Todas as fotografias por Rui Palma.
Foi no passado dia 25 de Outubro que a rainha catalã do dancehall e do trap espanhol se estreou em Lisboa, no palco do MusicBox. No país vizinho, Bad Gyal é já um nome sonante e muito conhecido. A cena urbana tem vindo a ganhar terreno e desde 2006 que Bad Gyal é uma das caras que a representa. Começou por cantar em catalão e partilhar os seus vídeos e sons no YouTube. Hoje, passa na rádio em Inglaterra, dá concertos em vários países e vê o seu estilo – unhas compridas, extensões de cabelo, eyeliner e fato de treino – a virar moda. Mas ainda é, para todos os efeitos, uma estrela em ascensão.
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E é assim mesmo que o festival português Jameson Urban Routes, responsável por trazer Bad Gyal a solo lusitano, se apresenta: como o primeiro festival indoor organizado por um clube, com o objectivo de trazer ao palco do MusicBox as novas tendências da música moderna e urbana, onde se vê “surgir talento, ainda em estado bruto, pronto a despoletar”.
Conhecida pela sua irreverência, feminismo e ritmos que te fazem, automaticamente, querer mexer a anca, Bad Gyal canta principalmente sobre sexo, trabalho e marijuana. A sua imagem de marca são as unhas enfeitadas muito compridas e os charros, que são igualmente compridos. Segundo conta, poder usar as unhas assim é uma vitória e um símbolo do seu sucesso; uma prova de que o seu trabalho já não requer a agilidade de mãos porque, após muitos anos de trabalho duro, chegou onde sempre sonhou – ser capaz de viver da música. “Antes, nos trabalhos que tive, nunca me deixavam usar as unhas compridas”, contou numa entrevista à VICE Espanha. “Agora, o meu trabalho é cantar”. Perguntam-lhe várias vezes como é que consegue fazer certas coisas com as aquelas unhas. “A minha resposta? Já não preciso de conseguir, o meu trabalho não é manual”, diz. Uma questão ainda mais recorrente é como é que consegue enrolar charros – faziam-lhe esta pergunta tantas vezes que a cantora decidiu mostrar em vídeo.
Para ela, cantar sobre trabalho está inconscientemente relacionado ao seu lado feminista – os homens no trap falam mais de festas e drogas, mas as mulheres tendem a mencionar mais o seu trabalho, “talvez pelo significado histórico da conquista da independência financeira da mulher”. Viu-se obrigada a aprender a dançar e a passar sempre uma imagem de mulher forte, que não tem problemas em expressar o seu lado sexual porque, segundo explica, hoje em dia já não chega cantar. É preciso saber dançar e ter uma certa imagem, se assim não for torna-se muito mais difícil vender. “Eu aprendi a dançar e não tenho problemas em expressar o meu lado sexual ou a minha maneira de estar na vida”, disse à VICE. “Mas, às vezes penso que, para as cantoras que não queiram ser tão abertas sobre sexo ou sobre a sua vida íntima, este novo panorama não é justo.”
A fama vem sempre acompanhada de críticas, mas Bad Gyal orgulha-se em poder dizer que, digam o que disserem, pelo menos toda a sua música é da sua autoria. “No meu estúdio não entram ghost writers“, afirma. É ela própria quem compõe e escreve todas as suas letras. Passeia-se orgulhosa do que conquistou, com a certeza de que tudo aquilo que tem é mérito seu. Tornou-se num ícone da comunidade LGBTQ de Barcelona pela sua ausência de filtros e medos, assim como num exemplo a seguir para qualquer um de nós que se sinta relutante em seguir o seu sonho.
Conversámos com ela sobre música e sobre a vinda a Lisboa.
VICE: Abriste caminho na música sozinha e os teus primeiros passos foram no Youtube. Como é que conseguiste dar o passo para conseguir viver da música?
BAD GYAL: Isso consegue-se com a experiência. A dar muitos concertos, muita prática e a experimentar. No princípio, dava concertos aos fins-de-semana e trabalhava durante a semana, porque não conseguia viver da música. Treinei muito e agarrei-me ao meu amor pela arte até, eventualmente, me tornar melhor e merecer começar a cobrar o mesmo que um “artista a sério”.
Em Espanha deste o salto para o êxito muito rapidamente. O que é que achas que tinhas para oferecer que, na altura, mais ninguém tinha?
Acima de tudo, acho que o que as pessoas viram de interessante em mim foi ter sido a primeira pessoa a usar ritmos dancehall no meu país.
Tenho a sensação de que ninguém sabe classificar a tua música. Como é que tu a definirias?
Custa-me muito classificar a minha música. Acho que, no fundo, não é possível fazê-lo. Tem muita essência de dancehall – a batida não é dancehall mas acho que as minhas melodias transportam essa influência. Há uma mistura de vários estilos como reggeaton, dancehall, afrobeat, afroswing… Um pouco de tudo aquilo que me influencia.
As tuas músicas falam sobre ti, sobre coisas que te acontecem e te importam no momento. O que dirias àqueles que as consideram pouco profundas?
Dir-lhes-ia que tenho diferentes tipos de canções. Como acontece com todos os músicos, ficamos mais conhecidos por duas ou três músicas, que passam mais. Mas tenho duas mixtapes com um grande quantidade de canções – entre elas, há umas muito profundas. Por isso, talvez lhes dissesse para passarem um bocadinho mais de tempo a ouvir toda a música que tenho.
Como é o teu processo criativo a compor? Saem-te de repente, em momentos de inspiração divina, ou tens algum tipo de rotina fixa?
Não tenho nenhuma rotina. Ou melhor, a única rotina que tenho é ir para o estúdio ouvir beats. O processo criativo vai variando muito – às vezes sai-me primeiro a letra, outras a melodia… depende.
É mais fácil para ti escrever músicas quando estás triste ou a passar por fases da vida mais complicadas, ou quando estás mais feliz e tranquila?
Diria que, no geral, me é sempre bastante fácil. Isto porque sou uma pessoa que gosta muito de falar e de expor as ideias e sentimentos. É verdade que, quando estou mal, isso se torna mais uma necessidade. Mas mesmo quando estou bem há sempre qualquer coisa que tenho na cabeça, alguma inquietude ou ideia que quero mandar cá para fora.
O que achaste de Lisboa e do teu concerto no MusicBox?
Adorei o concerto. Senti muito boa energia, um público com garra. Achei Lisboa uma cidade muito bonita e com boa onda, com o mar e o rio. Para mim, que sou de Barcelona, é importante ter mar por perto.
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