É difícil não ficar deslumbrado pela imagem de Plutão divulgada ontem pela NASA depois que a sonda New Horizons se aproximou do planeta anão. É a imagem de maior resolução de nosso antigo nono planeta e, como você dever visto pela internet, ele é uma belezinha. Pela primeira vez conseguimos ver os detalhes curiosos de sua superfície.
Mas nem tudo são fotos. No decorrer das próximas semanas e meses, um sem-fim de dados serão enviados à Terra do distante corpo celeste. O que buscamos e o que ganharemos com esta missão além das incríveis imagens do ex-planeta favorito de todos?
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“Estudar Plutão é, essencialmente, estudar nosso passado” afirmou por telefone Joel Parker, astrônomo e pesquisador da NASA, integrante da equipe científica da missão New Horizons. “É meio como a arqueologia. Queremos entender de onde viemos. Queremos entender nossa relação com fatos passados.”
Parker explicou que Plutão é, de fato, o primeiro objeto de seu tipo a ser examinado de perto e tem algumas características únicas que o tornam ideal para compreender o passado. Os outros planetas terrestres de nossos sistema solar (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte) são muito mais “processados” que Plutão por terem passado bilhões de anos perto do Sol. Ao ficar mais afastado, Plutão foi, digamos, “conservado”.
“Os planetas terrestres mais próximos não tem a mesma mistura de ingredientes que possivelmente os formou no começo”, disse Parker. “É preciso mesmo observar coisas que ficaram armazenadas no frio da parte mais externa do sistema solar por um longo período de tempo para entender como as coisas eram. É como botar algo no congelador: aquilo dura um bom tempo. Mas se ficar na prateleira, muda.”
Mas a pesquisa realizada em Plutão não diz respeito somente ao passado.
Não faz muito tempo, Plutão era o objeto mais distante que conseguíamos detectar em nossos sistema solar. Agora sabemos que ele é só o começo de algo: o cinturão Kuiper. O cinturão Kuiper está cheio de centenas de corpos celestes diminutos da época em que nosso sistema solar surgiu. Plutão é o primeiro desses objetos ao qual chegamos e fornecerá uma nova perspectiva quanto à formação do sistema solar, explicou Simon Porter, pesquisador de pós-doutorado e integrante da equipe da missão New Horizons. Porter ficou acordado toda a madrugada ajudando a processar a foto de Plutão divulgada hoje.
“É um planeta médio, de verdade”, disse Porter. “É pequeno comparado à Terra, mas muito maior que qualquer coisa no cinturão de asteroides. Plutão é o que está mais próximo, mas há um monte de objetos como ele que descobrimos no cinturão de Kuiper. Isso nos ajudará a compreender o que há lá fora e a formação de muita coisa.”
Segundo Parker, compreender a formação do nosso sistema solar e qual é a desta nova classe de corpos celestes nos ajudará em nossa exploração do restante do universo e em nossa busca de outros planetas semelhantes à Terra.
“Então poderíamos extrapolar isso e perguntar: existem locais em outras regiões do universo que se formaram de maneira semelhante e possivelmente com vida também?”, disse Parker.
Há uma série de instrumentos altamente sensíveis a bordo da New Horizons que responderá a essas perguntas para os pesquisadores. Tem um gerador de imagens e um espectrômetro infravermelhos que mapeiam as cores, composição e temperatura na superfície; já um espectrômetro ultravioleta analisa a composição a atmosfera de Plutão, ao passo em que busca por evidências de uma atmosfera no satélite Caronte e também em outros objetos próximos do cinturão de Kuiper. Outra ferramenta é um radiômetro que ajuda a medir composição e temperatura da atmosfera. E tem mais: uma câmera telescópica que tira fotos animais enquanto oferece uma observação próxima da geologia de Plutão; um espectrômetro de vento solar e plasma que observa a interação de Plutão com os ventos solares; um espectrômetro de partículas energéticas que mede quanto e que tipo de plasma escapa da atmosfera de Plutão e, por fim, um medidor de poeira (projetado, construído e operado por estudantes) que mede, bem, a poeira no sistema solar.
Nem todos esses instrumentos geram aquelas fotos impressionantes (Parker até brincou que eles mais fazem uns “rabiscos” do que imagens), mas de certa forma são essenciais para a compreensão de Plutão, nossos sistema solar e outros objetos além.
E sendo justos, essas fotos não servem só para nerds ficarem babando. As imagens em alta resolução ajudam os pesquisadores a mapearem a superfície de Plutão e estudar sua geologia e geografia, de acordo com Parker. O comentadíssimo “coração na superfície”, por exemplo, é, suspeitam os cientistas, um campo de gelo de nitrogênio gigantesco, algo que não notaríamos de longe. O fato de que as fotos são incríveis é só um bônus.
O encontro com Plutão pode ter outras ramificações além da ciência, pelo menos de acordo com o historiador espacial Dwayne Day. Em um ensaio para The Space Review, Day afirmou que o efeito cascata do episódio pode afetar tudo, desde a cultura pop à política na Terra.
“É de se duvidar que Ridley Scott estaria filmando Perdido em Marte se a sonda Curiosity não tivesse aterrissado espetacularmente em Marte em 2012″, afirma Day. “Então quem sabe daqui alguns anos teremos um filme que trata de uma missão humana à Plutão além de todos os documentários já em produção.”
Ele também comentou que o sucesso da missão poderia até melhorar a imagem dos EUA perante o mundo, já que é uma missão da NASA e novas descobertas podem mudar a direção da pesquisa de astrônomos em todo o mundo. Ganharemos muito mais de Plutão que uma foto e um gif. E fica a lição: nunca subestimem um anão.
Tradução: Thiago “Índio” Silva