Música

Dança, estética e resistência negra na Batekoo

Artur Santoro, Maurício Sacramento, Monique Evelle e Wesley Miranda. Foto: Vinicius.jpeg

Salvador é a capital com a maior população negra do Brasil. Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE) de 2010, quase 80% da população soteropolitana se considera da cor preta ou parda. Além disso, a cidade é a que contém o maior número de descendentes de africanos no mundo fora da África, superando Nova York e Nova Jérsei, por exemplo. “Mesmo assim, a maior parte de eventos e da produção cultural alternativa — shows, etc — da cidade fica concentrada na mão de brancos ricos, que meio que se apropriam da cultura de origem africana em benefício próprio, e é consumida por uma galera branca”, explicou o produtor e DJ de 22 anos Maurício Sacramento. Foi justamente com o intuito de produzir uma festa de jovens negros periféricos, feita por negros e para negros, que ele e o também produtor Wesley Miranda, 24, resolveram criar a Batekoo. 

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O começo da Batekoo pode ter se dado meio que pelo acaso: em dezembro de 2014, o Wesley tava fazendo aniversário e se mudando pra São Paulo, por isso quis dar uma festa de despedida. Pra ajudá-lo a organizar a comemoração, ele chamou o Maurício, que já tinha mais ou menos uma vontade de criar um projeto alternativo de música negra que tocasse muito funk, hip-hop, trap, kuduro, dancehall e outros ritmos para “literalmente ‘bater o cu no chão’”, de acordo com Maurício, e feita exclusivamente por negros na periferia da cidade.

“No final de 2014, o afropunk e essa onda de empoderamento estavam começando a bombar na internet. Pra promover a primeira edição da Batekoo, eu e uma amiga fizemos um teaser com toda uma estética ‘urbana’, junto com esse discurso social do movimento negro. E acabou que a festa bombou muito”, explicou Maurício. O produtor resolveu continuar sozinho produzindo a festa na capital baiana, até que em agosto de 2015 a festa ganhou a sua primeira edição em São Paulo, encabeçada pelo Wesley. 

Wesley Miranda e Maurício Sacramento. Foto: Vinicius.jpeg

“Percebi que em São Paulo também tinha uma necessidade de se criar esse espaço de jovens negros-para-negros, apesar de a periferia daqui se dar de um jeito diferente da de Salvador”, disse Miranda, que começou a organizar as festas no centro da capital paulistana. “Por isso, chamei a Renata Prado, que é uma mina preta e periférica daqui pra me ajudar na produção e a entender essa demanda do jovem preto/a LGBT paulistano.”

Hoje em dia, além de Salvador e São Paulo, a festa acontece no Rio de Janeiro e em Brasília. “Apesar das peculiaridades regionais — por exemplo, em Salvador, a gente toca mais baianidades e kuduro. Aqui em São Paulo, rola mais dancehall e, no Rio de Janeiro, mais funk — É engraçado perceber que o conceito de exaltação da juventude negra underground se mantém em todas as cidades,”, disse Wesley. “A ideia da festa foi se moldando ao mesmo tempo que eu e outros jovens negros fomos nos aproximando e vendo a necessidade de afirmar a nossa negritude, até chegar na Batekoo que a gente faz hoje: um lugar que, além de toda a questão estética preta, tenta ser livre de racismo, misoginia e LGBTfobia”, falou Maurício.

A Batekoo se tornou tão popular no último ano que eles estrearam seu trio elétrico no último carnaval de São Paulo — recebendo em torno de 40 mil pessoas nos entornos do Largo do Paysandu — e parte da galera da produção das edições paulistanas da festa foi convidada para fazer a coreografia do clipe de “Farofei”, último single da Karol Conka, um dos ícones para os idealizadores da Batekoo.

“A Karol Conka tem tudo a ver com a gente, em quesito de linguagem e imagem. Tanto que ela já fez show numa Batekoo em Salvador”, disse Wesley Miranda. “A questão da música ‘tombadora’, que ela bombou lá em 2014 com ‘Tombei‘, e dos ritmos que ela trabalha no som dela também se encaixam em todo poder que a gente tenta reivindicar por meio dessa festa”. Outro rapper que também serve de inspiração para o evento é o Rico Dalasam, tanto pelo fato de ele ser negro e gay quanto pelas suas roupas e preferências de estilo nos clipes. “A MC Carol também é outra que a gente adora demais e tocamos muito nas festas. Além de ela ser gorda, preta e periférica, ela chega com um discurso super feminista e muito positivo para as mulheres, que são a maior parte (quase 70%) do nosso público.”

Maurício, Monique, Juliana Araújo e Artur Santoro. Foto: Vinicius.jpeg

Maurício acredita que a razão pela qual o público da Batekoo é majoritariamente feminino está no fato de que lá as mulheres negras se sentem seguras e livres para rebolar até o chão sem sofrerem de julgamentos ou assédio de homens héteros. “Acredito que essa dança seja muito libertadora pra elas, assim como é pra homens gays também. Na Batekoo, as minas podem dançar sem ninguém chamá-las de ‘vadias’. E os gays também batem o cu no chão sem medo de serem xingados de ‘afeminados’ —como se ser afeminado fosse algo ruim —, ou coisa do gênero.” 

Além da dança, outro meio de empoderamento, tanto pras mulheres quanto pros homens na Batekoo, é a exaltação do cabelo afro, tanto que rola até uma “batalha de tranças” entre os frequentadores. “É um lugar pra gente exaltar a nossa imagem mesmo. Pra que a gente se sinta bonito e ‘normal’”, disse Wesley.

Apesar de saber que a festa é um momento passageiro, Wesley acredita que espaços alternativos como a Batekoo são fundamentais para jovens negros. “A gente sabe que, quando a festa acabar, tudo vai voltar ao normal. O racismo vai voltar, porque a sociedade continua a mesma. Mas acho que é necessária que haja esses espaços de exaltação da nossa autoestima, até porque é difícil fazer militância política com a autoestima baixa. E é interessante ver como a gente conseguiu transformar algo que começou como uma festa de despedida em um movimento estético/social”.

A festa da Batekoo na Casa Air Max é parte da ação que comemora o Air Max Day 2017, promovido pela Nike. Semanalmente, feras da música contemporânea brasileira se reúnem para projetos especiais que celebram o legado do Air Max, icônico sneaker da marca lançado em 1987. O tema dessa semana é “Colaboração” e celebra o Air Max 1 Atmos. Ele foi o grande vencedor do Vote Back do Air Max Day 2016, votação global que escolheu qual edição especial voltaria às prateleiras nesse ano. O Atmos foi lançado pela primeira vez em 2006 via uma co-criação coma equipe japonesa da loja Atmos.

Neste sábado (18), na Casa Air Max em São Paulo, vai rolar uma Batekoo com pocket show do Rico Dalasam. 

No próximo domingo (26), quem se apresenta é a Karol Conka que, junto com a Batekoo, criou uma coreografia especial pra uma música da rapper sobre empoderamento feminino.