Melissa Vitale, uma publicitária de 25 anos do Brooklyn, estava fazendo um intervalo de um treino intenso na academia quando a sala começou a parecer estranha. “Eu estava praticamente exausta, mas queria terminar a rotina de exercícios”, ela lembra. “Do nada, as paredes começaram a derreter e o chão a escorregar.” Vitale estava tendo um flashback de uma viagem de ácido, e não era a primeira vez. “Eu sabia exatamente o que estava acontecendo e, devagar, deitei no chão e me estiquei até passar”, ela diz.
Phillia Downs, uma xamã de 40 de LA, revive sua primeira e única viagem de ácido de 18 anos atrás cerca de uma vez por ano. “Vejo as paredes e papel de parede se mexendo ou vejo água escorrendo de uma parede, como vi antes, ou pôsteres se mexendo”, ela diz.
Videos by VICE
Um estudo de 2011 com 2.679 usuários regulares da Drug and Alcohol Dependence descobriu que 60,6% deles já tinham experimentado alucinações reminiscentes de viagens enquanto sóbrios. O LSD é a droga mais conhecida por causar flashbacks, mas isso também pode acontecer com cogumelos, DMT e ocasionalmente MDMA, diz James Giordano, professor de neurologia e bioquímica do Centro Médico da Universidade Georgetown. Distorções visuais comuns acontecem durante flashbacks, incluindo perceber objetos como maiores ou menores do que são, ver linhas se estendendo de objetos, e notar algo pairando na sua visão periférica.
Já usou droga e quer falar sobre isso? Faça parte anonimamente do Levantamento Global de Drogas de 2019.
Enquanto flashbacks geralmente são discutidos em avisos sobre os perigos das drogas, nem Vitale nem Downs acham os flashbacks perturbadores. “[A viagem original] foi uma das experiências mais incríveis de abertura do coração e da mente da minha vida”, diz Downs. “Então na verdade gosto dos flashbacks. Fico fascinada vendo fotos e paredes se mexendo.”
Mas Vitale teve uma experiência que gerou ansiedade com um flashback enquanto dirigia. “As faixas brancas no meio da estrada estavam se transformando em coelhos, e como eu estava dirigindo tarde da noite numa área de mata, onde tinha que tomar cuidado com a vida selvagem, foi muito assustador”, ela me disse.
Flashbacks “podem ser perturbadores e desencadear ansiedade e ataques de pânico, especialmente se o indivíduo tem um transtorno de saúde mental subjacente”, diz Sal Raichbach, um psiquiatra especializado em vício do Ambrosia Treatment Center. “Alucinações podem ser uma distração ou desconfortáveis dependendo do cenário. Elas também podem ocorrer em situações perigosas, como quando a pessoa está dirigindo.”
Flashbacks desagradáveis como esses tendem a passar rápido, diz Giordano. “Enquanto intermitentes, flashbacks agudos podem ser inicialmente uma surpresa e um susto para algumas pessoas, particularmente na primeira vez, mas tendem a ser bem breves e não terrivelmente intensos.”
Mas flashbacks psicodélicos podem ser mais sérios. O estudo mencionado anteriormente descobriu que 4,2% dos usuários de psicodélicos relatavam flashbacks angustiantes ou debilitantes. Mas Giordano acredita que esse fenômeno na verdade é bem mais raro. Matthew Johnson, professor de psiquiatria e ciência comportamental na Universidade Johns Hopkins, concorda, estimando que “um em milhares de usuários” tem flashbacks que interferem em sua vida.
Quando flashbacks crônicos comprometem a habilidade de uma pessoa de funcionar, essa condição é conhecida como transtorno perceptivo persistente por alucinógenos (HPPD). “Muitos usuários relatam anomalias visuais breves ocorrendo depois dos efeitos agudos de alucinógenos, mas só para uma minoria esses efeitos são preocupantes ou debilitantes o suficiente para serem considerados clinicamente significativos ou garantir um diagnóstico como HPPD”, explica Johnson. “Muitos usuários consideram esses efeitos subclínicos benignos e prazerosos.”
Não sabemos exatamente o que causa os flashbacks ou por que eles podem acontecer tanto tempo depois da viagem original, mas Raichbach diz que eles podem vir de rupturas nos neurônios que filtram percepções sensoriais. Flashbacks de ácido em particular podem ser resultado de como o LSD se liga a neurotransmissores de serotonina, diz Giordano. O receptor de serotonina mantém a molécula de LSD no lugar se dobrando sobre ela, e às vezes esse par de moléculas se esconde dentro das células nervosas. Se elas voltam à superfície, o LSD pode ter outra chance de afetar o cérebro, causando as mesmas mudanças de percepção experimentadas durante a viagem original.
É possível que mudanças no fluxo sanguíneo (como as que ocorrem durante exercícios) e o metabolismo do cérebro façam complexos de receptores com LSD e serotonina ressurgirem, acrescenta Giordano, o que poderia explicar a experiência de Vitale na academia. Flashbacks também podem ser desencadeados por “stress, ansiedade, falta de sono ou pensar na experiência em si”, diz Santosh Kesari, neurologista e chefe do departamento de neurociências translacionais e neuroterapia do Centro de Saúde do Providence Saint Johns. Pessoas usando inibidores de recaptação de serotonina (que incluem certos antidepressivos) e pessoas com transtornos no espectro psicótico podem ser mais predispostos a flashbacks. Além disso, usuários regulares têm mais chances de experimentar flashbacks que usuários ocasionais ou que só usaram uma vez, me diz Raichbach.
Tricia Eastman, fundadora do Psychedelic Journeys, uma comunidade que facilita cerimônias psicodélicas, já trabalhou com pessoas que experimenta flashbacks agradáveis e desagradáveis de 5-MEO-DMT, um alucinógeno feito com veneno de sapo. Essas pessoas relatam flashbacks desencadeados por coisas como cannabis, acupuntura e meditação. Aqueles que tiveram flashbacks negativos tendem a ter uma história de trauma em que trabalharam usando a substância, ela diz.
HPPD nunca foi relatado por pacientes de estudos clínicos envolvendo psicodélicos, então Johnson acredita que isso vem de condições particulares do uso de droga ilícitas, como contaminação por outras substâncias, outras drogas usadas simultaneamente e doses muito altas.
Drogas prescritas como medicação contra convulsões e Clonazepam às vezes são usadas para tratar HPPD. Mas flashbacks comuns geralmente não exigem tratamento. Se você experimenta um flashback perturbador, Giordano recomenda se lembrar de que vai passar logo. “Se focar na respiração e outras técnicas de relaxamento pode ajudar a restaurar o foco e reduzir qualquer sentimento de ansiedade durante o flashback”, ele diz.
Muitos clientes de Eastman encontraram alívio para flashbacks ruins trabalhando com terapia somática e psicoterapeutas especializados em integração psicodélica. Ela também aconselha a tratar flashbacks como oportunidades para crescimento pessoal. “Permita que as reativações ocorram numa estado de consciência aberta e simpática”, ela diz em um de seus trabalhos. “Sua mente, corpo e espírito vão processar naturalmente a experiência de um jeito benéfico se você simplesmente a entender assim.”
Matéria originalmente publicada no Tonic.
Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.