Não importa se você está na Rússia, China, Japão ou Brasil: Cadeia é cadeia e nela ninguém poderá ser mais do que é. Essa simples regra de conduta é eficientemente transmitida aos detentos e integrantes do crime por meio das tatuagens, as quais mostram quem é você dentro e fora das grades. Com isso, nada mais óbvio existir a necessidade da polícia ter de se inteirar nessa linguagem para facilitar a identificação de criminosos e também acelerar as investigações policias.
Após dez anos de pesquisa, o capitão Alden da Polícia Militar da Bahia publicou uma cartilha elencando a maioria dos desenhos tatuados e seus respectivos significados. Os desenhos espalhados pelo corpo servem quase como um RG no mundo do crime. “Essa pesquisa se deu com base da curiosidade para que pudéssemos de fato verificar se havia uma relação entre tatuagem e os crimes cometidos”, explica o capitão. Foram identificados cerca de 66 desenhos mais recorrentes nos indivíduos.
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A coleta de dados do capitão juntou quase 50 mil documentos contendo entrevistas com tatuadores profissionais, policiais, delegados, agentes penitenciários e especialmente pessoas pegas em flagrante e presas nas delegacias de Salvador e, num último momento da pesquisa, presos recolhidos em penitenciárias. Além da dificuldade de coletar fotos e dados das delegacias da metrópole, outro problema foi retirar as informações dos próprios criminosos.
Ainda assim capitão Alden montou um banco de dados valioso para as investigações policiais. Embora a cartilha parecer novidade, a catalogação de tatuagens existe no país desde a década de 1920 destacando a atuação do psiquiatra Moraes Mello no Carandiru e também, mais recentemente, o trabalho minucioso do perito prosopográfico forense do Instituto de Criminalística do Paraná, Jorge Luiz Werzbitzki.
Inclusive, o perito está finalizando um livro sobre o assunto. Para Werzbitzki “ler” alguém pelas suas marcas traz a possibilidade de prever um crime através de um possível perfil de um desconhecido. “As tatuagens, bem como outros tantos códigos do crime, falam da história de vida de uma pessoa; contam sobre as suas tendências pessoais, sociais, sexuais e religiosas (como as seitas satânicas, necromânticas ou dadas ao vampirismo, entre as mais conhecidas); podem nos alertar quanto ao grau de periculosidade do seu portador; determinam perfis psicológicos (psicopatias ou insanidades); ou se o nosso investigado pertence a determinado grupo ideológico fanático (guerrilheiro ou terrorista), gangue ou facção do crime organizado; ou ainda, se o suspeito pode ser alguém aficionado de determinada torcida organizada, pixo, rolezinho etc”, explica.
Assim como o capitão soteropolitano, a pesquisa feita por Werzbitzki exigiu cerca de dez anos para conseguir juntar os dados para montar uma fonte de informações confiável para a polícia e para o Instituto de Criminalística. O perito reconhece a importância do trabalho do capitão, porém lembra que cada desenho pode variar de acordo com o estado, presídio e facção. Por isso, é indispensável o cruzamento de dados entre as polícias estaduais.
“De acordo com a cartilha da Bahia, cinco pontos na mão representa um homicida, já aqui no Sul representa o crime de roubo. Quando o indivíduo é argentino os cinco pontos na mão representam um policial cercado por quatro bandidos. Ou ainda pode significar um homem preso por quatro paredes. Já na máfia russa, esses pontos podem indicar a quantidades de penas cumpridas. É uma coisa que tem muita variação, não é algo cujo o significado é fixo”, diz Werzbitzki.
Outro levantamento interessante na pesquisa da Bahia é que nem todas as tatuagens são necessariamente feitas por trás das grades. “Descobrimos que apenas cerca de 30% dos indivíduos se tatuaram quando cumpriam pena em complexos penitenciários”, revela.
O método de se tatuar dentro da cadeia costuma ser parecido. Às vezes os presidiários dão sorte de existir uma máquina contrabandeada para dentro das celas e quando não rola a máquina o jeito é apelar para métodos mais arcaicos. “O método é composto por materiais artesanais, utilizando tinta de caneta BIC, papeis. Eles enrolam o material de escolha numa lâmpada acesa e com o calor, o material pega fogo e com as cinzas é feita a tinta para tatuar. Com um material afiado, normalmente uma agulha enrolada numa linha, eles vão enfiando a tinta na pele”, conta capitão Alden. Werzbitzki inclui na lista também sacolas plásticas e qualquer coisa que consiga soltar algo semelhante à tinta.
Embora a conclusão da pesquisa do capitão abrir para interpretações perigosas sobre pessoas que fazem tatuagem, o PM é incisivo “não é o fato do indivíduo ter tatuagem que o torna automaticamente passível de ser criminoso, mas sim isso deve ser utilizado junto com um conjunto de elementos que possam identifica-lo como tal”. Nesses elementos são considerados os antecedentes criminais e também o se próprio perfil da pessoa demonstra se ela é violenta ou não.
Ainda, segundo o capitão, as tatuagens no mundo criminal não são feitas para fins estéticos e sim muito mais como uma forma de se apresentar e identificar. Sejam elas feitas consensualmente ou não.
Selecionamos algumas fotos da cartilha o capitão Alden e pedimos para a Juliana Lucato (que fez o
ABC dos Trotes Violentos) ilustrar algumas das imagens escolhidas. O resto foi disponibilizado em PDF aqui.
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