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Biohackers Estão Implantando LEDs Debaixo de Suas Peles

Esse artigo contêm imagens fortes. Ok? Ok.

Estamos em um auditório sóbrio, longe da bagunça da Feira Ciborgue de Dusseldorf, na Alemanha. O equipamento de Jowan Österlund está espalhado sobre a mesa. Um ar de nervosismo banha o ambiente.

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“Tudo têm que estar higienizado e esterilizado”, diz Österlund, que, durante o dia, comanda um estúdio de tatuagem na Suécia. Ele coloca suas luvas e uma máscara cirúrgica. Com calma, esteriliza a pele de Shawn Sarver e raspa os pêlos que cobrem a área que receberá o implante. Ele marca o local da incisão e guia Sarver até uma outra mesa, onde abre um pano esterilizado.

Enquanto Sarver aguarda o início do procedimento, Österlund circula entre as mesas e prepara seus bisturis. Ele alinha seu equipamento no pano ao lado da mão de seu paciente e, em seguida, senta ao seu lado. Chegou a hora.

Estou assistindo à estreia do mais novo implante criado pela Grindhouse Wetware, um coletivo biohacker americano de Pittsburgh.

O Northstar V1, um pequeno implante luminoso, tem o tamanho de uma moeda de um real. Isso o torna bem menor do que seu predecessor, o Circadia 1.0, que Tim Cannon, co-fundador da Grindhouse Wetware, implantou em si mesmo há dois anos atrás.

“O que nos move é nossa paixão pela ciência cidadã.”

Österlund faz uma incisão com um pequeno bisturi e levanta a pele de Sarver para abrir espaço para o implante, que tem a grossura de um dedão. Sarver estremece, e o sangue escorre enquanto Österlund insere o chip em seu braço. A seguir, Österlund sutura a ferida e faz um curativo sobre o corte. O processo dura 15 minutos.

Cannon falou conosco sobre o Northstar há alguns meses. Na época, ele enfatizou que o implante era tão bem projetado e seguro que ele estava prestes a ser implantado em vários voluntários.

“Nosso primeiro protótipo, o Circadia, era tão bizarro que eu não tive coragem de testá-lo em outra pessoa além de mim”, disse. “Produzimos uma pequena série de implantes Northstar para que outros membros da equipe e pessoas de fora pudessem usar os chips.”

Jowan Österlund, dono do Federal City, um estúdio de tatuagem em Linköping, na Suécia, na preparação para implantar seus chips no dia 7 de novembro, em Dusseldorf. Crédito: Motherboard

Enquanto a operação de Dusseldorf acontecia, três outros implantes eram feitos em Pittsburgh.

“Os pontos são muito incômodos, ficam prendendo na minha roupa”, diz Sarver após o procedimento. Sarver quer me mostrar o que o chip faz. Ele coloca um imã sobre o implante e ele se acende. O imã ativa os cinco LEDs do chip, e o antebraço de Sarver se ilumina. Dez segundos depois, as luzes se apagam.

“Nós achamos que ele irá se acender 10.000 vezes antes que a bateria acabe de vez”, diz Sarver. “Por isso colocamos tudo no modo econômico. Depois de dez segundos, o implante entra em modo de repouso.”

O objetivo do implante é emular a bioluminescência, tipo de luz emitido por vaga-lumes e algumas espécies de águas-vivas. A luz dos LEDs funciona mesmo debaixo da pele, capacidade que havia sido previamente testada em amostras de pele de porco.

Mas por que alguém iria querer um implante que se acende?

Österlund e Sarver (à esquerda) logo após o procedimento. Crédito: Motherboard

“O implante foi inspirado nos pedidos de vários membros da comunidade biohacker. Muitos deles queriam iluminar suas tatuagens. É assim que criamos nossos implantes: nossa inspiração vem da comunidade”, explica Sarver. Ele faz parte da equipe de desenvolvimento da Grindhouse Wetware; antes disso, ele era membro da Força Aérea dos Estados Unidos. “Para a primeira versão desse implante, nosso objetivo era a simplicidade. Ele é menor e, portanto, muito simples. Planejo usá-lo por um ano.”

Agora é a vez de Cannon. Ele mantém seus olhos fechados durante boa parte do procedimento, sem olhar nenhuma vez para seu braço. Na primeira tentativa, o implante não entra. Österlund é obrigado a aumentar a incisão para que o implante seja inserido sob a pele. Alguns pontos depois, Cannon está pronto para se iluminar.

Completos os procedimentos, Österlund relaxa e a tensão que antes pairava sobre o ambiente se dissipa. Ele está contente por tudo ter dado certo.

“Isso que nós estamos fazendo ainda é muito novo. Tudo tem que estar completamente esterilizado durante o procedimento. Um errinho mínimo pode destruir todo o movimento biohacker”, diz.

Cannon ainda tem uma cicatriz no braço esquerdo, resultado de seu último implante.

O implante. Imagem retirada da página do Facebook da Grindhouse Wetware

Crédito: Motherboard.

“Todos estão empolgados com o tamanho do Northstar V1; o último implante que criamos era do tamanho de um maço de cigarro. Mas ele ainda é grande demais, queremos criar implantes bem menores”, diz Cannon. “Queremos transformar a ficção científica em realidade. Para que isso aconteça, porém, são necessários vários estudos, alguns deles de até uma década. A equipe da Grindhouse Wetware não é composta por acadêmicos. O que nos move é nossa paixão pela ciência cidadã.”

Embora dispositivos portáteis como braceletes esportivos e relógios Apple estejam cada vez mais presentes em nosso cotidiano, esses biohackers, inspirados pelo espírito “faça você mesmo”, criam dispositivos bem diferentes em seu pequeno estúdio. O objetivo final da equipe é realizar o sonho de unir homem e máquina.

Os biohackers não esperam nenhum apoio das comunidades médica ou científica. (Considerando que as cirurgias aqui narradas não aderem ao Juramento de Hipócrates ou a qualquer tratado ético da medicina moderna, é difícil conseguir o apoio de pesquisadores profissionais.)

Sarver mostra seu implante poucos minutos após a cirurgia. A incisão recebeu vários pontos e um curativo feito por Österlund. Crédito: Motherboard

Os procedimentos são executados por body piercers experientes e biohackers como Österlund. De início, os implantes iriam ser feitos na BMX.net, a maior convenção de modificação corporal da Europa. Mas o revestimento dos chips, feito de uma mistura estável de materiais, ainda não havia voltado dos testes.

Segundo os biohackers, o revestimento do implante é uma das partes mais importantes do dispositivo; qualquer contato entre chip e corpo deve ser evitado a todo custo.

A Grindhouse Wetware recebeu um grande investimento no ano passado e, daqui para frente, a empresa investirá na modificação corporal. Há uma crescente demanda por chips ciborgues no meio biohacker, o que pode, dizem, alavancar a produção desses implantes.

“Se tudo der certo, em pouco tempo teremos várias cobaias na comunidade de modificação corporal”, disse Cannon ao Motherboard no verão passado, em Berlim, na Alemanha.

O implante deve chegar ao mercado em 2016. Dezenas (ou até uma centena) de chips Northstar serão vendidos em estúdios de tatuagens de todo o mundo.

GIF: Motherboard

“Algumas pessoas mandam mensagens dizendo que querem um chip toda vez que posto algo sobre o estúdio no Facebook”, diz Cannon.

Segundo Cannon, uma futura versão do Northstar, desenvolvida a partir dos chips implantados hoje, transmitirá dados biométricos. Isso significa que o chip irá medir a pressão sanguínea e os níveis de glicose do sangue, por exemplo.

Adepto do transhumanismo, Cannon se recusa a deixar seu destino nas mãos de sua própria cognição. “Não confio no meu cérebro”, diz. “Mas confio nos dados produzidos pelo meu corpo. Hoje nossas criações podem parecer produtos de nicho, mas, quando tivermos desenvolvido um implante de coração acessível capaz de ativar um alarme automático antes de um ataque cardíaco, todos vão querer nossos produtos.”

A Grindhouse Wetware já concluiu o processo de desenvolvimento da segunda versão do chip Northstar. Cannon quer transformar sua mão em um controle remoto com a ajuda de implantes. Assim como um controle do Wii, o Northstar usará os movimentos de seus usuários para controlar um smartphone via Bluetooth — um equipamento semelhante ao sistema Siri, da Apple, mas com comandos que poderão ser personalizados.

Sarver, Österlund, e Cannon. Crédito: Motherboard

“Quando você move sua mão, o implante reconhece esse movimento e envia a informação para seu smartphone. Cada movimento, como abrir a porta de um carro, cria um comando automático. Dessa forma, seu smartphone pode se comunicar com seu carro e abrir a porta automaticamente”, explica Cannon, que afirma que o Northstar 2.0 está sendo desenvolvido para a Internet das Coisas.

Cannon e seus colegas não estão preocupados apenas com gadgets que melhorarão a vida cotidiana. Para eles, mesmo o biohack mais amador — aquele com um imã inserido sob a pele de um dedo — é uma fonte valiosa de conhecimento ciborgue.

“Por que não deveríamos expandir nossos sentidos?”, diz Cannon. “O imã implantado no meu dedo capta ondas magnéticas. Hoje sei que a eletricidade da Europa cria ondas diferentes da eletricidade dos Estados Unidos, algo que eu não saberia se não tivesse esse implante.”

Esse artigo foi publicado originalmente na Motherboard Alemanha.

Tradução: Ananda Pieratti