Aos 20 anos, antes de se tornar BK’, o rapper Abebe Bikila fazia parte de um coletivo audiovisual formado durante um projeto social no centro do Rio de Janeiro. Ainda começando a se aventurar no rap, ele fazia experimentações musicais enquanto os outros membros do grupo – incluindo Calebe Gomes, seu irmão – conduziam experimentos de filme, animação e edição de vídeo.
Neste domingo (8), no Lollapalooza Brasil, o rapper fez uma grande celebração de seu último disco, Gigantes, e contou com a ajuda de alguns amigos e conhecidos para tal. Além das participações de Drik Barbosa, Akira Presidente, Juyé e Luccas Carlos durante a apresentação, BK’ também convidou coletivo BLSFM (lê-se Blasfêmia) para voltar aos tempos de sua formação, no centro do Rio de Janeiro, e criar projeções em LED especialmente para o show. A ideia do show era trazer a vivência deles do que é ser jovem, carioca e de comunidade.
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A ideia da parceria foi de Calebe, que trabalha com o irmão desde o começo de sua carreira e foi responsável por dirigir os clipes de Gigantes. “Eu queria puxar eles pra fazer parte disso, porque é uma galera que eu sei que manda bem e, além de tudo isso, conhece da nossa vivência”, explica.
Para Caio Jonathan, 27, o rap é um gênero que enaltece não só o artista principal, como todos os outros que passaram pela trajetória dele, e esse trampo foi a consolidação dessa ideia. “Todo mundo que ele conhece, ele quer que cresça junto. É o rap que possibilita isso, então é sobre você crescer e não esquecer de onde veio.”
Já desde o Castelos & Ruínas, cuja capa é uma foto do fotógrafo carioca Wilmore Oliveira, BK’ mostra ser um artista que se importa com o aspecto visual de sua obra e seus vizinhos de vida. O rapper vem, desde então, intensificando esse aspecto e deixou isso claro com Gigantes: a capa do disco e de “Correria”, seu primeiro single, são pinturas do Maxwell Alexandre, cuja pintura inspirada pela canção “Quadros”, Éramos as cinzas, agora somos o fogo, faz parte do acervo oficial do MASP. A trilogia de clipes “Correria”, “Deus do Furdunço” e “Julius” também são trabalhados bem pensados e produzidos, dirigidos por Ronaldo Land e Calebe.
Quando falamos em estrutura de shows ao vivo, ainda são poucos os rappers no Brasil que pensam conceitualmente em suas apresentações e as elaboram – seja num nível Travis Scott, conhecido por seus shows pirotécnicos e megaproduzidos, seja num nível do próprio Kendrick, que com apenas algumas projeções e interludes consegue transformar sua apresentação num filme de kung fu. Um bom exemplo pioneiro por aqui é o Don L que, no show de estreia de Roteiro pra Ainouz, Vol. 3 em janeiro do ano passado, contou com uma estrutura de palco distópica criada por Camila Schmidt.
“É muito importante enaltecer essas partes que estão mais de segundo ou, às vezes, terceiro plano”, comenta Robson. “Tem que botar a cara, tem que falar, tem que investir. O BK’ reconheceu isso e nós tivemos uma oportunidade de buscar.”
Assista BK’ respondendo ao nosso Questionário Noisey da Vida:
O resultado foram animações criadas com base nas interpretações pessoais dos membros, mas que não deixavam de lado os contextos das músicas sobre as quais foram criadas, e que foram projetadas num telão atrás do palco. “As músicas do BK’ sempre têm um conceito por trás, então foi o casamento perfeito. Estávamos organizando ideias pra tentar passar a imagem da música da melhor forma pro público”, explica Robson Amaro, 27, um dos membros do coletivo.
Já BK’, por si só, tem carisma o bastante pra preencher todo o Autódromo de Interlagos e mostrou isso desde os primeiros momentos do show de ontem: durante a apresentação, ele desmascarou o Djonga, que estava “disfarçado” com o moletom por cima da cabeça perto das grades do palco, e prometeu tomar uma cerveja com os fãs assim que o show acabasse.
Pelo tamanho do palco e a energia do rapper e daqueles que subiram para se apresentar com ele, é possível que algumas animações tenham passados despercebidas aos olhos dos espectadores mais desatentos, mas elas acompanharam, com um belo sincronismo de ideias, todo o set de BK’.
Algumas eram um tanto literais, como silhuetas de pessoas e animais correndo durante “Correria” e mosaicos de corações durante “Planos”, a lovesong com a participação de Luccas Carlos; algumas, como as luzes piscantes de “Jovens”, lidavam um pouco mais com a abstração e as metáforas contidas nas letras do rapper.
Era só o começo do domingo no Lollapalooza quando ele subiu no palco, mas uma galera já se amontoava para assistir o rapper – e, quem sabe, ficar até mais tarde pra pegar um bom lugar para ver o Kendrick Lamar, última atração da noite no palco principal.
Tal qual o próprio Djonga mostrou no mês passado com seu disco Ladrão, BK’ mostrou na prática no palco de um dos maiores festivais nacionais. Colocando pretos pra fazer dinheiro, o rapper usou do espaço conquistado pra recuperar uma história de raiz e, de quebra, mostrar a sua visão sobre o que o rap nacional pode ser – ao menos no palco. BK’ viu a oportunidade de resgatar uma parte de sua história para levar nos lugares em que hoje ocupa. Em um festival direcionado para um público elitizado e de maioria branca, trazer amigos de uma década para projetar suas artes consolida o que o rap quer significar.