“Deus do Furdunço era uma gíria nossa. Tu tá cansadão, papo de três horas da manhã em casa de bobeira e… ‘Deus do Furdunço’, toma um banho e três e meia tá na Lapa. É a entidade que te influencia desde quando tu é criança até amanhecer em motéis sujos com as roupas amarrotadas.” Essa é a definição do BK’ para a divindade criada por ele mesmo na faixa número onze do álbum Gigantes, cujo clipe estreia nesta quinta (8), e que ao lado de “Correria” e “Julius” faz parte da trilogia dirigida por Calebe Gomes (irmão do BK’) e Ronaldo Land. BK’ entrega as referências da música: “Eu estava ouvindo muito a música “Some Girl” daquele magrinho da gringa, o Goldlink. Aí eu falei pro Nave que queria um beat nessa pegada, e ele fez uma referência ao Boogie Naipe. Eu comecei a escrever e a música veio na cabeça. É um funkzão, ficou legal.” A faixa também conta com a produção do carioca El Lif.
No clipe, um personagem interpretado pelo beatmaker Jxnxs, parceiro de BK’ no Bloco Sete e no Pirâmide Perdida, vive uma noitada na Lapa, sempre mal influenciado pelo Deus do Furdunço, incorporado em BK’. A caracterização e trejeitos dessa entidade são escancaradamente inspirados no deus Anansi, que na série American Gods aparece no porão de um navio negreiro, e de forma debochada e sedutora apresenta o tenebroso futuro dos negros na América, incitando-os a revolta. Sobre a impressionante interpretação de ambos, Land explica: “A gente trouxe dois amigos, o Lucas Maia, que faz preparação de elenco e é diretor também e teve o Zulu que trabalha com dança e expressão corporal, porque no clipe de ‘Julius’ tem muita ação corporal. A gente trouxe essas pessoas para ajudar eles um pouco, mas se a gente teve três encontros foi muito. Então eles surpreenderam, porque você tá fazendo um lance que é meio historinha, pode ficar uma parada meio novela, meio clichê, dá aquele frio na barriga.”
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A ideia original do clipe e a referência à Anansi do livro de Neil Gaiman foram levadas a Land por Calebe e o próprio BK’, e os três desenvolveram o roteiro juntos por três meses. Caleb conta que algumas cenas acabaram caindo para evitar problemas. “Você tá trabalhando com um clipe, que é uma parada que uma grande quantidade de pessoas vão ver, então você tem de ter esse trabalho de empatia, de pensar como a pessoa que vai ver aquele clipe vai se sentir, então melhor tirar pra não fazer ninguém se sentir mal, não incomodar ninguém.”
Para Calebe, o clipe é uma grande tirada de onda com a noite e o comportamento masculino. “É meio um deboche ao super-homem, ao homem hétero. A gente usou vários estereótipos pra forçar mesmo o exagero da festa. É totalmente um deboche a essa vida noturna. O personagem do BK’ tá sempre em cena debochando de tudo, de coisas que acontecem mesmo, tipo os caras brigarem por meninas que nem eram deles se pá. É ridículo, mas acontece todo dia em todo lugar essas babaquices. E também tem a parada da auto aceitação do homem negro como um homem bonito. Ele vai na festa meio oprimido e vai se aceitando como um homem bonito, são várias camadas.”
O resultado é um clipe divertido com cara de curta-metragem e que tenta conectar com os outros dois clipes de Gigantes de uma forma bem sutil. É para ser assistido várias vezes e digerido com calma. Land conta que na hora da montagem perceberam que eles tinham muitas imagens para contar a história que queriam e a música era curta. “Se a gente fosse fazer um clipe muito linear a gente tava ferrado, então a maneira de contar essa história é tipo um curta, sem se preocupar muito com ser um clipe com a trilha do início ao fim, então gente tira o som, coloca som ambiente, distorce a música, e o fim do clipe é em silêncio”. Caleb completa: “Normalmente o vídeo trabalha a serviço da música, mas a gente fez a música trabalhar a serviço do vídeo.”
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