Apesar de todos os avanços tecnológicos, os humanos continuam sendo criaturas simples que se juntam com base em gostos compartilhados por roupas, música e opiniões. O último desses clãs? Assim como o homem veio do homo erectus para o homo sapiens, o emo evoluiu do scene kid para o “e-boy”.
Se isso é novidade pra você, aqui vai um resumo do e-boy, começando com o visual: o cabelo é estilo o Romeu do Leonardo DiCaprio, via Michael Pitt de Os Sonhadores. Eles fumam cigarros, às vezes só pela estética, mas são tão sóbrios quanto um conselheiro do AA. Eles cresceram ouvindo Mac Demarco, The 1975 e Tyler, the Creator da era lo-fi terrorcore, mas também Justin Bieber e Selena Gomez. A vibe deles é o clímax de todas essas esferas ligeiramente relacionadas, filtradas pelo mundo de cores Brockhampton pós-One Direction.
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As roupas: muitas correntes. Corrente de bicicleta, corrente de jeans, corrente de carteira, correntes de anéis de latinha de Coca-Cola. Eles usam cadeados no pescoço. A gente poderia descrevê-los como o clássico gótico Camden Lock, se eles não parecerem homens jovens incrivelmente arrumados, felizes – mesmo que um pouco tristes pelo bem das suas performances – e muitos deles aparentemente prontos para um futuro onde a faculdade já estará paga.
E-boys são este trap de fantasma. Igualmente, eles são Joji. Ou Rex Orange County. Ou Clairo. Ou música instrumental estilo trilha sonora do Studio Ghibli de um cara que se chama de nvthvn, mesmo que substituir A por V tenha perdido o impulso cultural na mesma época que A$AP Rocky virou modelo – se não naquele momento, então quando quando SpaceGhostPurrp começou a falar sobre incels e cobrar 10 pilas por batida.
Considerando o amor deles por músicos, você provavelmente imagina que eles são tolerantes e progressistas, mas eu não deixaria passar que alguns desses caras devoram as palavras do Jordan Peterson (via stories do Insta, não os livros). Eles passam tanto tempo na frente do celular, absorvendo tanta informação e tantos slogans, que acabam se prendendo a esse tipo de coisa sem realmente questionar.
Jovens demais para ter passado pela onda de Xanax, e com medo de drogas por causa do que aconteceu com o Lil Peep (que morreu de overdose em 2017), você não vai encontrar essa galera no parque fumando maconha. Eles não são os filhos do Fuelled By Ramen de 2006. Em vez disso, eles estão permanentemente online, aperfeiçoando seus vídeos no TikTok – uma plataforma onde a hashtag e-boy atualmente tem mais de 500 milhões de visualizações.
O melhor jeito de entendê-los provavelmente é vendo seu conteúdo, que existe em três formas:
1) Tentando ser o mais irônico possível no TikTok, tocando música pesada e sorrindo de um jeito sarcástico.
2) Pulando de um visual pro outro no TikTok enquanto algum rap toca no fundo.
3) Fazendo aquela coisa de revirar os olhos que o Undertaker inventou exatamente 30 anos atrás no WWF, e que todo rapper do Soundcloud agora faz.
Esse é outro traço do e-boy: ser nojento no geral. É um negócio que eles pegaram da Billie Eilish, rainha dos e-boys (e das e-girls, sobre quem a i-D escreveu aqui). Mas junto com essa nojentice, eles também rivalizam com a molecada do Myspace de 2007 em fazer beicinho. É uma linha tênue: muita postura pra mostrar pra todo mundo como eles são bonitos, com tosquice proposital suficiente para lembrar ao público que eles não ligam pra aparência.
Meio que relacionado: a quantidade surpreendente de referências a BDSM (dom, sub, switch e tal). O que faz sentido, porque a chegada do e-boy é o ápice de uma cultura online mantida por homens adultos se referindo a tudo, de astros do pop a canetas, como “daddy”.
Os tons sexuais da cultura e-boy/girl já se tornaram mainstream. No clipe de Billie Eilish “bad gay”, a artista de 17 anos canta: “ So you’re a tough guy / like it really rough guy” enquanto derrama leite na garganta de um cara. Isso é arte, claro, e há um poder no trabalho de Eilish e sua reversão dos papéis de gênero tradicionais – mas é um pouco mais difícil defender um adolescente no TikTok fingindo esganar, e depois beijar, seu iPhone.
Se a história nos ensinou alguma coisa, é que quase todos esses caras estão a um corte de cabelo e uma lata de lixo cheia de bijuterias de distância de ser um normie que trabalha das 9 às 18 horas – do mesmo jeito que todo ex-fã do Hawthorne Heights hoje trabalha num escritório, só com o lóbulo da orelha alargado indicando a vida que um dia eles levaram.
Mas, por enquanto: vida longa ao e-boy.
Matéria originalmente publicada na VICE Inglaterra.
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