Todas as fotos por: Achilleas Zavallis. Um voluntário de uma das milícias cristãs do distrito de Hasakah, nordeste da Síria.
O escritório de segurança é tão bem escondido numa pequena travessa que é difícil levá-lo a sério como uma operação de resistência ameaçadora. Dentro, combatentes jovens estão sentados pela sala com seus rifles, alguns de uniforme, outros em roupas civis. É uma cena típica na Síria de hoje, um país com mais grupos armados impossíveis de contar, exceto que o escritório é tão limpo que seria possível comer do chão, e a maioria dos homens está perceptivelmente bem-arrumada. Além disso, o cartaz na parede do escritório não está em árabe nem curdo, as duas principais línguas da região, e há uma cruz bem no meio da sala.
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O Sutoro, o nome adotado pela organização, significa “polícia” em siríaco, a língua dos cristãos assírios da área — o distrito de Hasakah no nordeste do país. O grupo é descrito como uma milícia cristã, mas é mais como vigilância de bairro, apesar de seus poderes para prender suspeitos e suas armas automáticas. Seus membros patrulham as ruas de Qahtaniya, Al-Malikiyah e Qamishli, cidadezinhas onde as pessoas — na maioria curdos, mas também cristãos e sunitas — estão presas numa luta brutal entre militantes islâmicos, alguns deles com ligações com a Al-Qaeda.
Os cristão sírios — muitos deles ricos e numa situação mais confortável que a maioria sunita pobre do país — em geral aparecem nas notícias como vítimas da guerra civil síria. A luta entre rebeldes islâmicos e as forças do governo em Maaloula, uma cidade cristã ao norte de Damasco onde o aramaico, a língua de Jesus, ainda é falada, é vista como um desenvolvimento ameaçador para uma comunidade que, até poucos anos, prosperava na Síria e também no Iraque. Desde o início do conflito, algo entre 450 mil cristãos deixaram o país, mais de um quarto do total original. Entretanto, alguns estão resistindo agora.
“Começamos este grupo para permitir que nosso povo se defenda e para garantir que ele não precise sair de suas terras. Os jihadistas nos têm como alvos”, disse o comandante do Sutoro em Qahtaniya. Como a maioria dos cristãos sírios — organizados ou não — ele é precavido o suficiente para me pedir que não publicasse seu nome. O Sutoro não opera de maneira independente, mas em cooperação com as forças de segurança curdas, o poder dominante do nordeste. Patrulhando e comandando postos de controle, eles se ocupam mais com a segurança da cidade, impedindo crimes e resolvendo pequenos problemas locais. Um grupo é supostamente ativo na linha de frente que divide a região, declarada um território autônomo curdo no começo deste ano, das áreas controladas pelos rebeldes, principalmente árabes.
Os curdos determinaram que não toleram grupos rivais armados em seu território, a chave para a relativa calma na região, mas eles não parecem se importar com as milícias cristãs recém-formadas. “Todas as comunidades são iguais aqui, então esse pessoal tem direito de proteger sua área”, disse Shahin Yakub, porta-voz da polícia curda em Al-Malikiyah. “Eles coordenam tudo conosco e há somente uns 20 deles na cidade.”
A atitude não foi sempre tão tolerante; alguns meses atrás, quando o Sutoro tentou se estabelecer em Al-Malikiyah, os curdos desarmaram seus membros. A intensificação da guerra contra os islâmicos e uma campanha resultante de atentados suicidas com as cidades curdas como alvo pode ter ajudado a mudar suas opiniões.
Uma igreja ortodoxa síria abandonada em Ras al-Ayn.
No entanto, há alguns problemas para o Sutoro. Os grupos em Al-Malikiyah e Qahtaniya estão sob controle do Partido da União Siríaca (PUS), uma organização antigoverno. O apoio do ramo de Qamishli é menos evidente. Muitos cristãos dizem que o grupo está cheio de pessoas leais ao regime e informantes, um pensamento que pode simplesmente refletir que, em Qamishli, o governo ainda continua bastante presente. Essa situação também revela uma ruptura e confusão dentro da comunidade como um todo, e o fato de que muitos cristãos não querem ter nada a ver com o levante antigoverno de três anos, o que, na visão deles, trouxe apenas miséria.
Um bom exemplo dessa divisão é o padre Mallek Mallous, o sacerdote católico caldeu de Al-Malikiyah. Morando num lugar que é mais um palácio que uma casa paroquial e com o que parece ser sua própria igreja no pátio, ele exibe abertamente a bandeira do governo sírio na parede de casa. Quando pergunto como a bandeira tricolor ainda está aqui, 16 meses depois que as forças do governo desistiram da área e a deixaram se tornar um pequeno país curdo, ele disse: “Aqui é a Síria e ninguém pode cancelar essa bandeira sem o apoio do povo”.
O padre Mallous também tem uma foto do presidente Bashar al-Assad na sala onde conversamos. Isso faz sentido, já que ele, assim como muitos outros cristãos que entrevistei aqui, parece realmente acreditar que a época antes da guerra era uma benção para todos os sírios. “Depois que Bashar al-Assad se tornou líder [em 2000], os salários quadruplicaram na Síria. A maioria das pessoas vivia confortavelmente, vida de classe média”, ele disse. Apesar de ser verdade que a economia estava crescendo rápido nos anos anteriores à guerra, seus comentários me fizeram pensar se ele alguma vez saiu de seu complexo. Ele também acha que “o islã só aumentou na Síria por causa do patrocínio e propaganda saudita”, que é basicamente o que o governo diz sobre o aumento do extremismo muçulmano no país.
Muitos cristãos ecoaram esse ponto de vista. O que é compreensível se você pensar que, comparada às áreas sunitas e curdas, a comunidade estava relativamente bem sob o governo de Assad. Não é uma surpresa que eles vejam a rebelião dominada por islâmicos como a principal ameaça.
“Sabe o que vai acontece com pessoas como nós se eles chegarem aqui?” perguntou padre Mallous, balançando a cabeça. “Eles anunciaram uma guerra contra os cristãos. Eles estão sequestrando e matando os nossos.” No entanto, a expectativa que ouvi de muitos cristãos, de que o governo retorne em breve, resolvendo o conflito e protegendo a comunidade cristã, parece bastante delirante.
Voluntários da milícia cristã síria em Al-Malikiyah.
Homens como Barsoun Barsoun, que comanda o escritório do Partido da União Siríaca em Qamishli, concordariam. A cidade principal do nordeste é um lugar opressivo, repleto de pessoal da segurança do governo e informantes, bandeiras do regime e fotos do presidente. O controle é dividido desconfortavelmente entre o regime, forças curdas e o Sutoro. “Temos muitos problemas”, disse Barsoun, olhando nervosamente para a rua pequena e silenciosa da porta de seu escritório. “Sequestros, prisões… Tivemos dois membros levados, um em junho, ainda desaparecido, e outro que eles dizem ter morrido sob custódia. Mas eles nunca nos mostraram o corpo.”
Ele recua para o anonimato seguro do pátio.
Barsoun — um jovem que falou e fala inglês — e seus companheiros estão tentando distribuir ajuda e organizar várias atividades comunitárias para convencer os cristão, muitos dos quais estão tentando fugir para lugares como a Suécia, a ficar. Ele articula uma visão atraente, raramente ouvida na Síria agora. “Queremos trabalhar com os outros — os curdos, os árabes — já que essa não é mais somente nossa terra”, ele disse. O PUS tomou cadeiras na nova administração das áreas de maioria curda e tenta implementar essa visão. “Esse pode ser o projeto para o resto do país, uma solução para o problema sírio”, ele insiste.
Talvez. Mas na luta pela sobrevivência na Síria, e entre outros grupos mais fortes, divididos e com tantos tentando sair do país, os cristãos ainda têm muitas dificuldades pela frente.
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