O principal desafio do basquete na maior favela do Rio de Janeiro é entrar em quadra. No morro da Rocinha, existem apenas três locais mal equipados para atender uma população de milhares de pessoas que, não é exagero dizer, está cada vez mais fascinada pelo basquete.
“A maioria das quadras não tem cobertura, então, quando chove, molha tudo e não dá pra jogar”, disse Leandro Lima, de 33 anos, jogador amador e morador da região. “Não tem manutenção ou suporte. E são sempre quadras poliesportivas que temos que dividir com outros esportes e pessoas de outros bairros.”
Em 2016, a situação deve mudar. E, ao que tudo indica, para melhor. A Rocinha será o primeiro lugar do país a receber um programa de juniores da NBA para crianças dos 6 aos 14 anos.
O programa, presente em mais de 30 países, permite que qualquer organização ou liga se cadastre como membro. Uma vez aprovada pela NBA, a liga americana de basquete dá apoio direto e ensina aos jovens “os princípios básicos do esporte enquanto se instilam valores essenciais como trabalho em equipe, respeito e espírito esportivo”.
Os preparativos finais foram conduzidos em dezembro na Rocinha, onde a NBA deve abrir seu centro no começo de 2016. Eles planejam começar a treinar jovens em fevereiro. Será a primeira vez que um programa NBA Jr. ocorrerá na América do Sul.
O programa é apresentado como uma parceria entre a NBA e a secretaria de esportes do Rio de Janeiro. Na primeira fase do projeto, os complexos poliesportivos da favela serão reformados e treinadores gringos chegarão para dar aulas aos jovens boleiros do Rio.
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“A NBA Jr. já foi bem sucedida em diversos locais do mundo ao longo de anos”, disse Samy Vaisman, porta-voz da iniciativa que também está na África do Sul, Índia, Itália, Reino Unido e México, dentre outras localidades. “Logo chegaremos à Uganda e Lituânia. No Brasil, a liga está preparando treinadores, implementando a metodologia já usada ao redor do mundo, bem como fornecendo todo o material necessário.”
O basquete tem crescido em popularidade no Brasil. Uma pesquisa da consultoria americana Deloitte revelou o esporte como o mais passível de crescimento nos próximos anos. Não foi à toa, então, que a região se tornou prioridade para a NBA – que organiza eventos na região desde 2002.
No ano passado, a NBA firmou contrato com a maior liga de basquete brasileira para cuidar de seu marketing e propaganda. A Liga Nacional de Basquete (LNB) foi fundada em 2008 pelos melhores times do país e tem seguido o formato All-Star da NBA com a competição “Jogo das Estrelas”.
“Com a parceria junto à NBA, poderemos colaborar com programas e procedimentos que fomentarão o crescimento do esporte no Brasil, entregando, assim, um produto empolgante para nosso público fiel”, afirmou Cássio Roque, presidente da LNB.
O governo federal também garantiu um investimento extra antes das Olímpiadas de 2016 do Rio. A iniciativa criará um pool de talentos para a seleção brasileira de basquete, que, vale lembrar, levou a medalha de ouro nos Jogos Pan-americanos de 2015 ao derrotar os EUA e ganhar de 86 a 71 do Canadá na final. (Até o momento, Brasil, Austrália e Estados Unidos se qualificaram para o basquete masculino nas Olímpiadas de 2016, e Brasil, Austrália, Canadá, EUA e Sérvia garantindo seu lugar no feminino.)
O investimento de R$ 5,4 milhões como parte de parceria com a LNB garantiu a entrega de 20 kits, incluindo pisos flutuantes dobráveis, placares e cestas para clubes esportivos por todo o país.
A história do basquete no Brasil está ligada às suas raízes na América do Norte. Ao se formar em artes na Universidade de Yale, o norte-americano Augusto Shaw recebeu um convite para lecionar no Mackenzie, em São Paulo, e chegou no Brasil em 1894 com uma bola de basquete na mala, de acordo com a Confederação Brasileira de Basquete.
O esporte pegou primeiro entre as mulheres. Demorou a ganhar popularidade entre os homens porque Charles Miller trouxe o futebol mais ou menos na mesma época.
Mesmo hoje em dia, alguns dos melhores times de basquete brasileiros estão ligados a clubes de futebol, caso do Flamengo, integrante do Clube de Regatas do Flamengo. A equipe jogou contra o Orlando Magic em uma partida pré-temporada no mês de outubro.
A Confederação Brasileira de Basquete foi fundada em 1933 e o Brasil conquistou sua primeira medalha por equipes no basquete em 1948, um bronze em Roma em 1960.
Já em 94, a seleção feminina ganhou o mundial e foi vice nos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996.
“Acreditando no potencial do país, compreendendo a paixão dos fãs brasileiros e como parte de um plano de expansão da NBA, um escritório foi inaugurado no Rio em 2012”, comentou Vaisman. “Desde então, as atividades da NBA no Brasil se intensificaram das mais diversas formas.”
Diversos eventos de exibição, incluindo 10 edições do NBA3X, se deram no país nos últimos três anos. A partida da temporada 2013 entre Bulls e Wizards se deu no Parque Olímpico da Barra da Tijuca, onde serão realizados os jogos em 2016.
“Durante muitos anos, houve planos da NBA desembarcar no Brasil e se estabelecer”, comentou Arnon de Mello Neto, diretor-executivo da NBA Brasil, em 2013. “É um antigo sonho que agora se torna realidade. O Brasil passa por um excelente momento internacional, o basquete está crescendo novamente e não há momento melhor para a NBA entrar no país. É uma conquista, não só para a NBA, mas para o público brasileiro.”
Vaisman comentou ainda o recorde de nove brasileiros jogando na NBA nesta temporada, incluindo Anderson Varejão nos Cleveland Cavaliers, Nenê dos Washington Wizards e Marcelo Huertas no Lakers.
Anderson Varejão foi um dos nove brasileiros a jogar na NBA esta temporada. Crédito: Mark L. Baer-USA TODAY Sports
A Rocinha, por sua vez, já provou ser um celeiro para talentos no esporte. Um jogador da região, Leandro Lima, disse ter se voltado para o jogo para fugir da violência que aflige a favela, um lugar em que traficantes lutam por território, moradores relatam tiroteios diários e a polícia não consegue impor respeito nem ordem.
Dentro da favela existem ainda outras vizinhanças separadas que se veem meio à guerra territorial, das margens do afluente bairro de São Conrado aos cantos escondidos do morro onde a lei das gangues impera. O morro populoso é permeado por becos entre casas de alvenaria que dificultam o trabalho da polícia.
Lima perdeu o pai aos 3 anos de idade. Ele foi criado por sua mãe, algo bem comum na Rocinha. Com o tempo, trocou o Rio pela Espanha e se tornou o único brasileiro a competir no campeonato de basquete de rua Red Bull King of the Rock realizado na prisão de Alcatraz em San Francisco, nos Estados Unidos, durante os anos de 2012/2013.
Leandro, que começou seu próprio projeto voltado para a juventude na Rocinha há alguns anos e não pôde dar continuidade por falta de investimentos e apoio, disse torcer para poder voltar um dia e criar sua própria academia na favela. “Vou mostrar às crianças o que o basquete fez pela minha vida, e sei que muitos irão além do que eu consegui, o esporte me ajudou muito e o mínimo que posso fazer é retribuir”, disse à VICE SPORTS.
Quando questionado quanto aos planos da escolar da Jr. NBA, Lima comentou: “É ótimo. A Rocinha merece um projeto como esse e, sem sombra de dúvidas, dará espaço para muitos novos talentos no basquete brasileiro e, quem sabe, mundial”.
Nos últimos tempos, a favela foi “pacificada” ou ocupada pelas UPPs. Nesse processo surgiram projetos sociais paralelos, incluindo programas voltados a esportes como novos campos de futebol. Mas as tensões entre moradores e autoridades seguem, sobretudo desde o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, alegadamente torturado e morto pela polícia em julho de 2013.
A Rocinha é a maior favela do Rio. Crédito: Antônio Lacerda/EPA
As autoridades esperam que o programa da NBA beneficie não só as 100 crianças que receberão treinamento no ano que vem, mas a comunidade como um todo.
Marco Antônio Cabral, secretário de esportes, lazer e juventude, disse: “Nossos jovens, que já frequentam o complexo, poderão praticar esportes de maior qualidade”.
O complexo esportivo renovado deve começar a receber jovens no começo do próximo ano acadêmico.
“É uma plataforma que busca popularizar e desenvolver o esporte, dando a jovens de oito a 15 anos de idade a oportunidade de praticar um esporte e ter uma vida ativa, com base em conceitos como trabalho em equipe, liderança e respeito”, declarou Vaisman. “A parceria com a secretaria tem como objetivo oferecer basquete na escola como opção para crianças e jovens.”
Anderson Varejão, dos Cavaliers, comentou: “Fico feliz de ver a Jr. NBA chegar no Brasil. É bom saber que nossos jovens terão a oportunidade de se envolver com o basquete e ter uma vida saudável”.
Mas a população na Rocinha teme que a academia de elite, onde 100 crianças serão selecionadas, possa excluir a grande maioria dos entusiastas do esporte na comunidade que já batalham por tempo em quadra.
Os benefícios de levar um projeto como este a uma comunidade complicada e delicada como a Rocinha, porém, parecem ser mais importantes no momento.
“Espero que traga algum reconhecimento e benefícios além do esporte”, disse Lima, que também cuida do site faveladarocinha.com. “O basquete vai além de colocar a bola na cesta”.
Tradução: Thiago “Índio” Silva