A Bucepower Gang É a Nova Geração de Feminismo no Tumblr

“Queremos todas vocês”, repete Lay Moretti, rapper de Osasco e criadora da Bucepower Gang, um Tumblr para mulheres anônimas postarem nudes e “selfies de ass” com a função de estimular a discussão a respeito da liberação sexual da mulher na sociedade. Com a ambiciosa proposta de agregar o máximo de meninas possível (dá para falar facilmente com elas pelo e-mail que está na página), a gangue oferece uma forma muito mais acolhedora no feminismo sem nenhum tipo de filtro estético ou acadêmico.

A existência do Bucepower se deve a um dos maiores responsáveis pelo alcance que o feminismo atingiu na internet, o Tumblr. Sim, ele mesmo: nosso depósito favorito de gifs de gatinhos e de pornografia amadora. Lá se trata de uns dos poucos lugares que cederam espaço para mulheres de diversas origens contarem sobre seus problemas, permitindo que milhares e milhares de garotas aprendessem sobre empoderamento e opressões de gênero. “O Tumblr é uma ferramenta foda para mim”, explica Lay, “uso faz muito tempo e acho que ele tem um poder grande de fazer a gente se expressar e se colocar no mundo por meio de textos e imagens.”

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Gif e fotos por Guilherme Santana.

A gangue apareceu para dar entrevista na forma de cinco garotas na faixa dos seus 20 e poucos anos – e com cabelos tão maravilhosos que fiquei com vontade de sair da entrevista e jogar dois litros de tinta turquesa no meu cabelo castanho. São mulheres que estão nos rolês mais legais (quando digo legal, estou falando de rolês que vão além da Rua Augusta), demoram mais de uma hora para voltar pra casa, se fodem, pagam contas, mas que, apesar disso, dificilmente são chamadas para dar suas opiniões no meio feminista virtual.

A Lay me fala que muitas vezes se viu de fora desse movimento justamente por ele ser quase 100% acadêmico e suas integrantes se esquecerem de que é preciso muito mais do que uma boa lista de livros para atrair mais mulheres para a causa (especialmente as que passam metade do dia longe da internet trabalhando, estudando ou fazendo os dois). Já a Cris desabafa que se decepcionou tanto com a militância virtual que hoje não se considera feminista. “Na verdade, sou feminista da minha maneira. Porque, se o feminismo for o que essas pessoas falam na internet, prefiro não ser chamada assim.”

Elas não estão erradas. O feminismo da década de 2010 está cada vez mais se tornando um textão do Facebook ou uma eterna discussão sobre o nada, enquanto os verdadeiros inimigos estão conquistando mais território. “As mulheres não alimentam umas às outras, e estamos todas no mesmo barco e na mesma situação. Da mesma forma que eu sou tirada de puta, a mulher do meu lado também vai ser tirada assim”, diz Lay.

“Essa desunião entre as mulheres é algo imposto para o privilégio do homem. Por exemplo, tive essa vivência do cara ficar com duas minas, e aí uma vai brigar com a outra por causa disso. Quem deveria levar intimão é o cara. Ele tem de tremer”, frisa Tutti, uma rapper que você provavelmente não gostaria de pisar no calo.

Sim, nós estamos no mesmo barco, mas é evidente que isso não implica que o sofrimento da mulher branca não seja equiparável ao da mulher negra, o qual também não se compara ao de uma mulher transexual. Porém, ainda assim, a luta é a mesma quando o controle do corpo feminino e das suas escolhas sexuais é ainda tema para o político homem bater boca.

Essas cinco garotas de diferentes origens, formas, cores e vivências sacaram a falta de representação feminista na internet (e nos rolês da vida real) e como isso nos faz sentir sozinhas e excluídas, mesmo que sejamos unidas pelas experiências negativas que nos fazem definir o que é ser mulher. “Às vezes, a menina que é oprimida quer fazer isso com a próxima, e assim por diante. É um círculo vicioso”, destaca Cris.

Dentro da periferia e das rodinhas do hip-hop, as meninas cansaram de ouvir que são putas por serem confiantes ou que mulher não tem espaço no microfone, porque não tem capacidade de mandar uma caneta boa. “Às vezes, a maior ofensa não vem por inbox: ela vem por um comentário em uma roda, com várias pessoas apontando para você. Você precisa ter isso na sua cabeça para debater e desconstruir isso”, explica Tutti. Assim, elas tiveram de primeiro se impor sozinhas e, depois, procurar reforços para lidar com a opressão.

“Pessoas como Dina Di abriram nosso caminho e mostraram a nossa força feminina no rap. Agora, não vejo outras mulheres da nossa cena dando um big up para as outras. É só tiração de onda, uma zoando com a outra. Ontem, uma cantava ‘A porra da buceta é minha’, e hoje canta só para falar mal de mulher”, frisa Lay.

A tentativa de se buscar sororidade em um rolê que, diga-se de passagem, há muito tempo é bastante branco, classe média e pouco empático com mulheres que buscam a liberação sexual e a reapropriação de seus corpos, é um dos grandes desafios do coletivo. Tutti afirma que a gangue aceita qualquer mulher a fim de agregar algum aprendizado e que “cada mulher tem uma realidade diferente. Eu sou negra, portanto trago vivências e prioridades diferentes do que [as vivências e prioridades] de uma mulher branca. Mas não queremos pregar que uma é maior que a outra. Queremos que todas se entendam. É um lance meio ‘Eu sou preta e passo por tal coisa, e você é branca e passa por isso e isso. Vamos nos ajudar então?’”.

Saque só: A Lay Respira o Girl Power dos Anos 90

E, com tanta história de suicídio e vidas acabadas por causa do revenge porn, talvez a proposta de se criar uma página de mulher pelada possa parecer um pouco esquisita de início. Inclusive, as meninas contam que muito homem ainda passa mal com a quantidade de menina conhecida que aparece pelada por lá, mas que a existência do Tumblr é importante para garantir a sanidade mental das meninas. “A página é para expor para as mulheres que você pode mostrar seu corpo e sua sexualidade. Mas, no particular, é um espaço onde as mulheres possam se conhecer, trocar vivências e desabafar coisas pesadíssimas”, conta Cris.

A Janna teve no ano passado uma foto sua compartilhada por um ex em um grupo de 50 pessoas no WhatsApp. Um dos integrantes do grupo era seu namorado da época. “Achava que isso nunca iria acontecer comigo. Acabei até saindo dos dois empregos que eu estava na época por causa disso. Sofri muito, ouvi as minas me zoarem. Umas vieram me bater na rua. Hoje, posso dizer que amo meu corpo e que o Bucepower me mudou e me ensinou a aprender a me aceitar – e foda-se se eu quero mostrar meu corpo.”

Lay acrescenta uma observação sobre a história da sua amiga: “Cara você não é foda porque tem uma foto minha pelada. Eu posto minhas fotos peladas no Tumblr porque quero. Então, grande bosta. Coloca uma foto do seu pau aí pra gente ver o que acontece.”

Já a Barone revela que fazer parte do Bucepower foi uma arma poderosa para acabar com a insegurança que tinha sobre seu corpo e também propagar esse pensamento para a próxima. “Não tenho esse apoio da minha família em casa. Só escuto que sou gorda, que preciso perder barriga, que meu rosto é lindo, mas [que] preciso perder a barriga, que homem só quer gorda para transar”, desabafa. “Fui tão oprimida pelo meu corpo, mas aprendi com as meninas que temos de passar esse conhecimento para a próxima mulher em vez de rachá-la.”

Embora a página tenha pouco tempo de existência, o rolê do Bucepower já quase transcende a seara virtual. Todas relatam em tom orgulhoso que já foram abordadas por muitas garotas muito felizes em ter achado um lugar no qual ser sexual e gostar de usar o corpo como forma de expressão é uma vantagem, e não um problema. “As selfies são terapêuticas. Você presta mais atenção no seu corpo: você o entende, você se aceita”, ratifica Cris.

“Não estamos aqui para criar personagens virtuais. Somos uma nova geração de feministas que vêm da rua, vindas do gueto. Somos periféricas, feministas, negras e brancas que vêm da favela”, exclama Tutti.

Da esquerda pra direta: Barone, Lay, Tutti, Janna e Cris.

Para o horror das sinhás e dos casa-grandes da vida, é da favela que vem a resistência. “As mulheres estão se ajudando mais dentro das comunidades periféricas por meio de conversas, debates e atividades destinadas a mulheres que são carentes de informação e poder monetário”, conta. E se tem uma coisa que a militância autocentrada virtual falhou em compreender (e que as meninas do Buce captaram perfeitamente), é que representatividade no rolê é muito mais complexo do que um post bonito de blog.

“E os homens?”, eu pergunto. As meninas soltam uma risada meio exausta, e, como eu imaginava, contam que eles são os que ficaram mais assustados com o Tumblr. “Já aconteceu de um cara virar para uma das Buces e falar que já comeu fulana, fulana e fulana. E ela respondeu ‘Bom, então quem foi comido foi você, e não elas, né?”, conta Lay. É, pessoal, os caras passam muito mal mesmo.

“Homem é assim. Vê uma mulher gostosa, vê pornô, mas não aceita de maneira alguma que a mulher próxima dele seja assim”, critica Cris.

Antes de desligar o meu gravador, Lay conclui o nosso longo papo feminista convocando todas as mulheres que estiverem interessadas em fazer parte do grupo. “A mulher não tem de se vitimizar, temos de ser power. Não vamos disputar likes, meninas – vamos botar na bunda dos caras.”

Saí da entrevista com a grande certeza de que uma mulher empoderada é mais perigosa que uma arma carregada. Agora, tente imaginar uma gangue.