Este artigo foi originalmente publicada pelo Broadly.
O Dia Internacional da Mulher é comemorado em mais de 100 países, destacando as conquistas das mulheres e a constante luta por igualdade. O que às vezes passa despercebido é a origem radical da data, incluindo as activistas incendiárias que a instigaram. Uma delas ascendeu das sujas fábricas da Nova Iorque do começo do século XX, para se transformar naquela que mudou as regras do jogo: Theresa Malkiel.
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Apesar das origens exactas do Dia Internacional da Mulher não serem inteiramente claras, Malkiel leva os créditos por ter sido a fundadora do seu precursor, o Dia da Mulher. Mas a questão é que o Dia da Mulher está longe de ser a sua única conquista. Theresa dedicou a vida a melhorar as condições de mulheres da classe trabalhadora e mulheres imigrantes, focando-se nas questões críticas do direito ao voto, naturalização e acesso à educação. Infelizmente, como muitas das suas contemporâneas, a vida de Malkiel é, como escreve a historiadora Sally M. Miller, “não muito conhecida e os registos sobre o seu trabalho são escassos”.
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O que sabemos sobre Malkiel mostra que era uma mulher sagaz, com um profundo sentido de justiça. Chegou a Nova Iorque aos 17 anos, em 1891, com a família, depois de fugir do anti-semitismo na Rússia. Como muitas jovens imigrantes, foi obrigada a sustentar-se, encontrando trabalho numa fábrica de casacos, parte de uma indústria de confecção notoriamente exploradora. As condições eram péssimas: fábricas perigosamente superlotadas e 65 horas de trabalho por semana eram comuns; as trabalhadoras tinham que pagar material de costura do próprio bolso e geralmente ficavam trancadas para evitar que fizessem pausas.
Convencida de que a única forma de alterar essas injustiças era através de uma união entre as mulheres, Malkiel tornou-se uma organizadora. Para ela, solidariedade não era suficiente; tinha que ser reforçado com acção estratégica. Como Miller observa: “A experiência tinha-lhe ensinado que, para uma mulher imigrante solteira, a América não era como os primeiros sonhos sugeriam; a vida em si radicalizou-a”.
Malkiel usou as suas consideráveis capacidades como escritora, para contar a luta das trabalhadoras da indústria da confecção. “Escreveu para o jornal diário do Partido Socialista em Nova Iorque na época do levantamento das costureiras de camisas, de 1909”, salienta a professora de história do Dartmouth College, Annelise Orleck. “Envolveu entre 20 a 40 mil trabalhadoras da indústria, fazendo dessa a maior greve de mulheres à época. Theresa escreveu sobre a greve e interessou-se por usar essas greves, que envolviam muitas mulheres nas ruas, para começar a chamar a atenção do público para as condições que as trabalhadoras enfrentavam”.
Publicado em 1910, o romance de Malkiel, The Diary of a Shirtwaist Striker, capturou no papel a coragem das grevistas. A dedicatória do livro diz: “Às heroínas anónimas da Greve das Costureiras de Camisas, dedico este diário”. Depois do incêndio da fábrica Triangle Shirtwaist, onde 146 trabalhadores morreram, o romance de Malkiel e a atenção que recebeu ajudaram a instigar reformas nas leis trabalhistas.
“Sim, as condições eram muito difíceis e quero usar esta oportunidade para dizer que continuam difíceis”, diz Orleck, quando lhe pergunto sobre o que trabalhadoras como Malkiel passavam. E acrescenta: “Várias questões acabaram por resultar das vitórias conquistadas pelo movimento trabalhista do começo do século XX – horas máximas, pagamentos de horas extras, fins-de-semana. Coisas que eram padrão, já não o são – não só nos EUA, mas em muitas partes do Mundo inteiro. No entanto, a indústria da confecção triplicou nos últimos 18 anos. Entre 2000 e 2015 fomos de 20 milhões de trabalhadores, para algo entre 65 e 70 milhões no Planeta. A maioria são mulheres e o que é certo é que muitas ainda passam por situações semelhantes às que Theresa Malkiel descreveu em 1909”.
Malkiel juntou-se ao Partido Socialista da América e acabou eleita para o Comité Nacional das Mulheres. Foi durante o seu tempo no comitó que Malkiel estabeleceu o Dia da Mulher, que foi assinalado pela primeira vez em Nova Iorque, em Fevereiro de 1909. Naquele dia, uma multidão de duas mil pessoas reuniu-se à frente do Murray Hill Lyceum, na 34th Street, para ouvir mulheres feministas e socialistas falarem sobre a importância da igualdade e a urgência do voto feminino.
“Certamente eram”, responde a Deborah Stienstra, quando lhe pergunto se Malkiel e as suas contemporâneas eram radicais. Stienstra escreveu muito sobre movimentos feministas internacionais. Para contextualizar as lutas enfrentadas por mulheres como Theresa, ela refere-se a uma famosa música do movimento trabalhista, “Pão e Rosas”.
“Mesmo que nunca antes tenhas ouvido a canção”, diz Stienstra, “percebes que é sobre o acesso de mulheres a alimento para as suas famílias, a poderem trabalhar, celebrar e reconhecer que essas eram mulheres trabalhadoras – não mulheres burguesas; eram mulheres que realmente precisavam de fazer parte da economia para que as suas famílias sobrevivessem”.
Apesar de Malkiel acabar por se ter casado com um empresário, escapando assim à vida nas fábricas, o seu compromisso com a justiça social nunca diminuiu. A sua perspectiva é melhor ilustrada pela sua prosa. Muito antes de Hillary Clinton tornar famosa a frase “direitos das mulheres são direitos humanos”, Malkiel fez essa ligação num ensaio de 1909. “A questão das mulheres”, escreveu, “é nada mais nada menos que uma questão de direitos humanos. A emancipação da mulher significa, na verdade, a emancipação do ser humano que vive dentro dela”.
Pergunto a Stienstra o que as mulheres de hoje podem aprender com Malkiel e as outras rebeldes da sua era. “Acho que a lição mais importante é trabalharem juntas para conseguirem mudanças”, salienta. E acrescenta: “Somos mais fortes juntas. Uma única voz não é suficiente. Precisamos de nos unir e de sermos consistentes com o tempo, resistir e lutar contra a opressão, lutar por outros que não têm o mesmo acesso a esse poder colectivo.” Um sentimento encarnado pela própria Theresa Malkiel, simbolizado até hoje na comemoração global da feminilidade que ela ajudou a criar.
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