigam e vão descartando hipóteses, até descobrirem o que se passa.

Assexual por exclusão de partes.

Alguns assexuais que entrevistei tiveram a sorte de saber o que era a assexualidade com 14 anos e, por isso, não tiveram que andar à procura de uma resposta. Como a rapariga chinesa que “encontrou” a assexualidade na Internet e identificou-se imediatamente. Para ela foi fácil. Hoje em dia está a fazer um doutoramento sobre o tema.

Há outras coisas que me chamam a atenção neste projecto. A primeira é que o número de homens e mulheres é praticamente igual.

É um tema complicado… no total fotografei mais mulheres, porque faltam os testemunhos de Nova Iorque. A balança está bastante equilibrada… Talvez haja um pouco mais de mulheres, tipo 60-40 ou assim… Na minha opinião, ser um homem assexual é mais difícil, porque existe o estigma de que os homens devem ser super sexuais, super machos, a sua masculinidade ainda depende muito da sua sexualidade. Em todo o caso, perguntei tanto a homens como a mulheres que relação tinham com o seu corpo e se se sentiam menos homens ou mulheres por serem assexuais. A resposta foi não. É uma questão que tem a ver com género e não com a sexualidade.

A segunda é o factor geracional.

A nível geracional está claro que as pessoas mais jovens tiveram acesso a esta informação muito tempo antes e, por isso, podem viver a sua sexualidade de forma muito diferente. Pessoas como a Lidia, um caso extremo, 82 anos, ou até Mark, que tem 45, sofreram mais. Mas, é como tudo, deve-se à falta de informação. A Lidia contou-me que chegou a ir ao médico porque pensava que o marido estava doente: queria demasiado sexo. Então o médico disse-lhe: “Não, o seu marido está perfeito, quem está mal é você”. Claro, imagina o que é pensares que és frígida, disfuncional, que és tu quem tem um problema, durante todo o teu casamento. E um dia tens 80 anos e descobres a assexualidade.

A Lidia é uma avózinha adorável.

A Lea, uma das pessoas que organizam o World Asexual Meetings contou-me uma história muito bonita sobre a Lidia. No dia em que organizaram um encontro em Londres, a Lidia apareceu duas horas antes e, quando finalmente se encontraram, perguntou: “Tu és assexual?” e a Lea, respondeu surpreendida: “Sim…”. A Lidia abraçou-a emocionada porque era a primeira pessoa assexual que conhecia na vida. Claro que quando me contou esta história eu disse: Quero conhecer a Lidia.

Alex. Fotografia do projecto de Laia

Falemos de outro assexual: Sheldon Cooper.

Sheldon Cooper é como o herói-sexual dos assexuais. E mais agora, que é romântico.

Explica-nos.

É muito importante diferenciar a orientação sexual da orientação romântica, e claro, a primeira vez que alguém ouve falar sobre isto não entende bem. “Mas não é a mesma coisa?” Não, são coisas diferentes. E a partir desta base, não tão óbvia, abre-se um sem fim de possibilidades. Existe alguma diferença entre uma amizade profunda e uma relação assexual romântica? Sim, existe.

Num episódio de Orange is the New Black, a transexual Laverne Cox dá uma fantástica aula sobre sexualidade. A assexualidade e a transexualidade estão suficientemente na moda para serem representadas nas nossas séries preferidas.

Acho que atravessamos um momento brutal a nível histórico, porque assim como nos anos 80 a homossexualidade ajudou a abrir as mentes sobre a orientação sexual, agora atravessamos um período de ruptura com a dualidade de género e isso é brutal. Na Alemanha tens a possibilidade de registar-te, nem como homem nem como mulher. É alucinante. Faz-me confusão que não se fale mais sobre isto. É do tipo: já repararam que agora não somos só homens e mulheres? E é maravilhoso, porque como quem não quer a coisa, a ideia vai ganhando forma.