Música

A vida noturna de Miami está encolhendo — e isso pode ser uma coisa boa

Foto cortesia do World Red Eye Cultural Exchanges.

Quando Jason Odio tinha 18 anos, South Beach era seu playground. Seu pai era dono de uma boate e restaurante na região, e Jason se valia disso para fazer fama como jovem promoter junto do Opium Group – manda chuva da cena noturna de Miami no começo dos anos 2000.

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Semanalmente, Odio levava amigos e gente bonita à Mansion, SET e outras boates de propriedade do Opium Group –ele afirma que tudo não era menos que “incrível”.

“Tinha acesso às melhores boates da praia. Foi uma época incrível para mim”, explica Odio. “Mas eu precisava de algo mais substancial. Comecei a me interessar pela cena culinária e coisas mais voltadas à música [em vez da cultura de boates] e acho que foram sinais de meu amadurecimento”.

Odio não é o único que sentiu o baque do crescimento. Ao longo dos últimos três anos, a vida noturna em Miami tem mudado – saindo dos exageros de área VIP rumo à esquemas menores e mais intimistas.

Ter uma puta boate com grandes nomes do EDM, dançarinos espalhafatosos e lasers não é mais o suficiente para manter um negócio de pé na cidade; em 2014, a tentativa do magnata da noite Cy Waits de levar seu estilo de Las Vegas a South Beach com uma boate chamada Adore deu com os burros n’água passados apenas quatro meses. Mansion – uma das mais icônicas boates frequentadas pelos VIPs fechou as portas de vez em setembro de 2015, dois anos depois de ter sido eleita como a47ª melhor boate do mundo pela DJ Mag. O fechamento da Mansion levou um insider anônimo a comentar ao site Miami.com que “a área VIP morreu [em Miami]”. O Opium Group, que no auge era dono da Mansion, SET, Cameo, Opium Garden, Prive e Mokai, nem existe mais; foi comprado por uma nova empresa chamada Icon Management em agosto de 2015. (A Mansion reabriu como Icon Nightclub em 9 de janeiro de 2016.).

A finada boate Mansion.

Esta queda da velha guarda sugere que a maioria dos nativos – e muitos turistas – estão prontos para algo diferente. O que certa vez foi considerado o auge da pirâmide da vida noturna agora é uma relíquia do passado bombante da cidade. O vazio deixado por estes gigantes caídos está aos poucos sendo preenchido por um monte de locais menores, como a petiscaria com pista de dança Coyo Taco e o lounge de altas horas Libertine (ambos inaugurados em 2015), bem como a balada hip-hop Sidebar e o bar chique the Corner, dentre outros.

“Acho que a cultura da boate grandona está chegando ao fim”, afirma Jake Jefferson, promoter que tem feito festas com a galera do Poplife há oito anos.Até a Grand Central ser fechada por construtoras no final de setembro, o Poplife fazia da casa com capacidade para duas mil pessoas seu lar, ajudando em festas anuais da Mad Decent, HARD, e Fool’s Gold durante a Miami Music Week ocorrida no final de março, bem como uma série de shows e eventos com DJs ao longo do ano.

“As pessoas buscam por pistas de dança agora”, continua Jefferson, referindo-se à tendência das boates a colocarem mesas VIP no meio de tudo. “Boates maiores terão que criar espaços, pois não é mais tão bacana ficar nessa de área VIP. Locais menores dão mais chances das pessoas se misturarem, e é possível ter uma experiência mais intimista com um DJ que você foi mesmo ver ali”.

A galera na Sidebar.

Deixar de lado uma experiência tradicional de boates em busca de algo mais intimista não é exclusividade de Miami. No ano passado, o Independent comentou que o número de boates no Reino Unido caiu de 3.144 em 2015 a 1.733 em 2015. Há “uma mudança fundamental na forma como uma nova geração resolve gastar seu dinheiro com entretenimento”, escreveu Ian Burrell, citando serviços de streaming como Spotify e aplicativos de relacionamento como o Tinder como substitutos de casas noturnas como local para conhecer nova música e gente nova.

As pessoas buscam por pistas de dança agora, não é mais tão bacana ficar nessa de área VIP.

Mas as mudanças na vida noturna de Miami são impulsionadas por um fenômeno específico da cidade: a gentrificação de bairros como Brickell, Downtown, Wynwood e Midtown. Costumava ser a única ilha de South Beach que bombava a noite toda, mesmo durante festivais conhecidos internacionalmente como o Winter Music Conference, Miami Music Week e Art Basel Miami Beach. Mas ao longo dos últimos dez anos – em grande parte por conta de novas promotoras como a Poplife e SAFE que viram potencial nas ruas menos visitadas do centro – tem ficado cada vez mais farrear do outro lado da ponte. E de acordo com o site Mic.com e a revista local Ocean Drive, estes bairros em evolução – nos quais construtoras já despejam bilhões na forma de condomínios de luxo enormes – ajudam a atrair jovens criativos de todo o país, que escolhem buscar seus sonhos em Miami e não em centros como Nova York e Los Angeles.

Os donos de casas noturnas também alimentam a mudança na geografia de Miami também. Durante recente debate no Perez Art Museum, o antigo dono do Opium Group, Eric Milon, disse que o futuro da vida noturna de Miami não está na praia e sim do outro lado da ponte. “Acho que é Wynwood, Midtown, o distrito de design, Little River”, disse Milon, referindo-se aos bairros com crescente peso cultural. “Creio que mais pessoas virão [de] todo o mundo e plantarão suas sementes”.

Coyo Taco

Milon é sócio do Coyo Taco, um pequeno restaurante que serve cerveja e tacos com uma pista de dança simpática nos fundos, com capacidade máxima para 100 pessoas – bem distante da realidade da Mansion com capacidade para 2.500 pessoas e esquemas milionários. Jason Odio deixou o Opium Group há alguns anos, investindo na “reemergente” Calle Ocho em Little Havana. Agora, aos 30 anos de idade, ele encontrou sucesso com o Sidebar, bar fracamente iluminado com quintal e sem frescura nenhuma, abrigando gente como A$AP Mob e The Do Over desde que inaugurou em 2014. A 25 minutos de South Beach, mas em termos de clima, a muitos anos-luz de distância, muitas vezes cheio de gente fumando unzinho no lugar de almofadinhas.

É legal ver a paixão por trás da música, bebidas e experiências serem valorizadas.

2015 e dá aos seus frequentadores um lugar para dançar ouvindo desde electro até deep house e hip-hop dos anos 2000. Por mais que venda muita bebida e opere com a licença do gigantesco vizinho Club Space, o Libertine destaca DJs locais e lhes deixa tocar o que bem entenderem.

“Há algo de muito genuíno e voltado para o conteúdo em [nossa abordagem]”, diz a responsável pela programação do Libertine, Michelle Leshem. “É legal ver a paixão por trás da música, bebidas e experiências ser valorizada”.

O Libertine divide o quarteirão com o favorito do fim de noite Corner, uma das primeiras tentativas do centro de ter um barzinho especializado, inaugurado em novembro de 2011. Ele conta com sanduíches no cardápio, o tipo de lugar que oferece bitters caseiros e frutas frescas em seus drinques. Dois quarteirões adiante, os antigos donos da Grand Central abriram um bar chiquérrimo em 14 de janeiro de 2016 chamado 1306, com lotação máxima de 40 pessoas, uma mudança absurda se comparada com as 2.000 da Grand Central. (O 1306 tem espaço para 400 pessoas no fundo, mas apenas em ocasiões especiais.).

Mesmo no clássico bairro noturno de South Beach, os coquetéis agora que mandam. O mais novo local de South Beach, Craft Social Club, já deixou bem claro que “não é uma boate” quando anunciou em outubro de 2014 que abriria no Réveillon. Suas mesas VIP não contam com garrafas e sim bartenders exclusivos que preparam bebidas ali mesmo.

Ao adentrar no continente, Miami descobriu aquilo que Nova York e LA sempre conheceram: diversidade. “Todo mundo pensa tipo ‘Finalmente tem um barzinho bacana ou boate que não era aquele lugar enorme que era minha única opção”, disse Jefferson. “Miami receber um beer garden é meio “Uau! Um beer garden’. Algumas coisas que poderiam ficar de fora em outros locais são bem-vindas aqui e penso que [estes negócios] são bem recebidos por isso”.

Por mais que a experimentação crescente na cena noturna de Miami seja promissora, alguns dos nativos se preocupam que “restau-lounges intimistas” talvez cansem logo. “Miami sempre morrerá na praia antes de todo mundo”, comenta Adam Gersten, o homem por trás do Gramps, bar em Wynwood conhecido por seus drinques baratos e programação discreta como noites de trívia às terças. Gersten inaugurou o bar há cerca de quatro anos, frustrado pela falta de locais com música ao vivo ou para beber numa boa. Por mais que admita que qualquer coisa é melhor a não-existência de bares sem frescura e gastropubs de antes, Gersten teme que membros da velha guarda possam estar replicando a mentalidade de South Beach em menor escala. “O pessoal da boates está dizendo ‘Ih rapaz, odeiam nosso mundo agora. Como entrar nessa [cultura de coquetel modinha] e mascarar [nossa] vibe?’” diz.

Para Gersten, é a comunidade que dá um quê de autenticidade ao negócio, e segue cético de que Miami possa ir além da sua reputação tacanha com uma série de bares e clubes menores voltados para a música. Se você entrar num lounge que seja de propriedade de um magnata, talvez nada tenha mudado. Ainda assim, Gersten se vê pensando se seria esta a maneira certa de mensurar autenticidade.

O pessoal da boates está dizendo ‘Ih rapaz, odeiam nosso mundo agora. Como entrar nessa [cultura de coquetel modinha] e mascarar [nossa] vibe?

“O que é autêntico ou não é meio que intangível”, diz. “Acho que mais gente tem dado [uma chance] aos novos locais, e isso é legal. É mais legal ainda quando é gente daqui”.

Acima de tudo, a cena segue sendo movida por nativos e para nativos, o que é óbvio. Miami sempre será alvo de turistas, mas sua cultura não deveria ser definida por fantasias de forasteiros e sim pelas necessidades daqueles que a chamam de lar. Que mais pessoa escolham chama-la de lar é sintoma do que já foi feito, e que mais dos rostos por trás das instituições grandes e pequenas sejam locais é essencial. Eles podem muito bem construir lounges caríssimos ou botecos embolorados, mansões da farra ou pistas de dança porcamente iluminadas. No final, não importa. A prerrogativa é das pessoas, e elas estão escolhendo ter opções.

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Tradução: Thiago “Índio” Silva

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