Boots Riley Fala sobre Oakland, o Poder da Classe Trabalhadora e seu Novo Roteiro

Boots Riley por Amelia Kennedy.

Conheci Boots Riley, vocalista do Coup e do Street Sweeper Social Club, num pequeno café de West Oakland. Nos círculos do hip-hop, Riley é um cara foda – ele fez um clipe com o Tupac, seu disco Party Music foi o “Disco de Hip-Hop do Ano” da Rolling Stone e Pick a Bigger Weapon é uma obra-prima –, mas ele também é o tipo de pessoa que ainda cola nos rolês de Oakland. Primeiro, fiquei na dúvida se era o Riley mesmo. Ele deixou a barba crescer junto com suas típicas costeletas, mas o afro gigante e a jaqueta de couro entregaram o homem.

No começo do ano passado, Riley cruzou com Dave Eggers em São Francisco e depois mandou para ele o roteiro de filme em que estava trabalhando. Eggers disse que aquele era um dos melhores roteiros inéditos que ele já tinha visto, e o script Sorry to Bother You foi lançado em novembro passado como parte da McSweeney’s 48.

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O filme de Riley é uma comédia de humor negro sobre Oakland, sindicalização e o mundo do telemarketing. O protagonista, Cassius Green, se vê como uma estrela em ascensão de uma empresa de telemarketing. Ao mesmo tempo, seus amigos e namorada estão organizando uma paralisação para protestar contra os salários. Quando descobrimos mais sobre a Worry Free, o cliente mais importante da empresa de Green, o filme dá uma guinada surreal.

Sorry to Bother You é engraçado, político e bizarro, exatamente o que você espera de uma produção do Boots Riley. Depois de ler o texto, me encontrei com Riley na San Francisco Film Society, que fica num prédio semipronto no coração de Chinatown. Conversamos sobre a época em que ele trabalhava com telemarketing, Oakland e se o filme dele vai ou não começar a revolução.

VICE: O que te fez querer escrever o roteiro de Sorry to Bother You? Você sempre sonhou em escrever um filme?
Boots Riley: Como venho da música independente – começamos a vender nosso som em um porta-malas de carro –, isso não era um sonho: era uma escolha. Quero fazer isso ou quero fazer aquilo? Sempre vi essas coisas não como um objetivo inalcançável. É só uma questão de como você quer gastar seu tempo.

Enquanto eu estava no Street Sweeper Social Club, Marc Geiger, da William Morris Agency, era nosso agente. Ele disse: “Ei, talvez a gente tenha alguns papéis pra você”. Eu estava em Los Angeles e me encontrei com ele, mas todos os papéis eram de policial ou traficante. Por que gastar horas e horas da sua vida realizando a visão do mundo fodida de outra pessoa? Prefiro gastar horas e horas da minha vida criando minha própria visão fodida do mundo.

O que você espera que a publicação do roteiro na McSweeney’s faça pela perspectiva do filme?
Hoje em dia, não há regras de como uma obra de arte deve ser lançada. Publicar na McSweeney’s é só um jeito. É o script impresso numa forma tangível que você pode pegar. Isso vai fazer as notícias circularem. Mas vamos fazer esse filme. Patton Oswalt, David Cross e Wyatt Cenac já entraram nessa. Tenho gente muito boa no time.

Você me contou antes que a inspiração para o filme veio de sua própria experiência como operador de telemarketing. No decorrer da história, o protagonista, Cassius Green, fica trocando entre sua voz natural e a voz branca que ele usa para vender produtos pelo telefone. Você sentia esse tipo de pressão para “agir como branco” quando trabalhava com telemarketing?
Tive vários trampos de telemarketing, e, se você conseguia soar como branco, você vendia mais. O que eu fazia na maior parte do tempo era angariar fundos por telefone; então, não era tão ruim assim. Mas, para conseguir levantar dinheiro para a LA Mission, nós ligávamos para Orange County e tínhamos de falar coisas como: “Olha, estamos muito preocupados com os sem-teto na sua vizinhança – ouvi histórias de invasões –, e o que estamos tentando fazer é tirá-los do seu bairro e trazê-los para o centro de LA”. Eu dizia: “Vamos resolver o problema dos sem-teto ensinando essas pessoas a como se comportar melhor em entrevistas”, como se o problema dos pobres fosse não saber falar numa entrevista ou que cor de gravata usar. Como se tudo pudesse ser resolvido com um editorial do YouTube!

Você tinha de ligar uma mentalidade diferente e usar toda sua energia criativa para mentir para as pessoas e pintar um quadro diferente. Você saía de lá esgotado, todo dia.

Existe realmente gente como Hal Jameson, o operador de telemarketing idealizado de sucesso do script? Havia essa ideia de que, se fizesse tudo certo, você podia ser esse cara?
Ah, sim. Você sempre ouvia histórias de algum cara que tinha um carro legal, que tinha pagado a hipoteca, mas nunca via isso. É assim em todo emprego. Se você varrer esse chão muito bem todo dia, você também pode ser gerente.

Em Sorry to Bother You, você cria essa Oakland distópica, onde as pessoas moram em trailers e todo mundo está desempregado. Isso é uma reação à gentrificação que vem acontecendo em Oakland e às pessoas que estão ficando para trás?
Na verdade, em West Oakland já tem muita gente morando nas ruas em trailers. Não é uma distopia, isso está realmente acontecendo.

Mas gentrificação é parte do capitalismo; então, o roteiro fala sobre o sistema em geral. Acho que você não consegue enfrentar a gentrificação só sendo contra isso. O que realmente poderia ficar no caminho da gentrificação é uma combinação de coisas, mas a primeira seriam trabalhos que pagassem um salário justo. Precisamos de um movimento sindical militante, que faça os trabalhos que existem em Oakland pagarem o suficiente para que as pessoas consigam alugar um lugar. E combinar isso com um controle verdadeiro dos aluguéis. Essas coisas são o contrário do “desenvolvimento” que falam por aí. Sempre ouvimos falar de “desenvolvimento econômico” ou de se “desenvolver a cidade”, mas eles não estão falando sobre as pessoas – estão falando sobre fronteiras geográficas de uma cidade. O desenvolvimento econômico nunca é para as pessoas que estão lá. Isso não traz empregos, isso traz pessoas que têm empregos. E se não é sobre as pessoas, então, você só está falando dos prédios que estão lá. Isso se torna um lugar melhor para outras pessoas viverem, melhor para os desenvolvedores imobiliários.

Fale sobre a Worry Free, a corporação que vende tipo um trabalho escravo na história. É claramente uma empresa maligna, mas tem uma coisa Vale do Silício também. Os dormitórios grátis para os trabalhadores da fábrica são vendidos como uma maneira de “derrubar” o velho sistema industrial.
Tenho certeza de que alguma versão disso vai aparecer no futuro. Tipo, você está economizando, porque todo mundo está morando no porão do CEO ou algo assim. Não é uma coisa tão distante assim do Google, mas no Google os funcionários são realmente pagos, pelo menos.

Também acho que era assim que a escravidão era descrita, certo? Estamos cuidando deles. Você tem comida, tem abrigo. Na Worry Free, eles moram e trabalham em lugares que são como celas de prisão, mas que têm um lustre chique. Qual a diferença?

Perto do fim, a empresa de telemarketing quebra as fileiras de piquete com uma escolta paramilitar. Nos últimos meses, a questão da militarização da polícia tem sido notícia nos EUA, e suas letras sempre focaram nesse Estado militarizado (“wehavehellapeople / theyhavehelicopters”, de “The Guillotine”, por exemplo). Por que a desmilitarização da polícia é importante? Você acha que os horrores em Ferguson, Eric Garner e tudo mais vão finalmente começar um movimento em direção a uma polícia menos armada?
Acho que o diálogo que quero estimular não é apenas sobre a polícia ser militarizada – na verdade, não quero estimular um diálogo. Quero estimular um movimento. Se você não está fazendo nada, mas a polícia é desmilitarizada, o mundo vai ser um lugar melhor? Não. O que faz do mundo um lugar melhor é existir um movimento que tem uma chance de crescer e realmente mudar as condições materiais das nossas vidas. E é por isso que temos uma polícia militarizada em primeiro lugar.

Quando digo “wehavehellapeople / theyhavehelicopters”, estou tentando apontar que eles podem ter essa tecnologia, mas somos nós que operamos isso. Eles chamam nossa atenção para os detalhes da tecnologia, mas a verdade é que o mundo todo funciona com o poder da classe trabalhadora. Nós criamos o lucro e podemos reorganizar isso. Helicópteros não importam.

O diálogo tem de ser sobre o fato de que podemos, através da paralisação do nosso trabalho em momentos estratégicos, parar o sistema, causar negociações para mudar pequenas coisas e também se organizar por uma mudança maior. E esse é o diálogo que eu preferia ter: a ideia de que esses movimentos precisam ter dentes atrás deles, e esses dentes precisam vir da retenção do trabalho.

E agora, obrigado, Boots.

Joseph Bien-Kahn é repórter freelance, garçom de meio período num café e estagiário itinerante em São Francisco. Ele já publicou artigos na Rumpus e em The Beliver, além de escrever uma coluna de hip-hop para a BAMM.tv. Ele também é o editor-chefe da revista literária OTHERWHERES. Siga o cara no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor