Minhas aulas de arte na cadeia com um serial killer

(Arte por Terry Stones)

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .

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Londres estava em chamas e eu estava na traseira de uma van, quase feliz pela primeira vez em semanas. As rebeliões de 2011 tinha só começado e a cidade de que eu estava me despedindo estava se despedaçando. Mas não foram as chamas que provocaram meu sorriso. Depois de meses em uma prisão de segurança máxima, eu finalmente estava a caminho da Terra Prometida: uma instituição de segurança média em algum lugar da zona rural inglesa.

Eu não sabia exatamente para onde estava indo, mas enquanto passávamos por matas pantanosas da costa leste, imaginei que meu destino seria um lugar confortável e de extraordinária beleza natural. Seria o ambiente perfeito para ficar pelos últimos 16 meses da minha sentença, achei, e finalmente ler alguns livros. Eu tinha 21 anos, e ainda era um pouco ingênuo.

Talvez eu tenha merecido o que veio depois: as celas imundas e apertadas, com um vaso sanitário solto no pé da cama, o colega de cela nervoso com uma diarreia violenta, e a trupe de ratos que vinham dançar na montanha de lixo a comida podre que ficava do lado de fora da minha janela gradeada.

Quando comecei a pegar no sono na primeira noite, uma voz grave veio da cama de baixo. “Você arrancar o seu nariz na mordida, seu puto”, ela rosnou. Depois começaram os roncos. Meu colega de cela falava dormindo.

As coisas rapidamente foram do ruim ao péssimo. No dia seguinte, logo depois que as portas foram destrancadas, um estranho entrou na nossa cela. Primeiro achei que era alguma pegadinha surreal; ele parecia tão bobo com aquela fronha verde enfiada na cabeça, olhando pelos buracos cortados toscamente como uma meia fantasia de Halloween. Mas imagine você, a lâmina de 12 centímetros na mão dele significava que risos eram inapropriados.

Foi um daqueles momentos. Tudo parou. E aí, de repente, tudo se moveu ao mesmo tempo. A faca foi parar na garganta do meu colega de cela, o Rolex foi arrancado do pulso dele, o ladrão se foi. A vingança foi rapidamente executada.

“Éramos uma meia dúzia de caras pintando, bebendo chá, compartilhando biscoitos e tendo pequenas divergências sobre que estação de rádio ouvir.”

Tudo isso não era muito relaxante, como você pode imaginar. Mas as coisas eram assim naquela prisão provinciana. Era um lugar cheio de pessoas frustradas e com raiva fazendo coisas frustrantes e raivosas.

A aula de arte em que me inscrevi, por outro lado, era um oásis de calma diário. Éramos uma meia dúzia de caras pintando, bebendo chá, compartilhando biscoitos e tendo pequenas divergências sobre que estação de rádio ouvir.

Éramos um grupinho estranho. Tinha o Terry, um ex-assaltante meio hippie que roubava bancos para pagar seu programa de rehab, e cujos desenhos ilustram este texto; Alan, avô, cigano e, ele dizia, traficante internacional de drogas; Mustapha, um cara gordo e alegre que parecia mais interessado em esquemas de apostas do que em Gauguin; nosso supervisor, um professor de artes aposentado e simpático chamado Paul, que gostava de fotografar tampas de boeiro nas horas vagas; e o Dave.

Dave não era como o resto de nós. Na verdade, ele não era como ninguém que conheci. Ele não parecia grande coisa no começo: um cara alto e quieto de cinquenta, sessenta anos, trabalhando em seu canto. Durante as pausas, quando a maioria ia fumar nos banheiros ou embaixo das escadas, ele sentava numa cadeira do lado de fora da sala de aula e lia. Parecia que ele não precisava de mais ninguém no mundo. Ele era independente, misterioso e estranhamente carismático.

Ele era um enigma que eu estava determinado a resolver. Ele claramente estava preso há algum tempo. Um grande mural dele — retratando um vilarejo pitoresco e seu sistema de esgoto infestado de ratos — abrilhantava a área comum do lado de fora da classe. Mas ele era uma noz difícil de quebrar. Sempre que eu tentava descobrir há quanto tempo ele estava preso, e o que o ele tinha feito para acabar lá, ele mudava de assunto: um longo discurso sobre arte, uma memória de férias em família no final dos anos 50, mas nunca as respostas para minhas perguntas.

Um dia, um colega de classe me puxou de lado. “Você tem que ver isso”, ele disse. Era uma fotocópia de uma página de livro Psicopatas Malignos: Perigosos e Dementes. E tinha uma foto do Dave, A.K.A. “O Psicopata”. Número de mortes descobertas: 11. Modus operandi: estrangulamento e facadas. Na verdade, ele era um clássico assassino do machado. Ele tinha pregado uma viúva de 84 anos no chão com uma faca de cozinha e pulverizado a cabeça de um padre com uma machadinha. Ele estava preso desde 1975. E lá estava o psicopata em carne e osso, a alguns metros de distância, balbuciando uma música para si mesmo enquanto colocava os toques finais num retrato alegre de um dançarino de Morris no meio de um giro. Era difícil acreditar que a mesma mão que estava aplicando tinta acrílica azul no quadro já tinha arrancado a vida de idosas indefesas.

Nas semanas e meses que se seguiram, tentei, delicadamente, faze-lo se abrir. Eu tinha tantas perguntas. Por que ele tinha matado todas aquelas pessoas? Como ele se sentia sobre isso agora? O que aconteceu para que ele agisse assim?

Não cheguei nem perto. Ele continuou esquivo como sempre — e tinha tantas tesouras e estiletes naquela sala que parecia pouco sábio pressioná-lo. Claro, se tem alguma coisa que quatro décadas na prisão te ensinam, é como se esconder entre paredes.

“Prisões são lugares sombrios e maus; e às vezes podem ajudar a transformar garotos problemáticos em pessoas sombrias e más.”

Penso muito nele desde então. Quando fui libertado, procurei o caso dele e descobri sobre o pai alcoólatra, a infância de abusos, os pássaros que ele pregava vivos no chão, a tartaruga de estimação em que ele pôs fogo, as primeiras experiências de encarceramento, as muitas tentativas de suicídio e os detalhes chocantes de seus eventuais crimes.

Aí, não muito tempo atrás, o vi numa galeria. Era uma exposição de arte de presidiários, e uma das obras — um retrato de Sherlock Holmes, com o rosto vazio e inescrutável — era sem dúvida dele. O que isso significava? Era uma dica de um crime não resolvido? O trabalho de um homem caçando o assassino dentro dele? Ou só algo que ele fez para passar o tempo? Era outra pista e outro enigma.

Ele provavelmente nunca será libertado — se algum ser humano merece estar trancafiado, é ele. Mesmo assim, era difícil reconciliar o monstro sobre quem li e a pessoa com quem eu passava tardes discutindo Radio Four e dividindo pacotes de biscoito. Talvez esse último fosse a visão da pessoa discreta e gentil que ele teria sido se a sociedade tivesse ajudado o menino assustado e abusado anos atrás. Em vez disso, ele foi institucionalizado e endurecido e um assassino nasceu.

Enquanto o governo do Reino Unido começa um programa de £1 bilhão para construir prisões, essa é uma história que vale a pena ser lembrada. Prisões são lugares sombrios e maus; e às vezes podem ajudar a transformar garotos problemáticos em pessoas sombrias e más.

Só tive um vislumbre do lado assustador de Dave. Ele chegou discretamente por trás de mim enquanto eu estava perdido num trabalho, fazendo uma cópia de uma pintura gore de Otto Dix. Era uma imagem com artérias jorrando e membros dilacerados, e eu estava carregando no vermelho. De repente, uma voz sussurrou no meu ouvido: “Sangue pode ser estranhamente rosa, sabe”.

@terence.stone / @charliegilmour

Tradução: Marina Schnoor

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