Algés voltou a ser palco de óptimos momentos

Mais um ano, mais uma edição do Alive 2014. Se os principais nomes no festival com mais estrangeiros com escaldões por metro quadrado nos faziam desconfiar — entre bandas que vêm cá ano sim/ano sim e outras que parecem caídas no palco principal como fruto de um revivalismo pouco interessante — Algés acabou por voltar a ser palco de óptimos momentos, alguns deles inesperados. Não acreditam? Leiam aí.




DIA 1

Estreei-me musicalmente no festival com os Temples — rapazes britânicos gadelhudos que encontram no psicadélico e nos inúmeros posters do Revolver afixados nos seus quartos um modo de vida — que subiam ao palco Heineken para promover Sun Structures, disco de estreia lançado este ano. Fizeram-no como tantas outras bandas do género nesta era de revivalismo psych, mas a seu favor têm o facto de serem agradavelmente catchy. Não estiveram nada mal na sua estreia em solos lusos, e o sol que apanhei na tromba durante o concerto fez-me recordar o concerto de Tame Impala no mesmo festival há um ano atrás.



Deambulando pelo recinto sem grande destino fui ouvindo os Lumineers a mostrar o seu folk rock choninhas em que o único destaque digno de nota foi a versão da “Subterranean Homesick Blues” do Bob Dylan, mas aquele público não reconheceria o Bob Dylan nem que este lhes gritasse nas fuças. No palco Heineken os The 1975 arrancavam gritos histéricos, muito devido ao sex appeal de Matthew Healy já que musicalmente estamos todos um pouco fartos do indie electrónico upbeat. Ainda houve tempo para picar o palco de comédia onde as imitações óptimas do Luís Franco-Bastos mostravam que o conceito de stand-up num festival, com tudo para correr mal, até pode resultar.

Da comédia intencional para a não-intencional: os Imagine Dragons tentam fazer do pop-rock enérgico e expansivo o seu lema, mas a sua parolice traduz-se apenas em más notícias para quem quer ouvir um pouco de música. Com dois êxitos — incluindo a execrável canção publicitária de uma operadora rival — a sustentar um concerto inteiro, recorreram ainda a um dos maiores clichés da história (“Song 2“, dos Blur) para esconder o tédio durante todas as outras canções das quais ninguém quer saber. Ninguém se lembrará dos Imagine Dragons daqui a uns anos e só podemos estar gratos por isso. Depois disto, e ensanduichados entre dois fenómenos de popularidade, os Interpol lutaram contra um público que não os queria ouvir, e embora se possa apontar o dedo à juvenil impaciência sem noção das coisas — no fim de contas, esta é a banda que fez o influentíssimo Turn on the Bright Lights — é certo que os nova-iorquinos, entre clássicos e novas canções, não fizeram grande coisa para convencer os cépticos e fugir ao momentum descendente da carreira.



A multidão acudia em massa evergando t-shirts de AM. Os Arctic Monkeys nunca foram uma banda que me satisfizesse completamente e o concerto deles em 2011 fez-me ainda mais desconfiado. Têm malhões incontestáveis — como Brianstorm ou 505 — mas nunca os consegui ver como os salvadores do rock como são profetizados e sempre achei o Alex Turner um bocado idiota. Mas, e apesar de falhar cerca de metade deste concerto (já saberão porquê), acabei por gostar do que ouvi — onde por sorte se incluíam a maior parte das minhas favoritas e as poucas canções que curto no AM. Claro que foi tudo tocado em modo piloto-automático, uma metralhadora de canções sem grande espaço para discursos porque eles são demasiado fixes na sua cabeça para essas merdas mas pronto, tocaram um excerto da “War Pigs” — que ninguém na plateia reconheceu, vão já ouvir Black Sabbath meus incultos — no meio da Arabella e só isso valeu a pena.



“Milkshake” já tem mais de dez anos, hoje em dia existem muitas dezenas de outras divas à frente da Kelis na hierarquia pop e o concerto de Paredes de Coura não tinha deixado grandes saudades. Tudo isto, juntamente com o concerto em simultâneo dos macacos, contribuíu para que apenas escassas centenas aguardassem o concerto no palco Heineken, mas bastou ouvir a enorme Trick Me para saber que esta era uma aposta ganha. Com uma banda pronta a dar uma abordagem mais groovy aos seus êxitos e com uma voz mais rouca do que me lembrava, a Kelis deu o melhor concerto deste primeiro dia de Alive, e a equipa VICE não fez por menos e tratou de abanar a anca como se não houvesse amanhã. No fim, ainda houve tempo de apanhar a última meia dúzia de canções de Arctic Monkeys, e depois de nos fazermos à estrada.


DIA 2



Uma pequena multidão de chapéus brancos recebia o regresso dos Vicious Five, não só ao Alive mas também enquanto grupo — ainda que só para um par de concertos. Mas a julgar pela atitude, é como se nunca se tivessem ido embora: deram um concerto altamente electrizante, onde hinos como Bad Mirror ou Electric Youth nos relembraram que se calhar está ali uma das mais importantes bandas portuguesas das últimas décadas. A começar o dia 2 do Alive numa nota alta. Voltaremos a vê-los no Milhões.



Há que chamar as coisas pelos nomes, sem medos. E o concerto dos D’Alva no palco Clubbing, pouco depois, foi do caralho. Surpresa? Não para quem ouviu #batequebate e se deixou absorver por toda a deliciosa e refrescante pop do duo. Complementado por incríveis moves do Alex D’Alva, um ecrã com as melhores projecções (Streets of Rage, sim!) e com a participação do Gospel Collective a fazer todo o sentido, não é de estranhar que tenham tido um público pronto a dançar e a fazer twerk irónico mediante pedido. Lá para o fim, o caos de “Barulho” com um excerto da “Niggas in Paris” confirmou-o: este foi mesmo um dos melhores concertos deste Alive.

A “Kids” e a “Time to Pretend” continuarão tão certeiras como sempre o foram, mas pouco mais no concerto dos MGMT serviu para manter um quinto do interesse com que este mesmo festival os acolheu em 2008, no seu auge de popularidade. O som fraco não ajudou (o que aconteceu com outras bandas, também), mas fora essas explosões de euforia nos singles foi um concerto meio letárgico, de olhar no infinito. Estariam melhor no palco secundário.



De Black Keys, coisas boas e menos boas a dizer. Há que dizer que resultam bastante bem ao vivo — apesar de serem um falso duo (têm mais dois músicos na sombra a segurar os ritmos), são uma máquina eficaz e bem oleada, como o são os singles que os catapultaram para a ribalta e que levam grande parte dos seguidores à loucura — “Gold on the Ceiling” foi a primeira demonstração de que ninguém estava ali por acaso. O menos bom nisto é que a meio existe Turn Blue, disco do qual não tive grandes coisas a dizer há uns meses e cujas canções assassinam o ímpeto construído por outras — não faz sentido nenhum que a horrível “Gotta Get Away” esteja no alinhamento e “Everlasting Light” não. Mas apesar de tudo, saldo francamente positivo — nem que fosse por “Lonely Boy” nos ter deixado à beira de várias entorses com tanto movimento de tornozelos.

Já como na Casa de Música em Outubro, a “Somebody Who” foi o grande êxito das Au Revoir Simone no palco Heineken — juntamente com o decote da Annie Hart e o booty move da Erika Spring, num concerto perfeito para a hora que corria. Pouco depois, e sem que nada o fizesse prever, estava de novo à frente do palco principal a dar tudo perante os Buraka Som Sistema. Por mais que abandonem o rótulo de kuduro progressivo ou se tornem demasiado grandes para que só sejam ouvidos por estes lados, os seus concertos vão ser sempre a desculpa ideal para a poeira se levantar em qualquer recinto sem quaisquer remorsos, até porque o jogo de ancas da Blaya nunca pára de melhorar. Deu ainda para encerrar o dia/noite com Boyz Noise, enquanto me questionava se uma sexta-Feira no Bairro Alto seria o suficiente para atirar o Pete Doherty para novo ciclo de reabilitação. No último dia trataríamos de o saber.


DIA 3



Qual é o motivo que nos faz sair da praia num dia de Verão para estarmos às cinco da tarde de regresso a Algés sob um calor abrasador a ouvir eurodance? Acima de tudo, os Gin Party Soundsystem — dez (!) DJ’s habitualmente vistos por essas caixas de comentários pela Internet fora e vencedores do concurso Live Act — prometiam dar tudo num festão mínimo garantido no palco clubbing e o que ali se passou não terá sido menos que lendário. Difícil será descrever tudo o que aconteceu, entre o comboio humano na audiência, o crowd-surf, as bisnagas e confettis, as invasões de palco, a incrível presença de Alex D’Alva (uma espécie de MC convidado, e aquele mash-up da “What is Love” com “Eu Sei, Tu És” e “Wrecking Ball”) ou a Carolina Torres a cantar “King of My Castle”, que, por exemplo, fizeram daqueles 40 minutos algo inesquecível. Enquanto soava “This Charming Man” dos Smiths perante uma plateia já bastante maior do que a inicial, apercebiamo-nos que os GPSS superaram a prova de fogo. Se o título de melhor concerto do festival está a critério de cada um, é mais que provável que este set tenha sido “O” acontecimento do mesmo. Podiam fechar o Alive.



Mas felizmente, não o fizeram: pouco depois era a vez de Cass McCombs subir ao palco Heineken. Exigia-se baixar o ritmo depois de tamanhas vagas de beats e este foi o concerto ideal para o fazer, enquanto o sol ainda brilhava por esse recinto fora. O trio do americano apresentou principalmente canções de Big Wheel and Others, do ano passado, entre temas também tão óptimos como “Love Thine Enemy” ou “Name Written in the Water” para um público que na sua maioria optou por se deixar ficar sentado a disfrutar do que ouvia. Cass McCombs merece salas fechadas para que a sua alma folk misteriosa seja contida em quatro paredes e não se dissipe pelo ruído que corre lá fora e o frenesim de barracas de cachorros-quentes e kebabs mas, ainda assim, foi agradável.



Os War on Drugs são donos de um dos melhores discos de 2014 e agora também lhes pertence um dos melhores concertos do festival: a americana está viva e recomenda-se. Perante uma das mais entusiasmadas audiências do palco secundário, as canções de Lost in the Dream abandonaram momentaneamente a pesada aura depressiva que originou o disco e transformou-se numa viagem pelo deserto em plena Algés sem olhar para o retrovisor, para a qual só podiam ajudar as rajadas de poeira que se iam sentido no recinto. “Red Eyes” terá sido o exemplo máximo de como toda a actuação contagiou a multidão, entre solos dos Adam Granduciel, a dinâmica dos ritmos e o esporádico aconchego do saxofone.



A desastrosa (e algo vergonhosa) falha de amplificação no final do concerto de Bastille que deixou a banda muda durante a última canção do seu set confirmou que os palcos secundários eram, de facto, o principal ponto de interesse neste terceiro dia de Alive (e os bons concertos de Unknown Mortal Orchestra, PAUS e Phantogram – neste último destaque para a mistura eficaz de géneros e o poderio sexy de Sarah Barthel – vincaram ainda mais isso). Após um pulinho ao palco de comédia onde verificamos que continua a faltar a piada a um dos principais humoristas da nossa praça, tempo de saber se os Libertines justificariam o seu estatuto de cabeça de cartaz. Em termos de público, e a julgar pela reduzida afluência de cabeças, nem por sombras. Musicalmente? Sim, se acharmos que ainda estamos em 2004. Dois álbuns distantes, a “Can’t Stand Me Now”, um Pete Doherty que está ali quase que por acaso para tocar guitarra e beber uns copos e uma semi-cover janada da “Sittin’ On The Dock of the Bay” é pouco, muito pouco para o palco principal de um dos principais festivais do país. Para quem sempre gostou deles, há-de ter servido. Para quem nunca lhes passou grande crédito, foram muito pouco convincentes.



Cheguei alguns minutos atrasado ao concerto do Chet Faker e de longe já ouvia as palmas que ritmavam as canções. Nada mais simples: Faker, ora sozinho, ora acompanhado por dois outros músicos, cantava sobre e pelo amor. E com amor lhe respondiam, de corações bem ao alto, elevando Chet Faker a um daqueles distintos casos de carinho incondicional que por vezes assistimos em palco portugueses. Num palco Heineken cheio, onde se ouviram as maiores ovações do festival, malhões como “1998, “No Diggity” ou “Cigarettes and Chocolate”, puxaram pelas vozes (principalmente femininas). Ao fundo ainda se ouvia o Pete Doherty mas era inútil: estava aqui encontrado o verdadeiro conquistador da noite. Pode não ter sido a edição mais memorável do Alive em sete anos de existência, mas momentos como este manter-se-ão inesquecíveis. Tudo está bem quando acaba bem e, como nos recordava o pórtico de saída, para o ano há mais. Nós cá estaremos.

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