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A Volta do Ângulo Reto

Uma obsessão sempre presente nos jogos de videogame, desde que me entendo por gente, é com os gráficos. É um “metro” pelo qual a parte visual dos jogos sempre esteve sendo medida. A grande massa consumidora de videogames sempre foi fissurada em jogos que tivessem o maior grau de realismo, o mais alto nível técnico do gráfico, o que nem sempre anda junto com a melhor arte, mas é muito mais facilmente mensurável de acordo com seus graus de fotorrealismo dos personagens, objetos e cenários retratados.

O objetivo da representação não apenas verossímil mas supostamente realista seguiu o mesmo caminho de progresso técnico cumulativo nos videogames tanto na arte em duas quanto em três dimensões. Com o aumento de capacidade de processamento dos hardwares, foram estabelecidas as ferramentas para buscar o mais alto grau de representação realista nos games, mas, se hoje em dia existem jogos que tentam ao máximo se transformar em filmes nos quais você participa ativamente da história, também há um outro lado que ignora a emulação da realidade e segue por outro caminho.

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Os jogos AAA são os de maior orçamento da indústria. Espera-se que a grana injetada neles seja multiplicada, e isso significa agradar o maior número de pessoas possível. Não apenas os viciados em cultura gamer que passam duas horas diárias discutindo sobre games nos fóruns e redes sociais, mas também o Zé da Poltrona que joga duas horas de videogame por semana e não sabe quem é Shigeru Miyamoto. O dinheiro de todos é bem-vindo. Para um título desse nível, é muito importante que os gráficos sejam a preocupação essencial do desenvolvimento do jogo. Por ele necessariamente ter que agradar o maior número possível de pessoas e explorar ao máximo a capacidade de processamento do hardware (o que também as faz acreditarem que valeu o dinheiro gasto no console ou computador), o jogo precisa ser mais do que realista.

Pintura a óleo de Ralph Goings. 

A pintura hiperrealista, derivação direta da pintura fotorrealista, é das vertentes de arte contemporânea mais apreciadas por um grande público. Dependente da arte da fotografia, ela cria uma representação visual do seu objeto de pesquisa que parece mais real do que a realidade. Tendo como acessório as técnicas mais recentes da captação de imagem da fotografia digital, ela mostra mais do que veríamos a princípio. Ao bater o olho em uma pintura dessas ao vivo, é difícil não ficar impressionado com a técnica desenvolvida no trabalho. Os ângulos, luzes, reflexos e contraste berrante porém bem equilibrado de cores necessitam da ferramenta da fotografia como apoio referencial. A suposta realidade representada nos videogames parece seguir o mesmo caminho em grande parte dos títulos AAA.

Exemplo animado de fotografia HDR, a drag queen das técnicas fotográficas. 

A técnica fotográfica chamada HDR (abreviação de high-dynamic-range) foi desenvolvida para capturar maiores graus de luminosidade em uma mesma imagem. Através de várias fotografias, com diferentes tempos de exposição e, por consequência, de captação de luz, se combina o detalhe que se consegue das partes mais escuras assim como das áreas mais brilhantes. O resultado é uma fotografia que parece mais real do que o real. As luzes saltam no seu rosto assim como os detalhes mais escuros da cena observada. É a ferramenta perfeita para destacar os detalhes de texturas e gráficos dos jogos e os deixar tão impressionantes que nem parecem reais.

Recentemente adquiri o joguinho Infamous First Light e me impressionaram os detalhes de reflexo na água e as superfícies molhadas dessa representação da cidade de Seatle, mas se você der um rolê em um dia chuvoso na vida real, as luzes, reflexos e brilhos não serão vistos assim pelos seus olhos nus. Assim como na pintura hiperrealista, tudo parece mais real do que o fenômeno observado por esses olhinhos que a terra há de comer. Para ser honesto com o jogo – não estou falando mal dele –, o efeito HDR combina muito bem com o estilão visual do negócio todo, já que a personagem principal recarrega seus poderes mutantes de letreiros de néon – e nada como um belo néon refletido em uma poça d’água no asfalto.

O jogo de gângsteres Sub Rosa, que está em desenvolvimento, mas já rola de jogar no beta. Até o site dos caras é retrô e minimalista

É impossível pensar o desenvolvimento dos videogames fora das limitações técnicas impostas pela capacidade de processamento do hardware para o qual os jogos foram desenvolvidos, mas, posto isso, também seria possível imaginar um evolucionismo progressita em que tudo “ultrapassado” é descartado. Felizmente vivemos em um mundo um pouco mais complexo do que o da superação contínua de tudo, e a medida do que é bom não está necessariamente ligada ao mais atual, desenvolvido ou complexo. Por isso, embora nunca tenha morrido de fato, a estética da pixel art está bem viva hoje em dia, especialmente dentro do bioma que se convencionou chamar de indie games.

Sem querer precisar de mais, nos últimos anos o crescente mercado dos jogos desenvolvidos fora das grandes empresas de videogames tenta explorar locais em que o mainstream dos jogos não se aventura tanto. Não foram poucas as vezes nesta humilde coluna em que falei sobre jogos que não são de grandes e consagradas empresas, e um dos aspectos que a galerinha mais alternativa das diversões eletrônicas também explora é o visual. A pixel art já deixou de ser uma moda na paleta de estilos à disposição dos artistas e se estabeleceu enquanto um gênero, com especialistas, tendências e particularidades próprias a cada artista. Não é tão comum hoje em dia, como era alguns anos atrás, ver gente reclamando na internet de pixel art com a falsa noção que os gráficos são ruins. É uma escolha, um caminho possível.

Embora o 2D não esteja enfraquecendo, parece que hoje em dia outro estilo de arte está se desenvolvendo. Não é possível dizer ainda se ele, assim como a pixel art, será uma das tendências duradouras na arte dos videogames, mas é bem possível. É o low polygon (ou low poly), arte retrô que remete ao início da arte 3D com modelos renderizados em pouquíssimos polígonos. Assim como na pixel art, ele tem uma abordagem mais minimalista e usa a falta de detalhes a seu favor através da estilização.

Durante o desenvolvimento da arte 3D nos anos 90, cada vez mais se buscava a eliminação dos polígonos. O ângulo reto nos modelos era visto com vergonha pelos responsáveis pelos jogos, claro sinal de falta de detalhamento. Virtua Fighter, o jogo de arcade da Sega que inaugurou o modelo 3D nos jogos de luta, é um belo exemplo de que era possível fazer com o hardware do começo dos anos 90. Quem não lembra também dos peitos triangulares da musa da Eidos, Lara Croft, no primeiro Tomb Raider? Outras formas de representar figuras e objetos no ambiente 3D que não através de modelos feitos de poligonos também foram desenvolvidas, como a tecnologia voxel, que representa as imagens através de um tipo de pixel 3D. Embora ela não tenha sido usada em tantos jogos assim, pode-se vê-la em ação no jogo Delta Force, de 1998, na maneira como o terreno é renderizado, jeito desenvolvido também para evitar os angulos retos.

Trailer do futuro jogo Biome. Não dá pra não dizer que o bagulho é bonito, vai? 

Um dos maiores sucessos dos videogames, que surgiu do nada, é justamente um jogo que escolheu como filosofia o low poly como estilo. Todo mundo (e a sua mãe) conhece Minecraft, o Lego da nova geração, o criador de youtubers profissionais, o aparentemente próximo alvo da Microsoft e o terceiro game mais vendido em todas as plataformas. Claro que é quase impossível criar outro Minecraft, mas o fato é que ele usa esse estilo crescente nos videogames, e isso é um sinal de que o público em geral aparentemente não tem restrições quanto a essa arte mais retrô. Vários outros jogos mais recentes, cada um do seu jeito, começaram a usar o estilo do low poly: o queridinho da crítica Jazz Punk; Eldritch (sobre o qual já escrevi neste site); um que acabou de sair chamado Ultraworld; alguns jogos interessantes em desenvolvimento, como o Sub Rosa, um game de espionagem e transações ilegais muito loucas; e o Biome, do vídeo bonitão lá em cima.

Low poly enquanto estilo é um termo relativo: não faz sentido você chamar um Crash Bandicoot de low poly, pois ele estava dentro das limitações que o hardware à época tinha. É uma escolha feita pelos desenvolvedores de hoje em dia de usar esse estilo, não uma limitação técnica do gráfico. O low poly não é tão facilmente definido tecnicamente quanto a pixel art, que pode ser definida como de 8 bits ou de 16 bits de acordo com o tanto de pixels disponíveis para cada sprite. Então fica um pouco mais difícil, para quem se preocupa com isso, definir mais claramente onde começa o low poly. De qualquer forma, vamos acompanhar nos próximos anos se ele se estabelece como a sua priminha pixel art nos nossos jogos preferidos.

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