Na manhã da última terça-feira (10), um homem de 27 anos esfaqueou outro até a morte e feriu mais três numa estação de trem em Grafing, Alemanha, uma pequena cidade a 32 quilômetros de Munique. O ataque provavelmente foi causado por uso de drogas e problemas mentais do agressor, mas graças a relatos iniciais de que ele estava gritando “Allahu Akbar”, a mídia logo concluiu que esse tinha sido um ataque jihadista — um sutil espectro que vem pairando pesadamente sobre o zeitgeist global.
Até agora, a Alemanha conseguiu evitar grandes ataques terroristas ao estilo do Estado Islâmico, como os que aconteceram recentemente na França e Bélgica. Mas uma pesquisa do final do ano passado mostrou que dois terços dos alemães esperam ver um ataque do tipo antes do final de 2016. Esses medos foram amplificados recentemente por relatórios de que 260 dos 800 jihadistas alemães que viajaram para territórios do Estado Islâmico retornaram ao país, e que acredita-se que haja mais de mil apoiadores da jihad no país.
Apesar de toda a atenção que essas notícias receberam, muitos observadores ainda estão incertos sobre onde esses anônimos jihadistas alemães estão, como se organizam e, claro, o que exatamente estão planejando. Mas esta semana, um relatório do Terrorism Research & Analysis Consortium (TRAC) dos EUA, chamado “Da Europa para a Síria e de volta: A ‘Autobahn Underground’ de Jihadistas”, destacou algumas dessas redes misteriosas e o que podemos esperar delas no futuro.
Escrito em resposta a menções da Alemanha numa onda de propaganda do Estado Islâmico depois do ataque a Bruxelas, o relatório compila trechos de inteligência reunidos em três anos de comunicação e propaganda jihadista, documentos oficiais e notícias regionais. Esse compilado é uma cartilha para a retórica do Estado Islâmico sobre o país, apontando 191 indivíduos na Alemanha, Áustria e Suíça com supostos laços com jihadistas ou simpatizantes — e mais da metade desses viajou (ou tentou viajar) para Iraque ou Síria.
Claro, o relatório e seus autores reconhecem que ele não é uma descrição completa da jihad ou mesmo do sentimento pró-Estado Islâmico na Alemanha. Mas por mapear tendências em sua base limitada de jihadistas e simpatizantes, ele oferece um vislumbre de alguns figurões e de parte da dinâmica em jogo no epicentro do projeto europeu.
Muitos componentes do relatório espelham descobertas da TRAC e de outros observadores sobre as redes jihadistas no geral, especialmente as reveladas na França. Em vez de serem recrutados aleatoriamente ou através de exposição à propaganda na internet, muitos jihadistas alemães emergiram de mesquitas e comunidades com imãs expondo ideias radicais. Alguns também foram trazidos para a causa por parentes próximos ou membros de confiança da comunidade, produzindo grupos e facções de tamanhos e intensidade variados por toda a nação.
Aparentemente há comunicação entre muitas das células jihadistas, mas o relatório só aponta uma ligação direta em potencial com redes do Estado Islâmico na França: Hüseyn D, um homem ligado ao suposto orquestrador dos ataques de Paris Abdelhamid Abbaoud. Veryan Khan, uma dos coautores do relatório da TRAC, credita essa divisão a segregações dentro do Estado Islâmico. “Nos territórios deles, eles têm línguas diferentes”, ela disse a VICE, o que limita o potencial da coordenação franco-alemã.
E enquanto muitos jihadistas na Alemanha hoje podem ter simpatia pelo Estado Islâmico, o relatório destaca que várias facções surgiram antes do notório califado. Mas alguns grupos mais antigos, como aqueles associados à diáspora chechena, voltaram suas habilidades para ajudar a mover pessoas dentro do território do Estado Islâmico. Outros parecem estar se comunicando com facções pró-ISIS, mas focando sua atenção fora do Iraque e Síria, apontando longevidade e diversidade dentro do espaço jihadista alemão.
“Sempre pensei [que grupos fundamentalistas islâmicos] estavam mais entranhados na Alemanha que na França”, me disse Khan. Mas ela suspeita que a França encarou um terror maior porque “os [muçulmanos radicais] franceses têm mais problemas com o jeito como são tratados na sociedade que os alemães”.
As várias células alemãs também produziram menos danos locais, pelo menos em parte porque a força policial da nação parece ser mais vigilante e eficiente que, digamos, seus colegas belgas. “Eles podem derrubar essas células facilmente, cercando o principal suspeito com rapidez”, disse Khan.
Mas os autores do relatório temem que a relativa calma do país não resista ao foco crescente da propaganda do Estado Islâmico na Alemanha. Khan, por exemplo, aponta para o número de alemães que voltaram do Iraque e da Síria, e que foram libertados sob fiança ou estão esperando julgamento no que ela descreve como tribunais alemães atrasados. E com a maré alta da direita no país, isso pode aumentar a atração de ataques do ISIS e afiliados locais.
“O Estado Islâmico sabe que a direita odeia a população islâmica e principalmente os refugiados”, diz Khan. “Seria necessário apenas um pequeno ataque na Alemanha para desencadear uma reação extrema”, polarizando assim a sociedade.
Jeffrey Bale, professor do Instituto de Estudos Internacionais Middlebury e especialista em células jihadistas na Europa, alerta sobre fazer avaliações muito ousadas sem informantes internos confiáveis e registros de vigilância intensiva. Mas reconhece que há “jihadistas organizados operando dentro da Alemanha, incluindo alguns que se inseriram no fluxo de refugiados e que retornaram da luta na Síria e em outras frentes da jihad”.
E Bale acredita que os medos de um ataque iminente são válidos.
“É uma questão de tempo até que a Alemanha experimente um ataque jihadista em grande escala, além de ações menores”, ele me disse.
Sendo assim, o relatório do TRAC pode não oferecer uma janela perfeita para os trabalhos internos dos jihadistas alemães. Mas é mais uma prova legitimando um medo renovado de ações do Estado Islâmico no país. A esperança é que a competência da polícia e da inteligência doméstica permitam que a nação continue sendo um relativo bastião de segurança num continente perturbado.
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Tradução: Marina Schnoor
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