A senhora MN, de 49 anos, tem vergonha de sua última desilusão amorosa. Em julho, um membro do exército americano chamado Glenn Smith a adicionou no Facebook. De pronto, começaram a conversar pelo chat. Glenn pediu desculpas pelo péssimo português; escreveria em inglês e mandaria as mensagens após passar no tradutor. MN não se incomodou. Nem mesmo quando ele errou seu nome.
O militar era viúvo, tinha uma filha e pinta de bonitão nas fotos com uniforme. Na segunda semana de papo já a chamava de “meu amor”. Confessou o cansaço com a guerra na Síria — queria vir se encontrar com ela no Brasil, casar, constituir família. Como prova de amor prometeu enviar joias, celular e perfumes. Para mandar o presente, porém, Glenn precisava de dados como endereço, telefone e CPF da assistente social divorciada. MN fez tudo e, assim que o pacote chegou, descobriu que havia se apaixonado pela pessoa errada.
Videos by VICE
O americano bonitão era na verdade um scammer — como são conhecidos os operadores de uma máfia de golpistas virtuais baseada na Nigéria que usa milhares de perfis falsos no Facebook. A organização tem um só objetivo: enganar e explorar mulheres carentes.
“Esse é o golpe do pacote”, me disse por telefone quando comentei o caso com Crystal Brasil, conhecida como a maior caçadora brasileira de scammers. “Aí ligam pra ela dizendo que tem coisas proibidas no pacote, que ela precisa pagar para retirar da alfândega, caso contrário será presa.”
Crystal conhece o jogo e lembrava do caso de MN. Há cinco anos no combate a esses criminosos, a mineira divorciada de 55 anos tem uma página no Facebook que é referência para desmascará-los. É um porto seguro das que foram enganadas e esteio de informações de quem quase se deu mal.
“Menino, é um golpe muito covarde. Usa da boa fé, da carência da pessoa, do amor, da solidão, para poder roubar. Eles descobriram que a mulher brasileira adora militar (risos). Não sei por quê, mas que gosta, gosta”, disse a heroína, com sotaque mineiro simpático.
O esquema do pacote é um entre muitos. Um modelo mais antigo são aqueles emails que ficam presos na caixa de spam de todo mundo com heranças milionárias e doações milagrosas. No caso de MN, ocorreu o seguinte: quando a caixa chegou, ela recebeu a ligação do suposto diplomata Willians Elvi dizendo que encontraram documentos, dinheiro e diamantes no pacote e que ela poderia ser processada por lavagem de dinheiro.
“Meu chão quase foi pro espaço. Ele começou a me ameaçar, dizendo que eu tinha que pagar suborno. Aí a gente que sempre fez tudo certinho e do dia pra noite passa a ser declarado criminoso…”, disse MN, que mora no interior do Paraná.
Por medo e pavor, ela fez os pagamentos: primeiro três mil reais, depois 12, mais 15, mais 20 e, por fim 37. No espaço de uma semana, depositou 77 mil reais — todas as suas economias — em duas contas de São Paulo indicadas pelo pelo falso diplomata. Mais tarde, o dinheiro deve ter seguido para a Nigéria por Western Union.
“Quando acabou o meu dinheiro, o cara não se deu por satisfeito e começou a me ligar dizendo que eu fizesse um empréstimo e pagasse mais 180 mil reais. Acredita?”
MN diz que a decepção amorosa pelo romance que nunca existiu não foi tão forte. O pior foi a pressão psicológica e as ameaças. Foi na polícia, mas como o pagamento havia sido feito em contas de São Paulo, era lá que a investigação deveria ser feita. Não teve nenhuma resposta até agora e nem terá. Já perdeu a esperança de recuperar as economias.
Como tantas outras, MN se tornou uma caçadora informal. Os pedidos de amizade dos fakes não paravam de chegar e ela passou a alertar os amigos em comum de que se tratava de um golpe. É um padrão: as denúncias são uma forma de vingança para as mulheres que foram enganadas. Tornam-se caçadoras porque um dia foram caça.
“Depois da Copa virou um inferno, eles descobriram o Brasil. Em períodos como Dia dos Namorados e final de ano, já vi perdas que somavam 500 mil reais em um dia”
Uma delas, de codinome Clara Luz, mantém, além da página do Facebook, o blog Alerta na Rede. Foi Clara, 50 anos, divorciada, que me ajudou a entrar em contato com algumas vítimas. Para falar comigo, contudo, ela exigiu que eu mandasse uma foto minha com a edição do dia da Folha de São Paulo para provar que eu era quem dizia ser.
Servidora pública, com pós-graduação em gestão ambiental, ela também entrou no mundo da caça motivada pela vingança. “Me envolvi com um golpista. Não cheguei a pagar, mas me apaixonei pelo meu scammer, que se chamava Collins Phil Lucas.”
A tática para pegar um scammer é simples: digitar o nome ou os dados, ou procurar a foto no Google. É grande a chance do algoritmo encontrar alguma referência no perfil de Clara ou de Crystal. São páginas que se tornaram uma comunidade na qual as mulheres ajudam umas às outras, mandando informações, proclamando o sentimento de vingança e prestando solidariedade a quem foi enganada. A regra básica é jamais ridicularizar a vítima.
Crystal vai mais longe no combate. Sua foto de capa mostra bem o espírito: é uma mulher com roupa de couro, metralhadora na mão e um sorriso que contrasta com o sangue escorrendo pela lateral direita do rosto. Ela se envolve com os fakes na internet para dar-lhes esperança de ganhar mais um dinheirinho fácil e depois rir da cara dos mafiosos ao postar prints das conversas em sua página. Ela também inverte a linguagem. Chama os scammers de mugus, o mesmo termo usado pelos golpistas para definir as vítimas. Em pidgin, um dialeto urbano da Nigéria, significa idiota, trouxa, otário.
Não há dados oficiais sobre esse tipo de crime, considerado estelionato, mas pela quantidade de denúncias que Crystal recebe, ela estima o número de vítimas na casa dos milhares. “Depois da Copa virou um inferno, eles descobriram o Brasil. Em períodos como Dia dos Namorados e final de ano, já vi perdas que somavam 500 mil reais em um dia”, diz. As histórias são muitas: houve pelo menos um caso de suicídio, muitos de depressão e um vez que levou um mês para convencer uma mulher de que ela estava sendo enganada.
Quando a vítima se dá conta o choque é duplo: a um só tempo teve prejuízo e perdeu o homem por quem estava apaixonada. O trabalho da caçadora é mostrar que ela é uma entre tantas, que foi enganada por uma organização criminosa especializada e não por “um babaca qualquer”.
“Teve um caso que tive que contar para uma moça evangélica que ela havia caído em um golpe e que não haveria casamento. Ela era de uma pequena comunidade e todos os membros da igreja estavam esperando a chegada do americano”, lembra Crystal.
Crystal já foi ameaçada de morte, teve o perfil denunciado e muitas tentativas virtuais de derrubá-la. Ela ri: “Não tenho medo desses vagabundos, não.” Só não revela a verdadeira identidade porque teme que os mafiosos criem fakes com seu nome e ataquem pessoas próximas à ela.
Para a caçadora, o Brasil é um mina de ouro porque as mulheres são carentes e os homens brasileiros só querem saber de sexo pela internet. “É adicionar um filho da mãe desses que ele já quer ver seu corpo. Os scammers não vão falar em sexo. Vão falar em futuro, em amor, em família, em casar. É tudo o que a mulher quer.”
Embora não tenha sido vítima, Crystal entende o sentimento e como resgatar os egos feridos: “A facilidade que eu tenho de fazer as vítimas caírem em si é porque eu sei o que elas estão passando. Você deu o que você tinha, mandou o marido embora de casa, então se agarra naquilo como uma verdade, uma esperança. Mas eu digo, ‘você perdeu’, agora vamos trabalhar para pagar”.
Depois de recuperada, Crystal convida vítima a ir “à forra” — nada melhor que uma boa caçada para aplacar a sede de vingança. “Eu brinco com elas, digo ‘hoje, minha auto-estima tá baixa, preciso namorar um scammer urgentemente.”