As prisioneiras da Roménia têm, desde há alguns anos, permissão para vestir o que quiserem, desde que mantenham os padrões mínimos da decência (seja lá o que isso for). O que me leva a pensar: o que será que estas miúdas usam quando estão cercadas pelo ambiente horrível da vida na cadeia? Decidi fazer uma visita à única prisão feminina do país, Târgsor, para perceber como é que param as modas quando se vê o sol nascer aos quadradinhos.
Tive uma sensação horrível no estômago mal passei pelos portões de ferro. O que descobri lá dentro parecia uma combinação estranha de um hospital com um mosteiro. O pátio tem uma igreja, muitas flores e um silêncio digno de cemitério. Lá dentro cheira a suor e o barulho é infernal. Os beliches quase que parecem confortáveis — como se de um hostel para estudantes se tratasse. A única coisa que faz o local parecer-se com uma prisão são as barras de ferro nas portas das celas, mas mesmo as barras têm cortinas, por entre as quais é possível ouvir as mulheres a reclamar.
Aqui, um iPod é um refúgio. Ao contrário dos filmes, não existem líderes evidentes em cada grupo. Os funcionários disseram-me que as amizades são raras, mas que, quando acontecem, tornam-se bastante íntimas e exclusivas. Existem alguns casais lésbicos, mas o motivo principal para a sua existência é a criação de um sentimento de protecção. As discussões explodem com facilidade. Há diferentes regimes de detenção nas várias alas do prédio, dependendo da gravidade do crime. As que têm penas mais pesadas só podem desfrutar do ar livre uma vez por dia, as outras podem costurar, ler na biblioteca, ver filmes, ou passar o tempo no salão do cabeleireiro, onde as mulheres fazem penteados, depilação e manicure.
As 660 mulheres presas vivem em celas com oito ou 16 camas. Há falta de espaço, por isso só podem ter uma determinada quantidade de roupa. O resto fica guardado num armazém, onde podem ir buscar algumas peças quando as outras estão na lavandaria. O detergente é vendido na loja da prisão, onde também podem comprar maquilhagem rasca. Uma das funcionárias da prisão guiou-me pelas celas e deu-me algumas dicas sobre quem eram as miúdas mais fixes. Escolhi fotografar oito delas, cujas sentenças variam entre um e 20 anos, por assassinato, roubo, fraude e tráfico de drogas. Levei uma pilha de roupa, mas também lhes pedi que usassem algumas peças delas, para manterem os próprios looks.
Top vintage, saia adidas e jóias vintage.
FLORENTINA, 22 ANOS (ROUBO)
A Flori começou a roubar ainda antes de atingir a maioridade. Quando lá estive, já tinha cumprido 16 meses. “Gosto de me vestir de uma forma mais moderna. Adoro o branco e o rosa e roupas confortáveis e descontraídas. Vou ao cabeleireiro, pinto e estico o cabelo. Faço escadeado, com as pontas mais finas. Prefiro jeans rasgados, mas é claro que não sou eu que os corto, já compro assim.”
Vestido adidas, calças Levi’s, ténis Puma, relógio colorido Ollie Gang Shop.
SIMONA, 27 (TRÁFICO DE DROGA)
A Simona estudava contabilidade e, como passatempo, vendia comprimidos aos amigos. Apanhou 13 anos, mas a pena foi reduzida para cinco. A música é a sua única válvula de escape, por isso mandei-lhe alguns CDs por correio. Disse-me que nunca mais vai voltar a frequentar bares e que tudo o que quer é ficar limpa e começar uma vida nova, do zero. “Costumava usar sapatilhas, calças largas e uns xailes nas festas, mas não consegui manter esse estilo na prisão. Continuo a vestir-me de forma relaxada, com calças e camisolas desportivas. Aqui, quando estás bem vestida, dizem que estás mal, só para te mandar abaixo. Há más vibrações de inveja, mas caguei.”
Top vintage, leggings e brincos Outwear
GABI, 32 (TRÁFICO DE DROGA)
A Gabi formou-se em administração. No primeiro ano de prisão tentou usar todos os narcóticos possíveis, mas agora está limpa. Já está presa há dois anos e tem mais seis pela frente por ter sido apanhada com cem gramas de coca. A foto foi tirada na sala do amor da prisão, onde as reclusas podem receber os namorados (ou a VICE, no caso da Gabi). “O meu estilo depende da situação. Agora sou mais afro-punk. Também misturo estilos. Ainda dá para seres tu mesma, o que é bom, mas sinto falta da liberdade de poder usar o que quiser. Peço sempre roupa emprestada à Simona e a minha irmã compra-me sempre roupa. A Moriko, que divide a cela comigo, arranja-me o cabelo todos os dias. Não gosto do estilo kitsch, nem de brilhos, mas são bastante populares por aqui. As tendências variam, desde prostituta com toque cigano até ao simples mau gosto.”
Vestido Outwear, coroa vintage
CORINA, 24 (CÚMPLICE DE FRAUDE)
Queria tirar a foto da Corina na igreja. As guardas da prisão até gostaram da ideia, mas o padre não. Acabou por ser por baixo do campanário. Enquanto isso, as restantes prisioneiras gritavam “puta” por entre as grades das janelas. “O corte de cabelo da cabeleireira daqui é péssimo. Duas miúdas da minha cela foram lá. Se ela lhes tivesse cortado o cabelo com uma tigela teria ficado melhor. A minha cunhada, a Angie, é quem trata do meu cabelo. Amarramos um bocado de corda na janela do nosso quarto para secar a roupa porque se a deixamos no pátio, roubam.”
Vestido adidas, calças Levi’s, sapatos vintage, relógio colorido Ollie Gang Shop; top vintage, calças jeans vintage, ténis Puma; top Levi’s, leggings, sapatos e brincos vintage, colar e cinto Outwear; camisola Levi’s, leggings e ténis adidas
IOANA, 18 (CÚMPLICE DE ROUBO)
A Ioana curtia hip-hop, mas desde que foi presa tem de ouvir o que as outras gostam. “Escolho as jóias que uso de acordo com o que visto. Uma das grandes modas por aqui é misturar peças desportivas com outras mais femininas e elegantes. Toda a gente se veste assim. Gosto de argolas douradas, muitos cristais e de grandes peças a combinar. Dentro da prisão visto-me como me vestia em casa, mas, desde que aqui estou, já não tenho para quem me vestir.”
Top Levi’s, leggings e sapatos vintage, boné Levi’s, brincos vintage, colar e cinto Outwear; camisola Levi’s, ténis e leggings adidas
CLAUDIA, 34 (TRÁFICO DE DROGA)
A Claudia foi parar a Târgșor um ano depois de ter sido identificada num vídeo onde aparecia com o marido a vender heroína. Restam-lhe ainda mais seis anos de pena. “Raramente usava saias antes, mas quando usava, ficava toda betinha: brincos, dois anéis, um colar. Adoro ouro, mas aqui só posso usar prata. Dentro da prisão uso tops e calções. Sutiã só quando estou no quarto. Claro que há muita inveja. Ninguém visita as feiosas. As discussões acontecem pelos motivos mais banais. A última foi porque uma das raparigas entrou num quarto e pisou o tapete com os sapatos.”
Top Carhartt, jeans e acessórios vintage
TUTU, 36 (HOMICÍDIO)
O verdadeiro nome da Tutu é Sorina, mas toda a gente a chama assim. Já cumpriu cinco dos 20 anos. Costuma dizer que tem 28 anos, que usa saias XS e que o tamanho das camisolas é “rosa”. É muito emotiva e pediu que me virasse para se poder trocar. Houve alguma coisa no top vermelho que fez com que ela se sentisse boa e começou a fazer umas poses sexy com a tábua de passar. “Gosto muito de vermelho. Basta ter um bom vermelho, uma mini-saia com glitter e um top a combinar, que saio por aí como se estivesse na passerelle. Até na nossa cela. Fui stripper. Não gosto de amarelo, mas gosto de leggings. Para mim, os homens têm de ser limpos, elegantes e de usar perfume só para mim.”
Top Puma, calças Levi’s e cinto Vans da Ollie Gang Shop
ANGIE, 31 (FRAUDE)
A Angie é a cunhada da Corina. Foi nadadora olímpica durante 11 anos e tem quatro medalhas de bronze no currículo. Sente falta de fazer exercício porque, infelizmente, o ginásio da prisão fechou, depois de umas gorilas estragarem a passadeira. Casou-se e foi para a Grécia, onde arranjou um trabalho como fotógrafa de casamentos. Tem três filhos, mas agora é a mãe que toma conta deles. Quando a vão visitar, costumam brincar no escorrega que aparece na foto. “Sinto sobretudo falta dos meus filhos e de viver em paz. Isto é uma selva. Também sinto falta de sapatilhas. Não de os usar, mas de os comprar. Quando vou ao tribunal ou em dias de visitas, gosto de usar saltos altos, leggings e um vestido. Gosto de Dior, Nike e Puma. Não uso maquilhagem. As que se vendem na loja da prisão são uma merda. Conseguimos esconder algumas no meio da fruta quando nos trazem de casa. Aprendes isso logo no primeiro mês. Desde que não trafiques droga, as guardas não querem saber.”
Fotografia por Vlad Brateanu
Styling pelas próprias presidiárias e por Dana Anghel