A realidade das crianças transgénero na perspectiva de Louis Theroux

Fotografia: BBC/Freddie Claire.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma i-D.

A situação das crianças transgénero está a tornar-se numa questão de interesse global e Louis Theroux queria falar sobre ela num documentário realizado para a BBC e chamadoTransgender Kids. Pouco depois do seu lançamento, a hashtag #TransgenderKids converteu-se num trending topic e, deixando de lado os comentários ignorantes, a maior parte das pessoas mostrou compreensão e deu o seu apoio às famílias.

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A maioria dos comentários debruça-se sobre a idade das crianças entrevistadas por Louis. Alguns, como Camille (fã de Lady Gaga) têm apenas cinco anos. Como é que podem ter a certeza de que não estão felizes com o seu corpo? Não são demasiado jovens para isso? E se estão a cometer um grande erro? Theroux mostrou-se bastante sensível em relação a este tema – devido a estar muito bem informado – e, de facto, não conseguia parar de fazer a si próprio estas perguntas enquanto falava com os pais sobre a “grande responsabilidade” que uma decisão destas acarreta.

Na minha cabeça eu responderia a todas essas perguntas com uma que os pais de Camille fizeram ao entrevistador: “E então?”. O que acontece se um “menino feminino”, ou uma “menina masculina” decidem mudar de sexo? Qual é o problema de apoiar as crianças durante esta transição? As pessoas têm tendência de ver as coisas desde o seu ponto de vista, mas esta situação não é sobre os outros. A ideia de mudar de sexo assusta a maior parte das pessoas que não são trans e é por isso mesmo (porque não está a acontecer com eles). Da mesma maneira que a comunidade transgénero não se conforma com a identidade que a sociedade lhe impôs.

Temos de deixar as crianças serem o que querem ser. Desde que me lembro, as pessoas sempre me disseram com toda a clareza que eu tinha que ser um menino e, apesar de todas as dificuldades a que a minha família foi sujeita, não o conseguiram. É impossível mudar a forma como crescem e se expressam os teus filhos, mas se não os apoias durante este longo caminho, podes provocar-lhes muitos estragos. Felizmente, a maioria dos pais que aparecem neste documentário parecem ter entendido essa mensagem, mas nem todos são assim e ser trans, em determinados contextos, pode ser um inferno.

Vários estudos demonstram que a maioria dos adultos têm memórias de serem transgénero já aos cinco anos de idade (uma idade em que a maioria sente a necessidade de escondê-lo). A ideia de que a sociedade não te aceita, porque és diferente, é a principal razão pela qual estas crianças reprimem os seus verdadeiros sentimentos. Se hoje em dia 94 por cento das pessoas que se submetem ao tratamento para mudar de sexo são adultos, isso significa que apenas 6 por cento são crianças que se aceitam como transgénero (tendo em conta que estes números estão a aumentar gradualmente). Ou seja, quase todos eles passam por este processo em silêncio.

Portanto, ignorar estes jovens em plena transição não deveria ser considerado um erro? É óbvio que todas as pessoas transgénero foram colocadas sob muita pressão para tentar esconder a sua orientação sexual, então, porque continuamos a acreditar que os jovens se vão arrepender da mudança quando crescerem? Não é uma situação semelhante à dos gays que se casaram com mulheres para ocultar a verdade?

Cerca de 41 por cento das pessoas transgénero, que não receberam apoio daqueles que os rodeavam, já tentaram o suicídio no mínimo uma vez, este número é a prova do que esta comunidade se tem vindo a defender durante anos: a mudança de sexo melhora o estado mental da pessoa transgénero, (quase) ninguém se arrepende de ter tomado essa decisão e os jovens que passam por essa transição mais cedo crescem saudáveis e felizes.

Existem muitos pais com boas intenções, mas a ignorância leva-os a cometerem erros que podem afectar seriamente a auto-estima dos seus filhos. Como os pais da Leelah Alcorn, que a levaram a uma terapia de “reconversão”: estes métodos nunca funcionam e estão contra tudo aquilo que um médico responsável recomendaria. Os pais também têm o direito de ter alguém que lhes explique a forma de melhorar o bem-estar dos seus filhos e se estiverem dispostos a ouvi-los e apoiá-los nas suas decisões, vão ajudá-los a atingir os seus objetivos.