Esta matéria foi originalmente publicada na VICE News .
A Amazônia brasileira, uma área florestal que conta com 10% de todas as espécies vegetais conhecidas no mundo, novamente está em perigo. Somente em 2016, quase 8 mil km² foram desmatados, e se o atual presidente Michel Temer conseguir o que quer, vários novos projetos de infraestrutura — que incluem a construção de represas, canais navegáveis artificiais e minas — só vão acelerar a degradação da região.
Videos by VICE
Desmatamento no Brasil nunca foi novidade; desde os anos 70, cerca de 770 mil km² de mata foram destruídos. Ainda assim, a taxa de desmatamento diminuiu na última década, refletindo a iniciativa “Salve a Floresta Tropical” apoiada por vários países, incluindo aqueles que compartilham a Amazônia com o Brasil, para atingir um nível zero de desmatamento até 2020.
Leia também: “Entenda por que Temer quer liberar geral na Amazônia”
Mas agora, com o relaxamento de regulamentações ambientais no Brasil e o desejo de combater a recessão parece ter acelerado novamente a destruição da porção brasileira da Amazônia — as taxas de desmatamento, por exemplo, subiram 29% com relação ao último ano. Umidade mais baixa causada pela perda da floresta já desencadeou secas recorde no Nordeste brasileiro. E cientistas e ambientalistas temem que as construções não terão apenas efeitos prejudiciais, mas que abrirão caminho para projetos ainda mais destrutivos na maior floresta do mundo, que cobre uma área maior que a metade dos EUA.
“Isso abre as comportas para todo tipo de projeto”, disse Philip Fearnside, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas e professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que vem estudando a floresta há mais de 40 anos. “Os políticos estão ansiosos para fazer a economia se recuperar, mas remover as restrições ambientais e aprovar todo tipo de projeto aumenta impactos ambientais e sociais que não estão sendo considerados.”
A administração Temer já começou a aprovar represas, canais e minas nos rios Tapajós e Xingu, colocando em perigo cerca de um quinto do território da Amazônia brasileira, considerada por cientistas crucial para regular o clima do planeta. O governo do Pará, onde os projetos devem ser realizados, diz que os investimentos vão ajudar a aliviar as dificuldades financeiras das pessoas do estado e no país como um todo — mas os povos ribeirinhos da região, além de tribos indígenas que dependem dos rios e seus ecossistemas para sobreviver, podem acabar devastados pelos resultados e obrigados a abandonar seus lares.
Por trás desses projetos, está uma bancada do agronegócio no Congresso chamada coletivamente de ruralistas, que controlam a segunda maior indústria de soja do mundo nos estados do Mato Grosso e sul do Pará. Há anos os ruralistas fazem lobbie no governo para facilitar seu acesso à Amazônia para transporte de produtos, o que exigiria o desenvolvimento de vias navegáveis com represas e eclusas, para tornar o Tapajós e afluentes mais navegáveis no sudeste do Pará.
O governo planeja construir mais de 40 hidrelétricas na área até 2022. Cientistas calculam que os canais industriais vão inundar dezenas de milhares de hectares de terra ao longo do Tapajós, incluindo comunidades indígenas ribeirinhas que habitam essas áreas há várias gerações.
Em janeiro, o governo brasileiro delegou a tarefa de demarcação de reservas indígenas ao Ministério da Justiça, um movimento visto como benéfico para o agronegócio e prejudicial para os índios. A demarcação era, antes, supervisionada pela FUNAI — que sofreu, nesta semana, um corte de 347 postos de trabalho em áreas tidas como estratégicas e que analisavam, justamente, grandes empreendimentos que afetam áreas indígenas.
Em 10 de março, o novo ministro da Justiça Osmar Serraglio deixou clara sua posição sobre os direitos indígenas, dizendo que “terra não enche barriga” e que quer “boas condições de vida” para os índios. Serraglio tem laços diretos com ruralistas.
“Você não pode negar terras aos povos indígenas ancestralmente ligados a elas, e esperar que eles continuem existindo como cultura”, disse Christian Poirier, diretor de programas da Amazon Watch. “Não é apenas uma questão de demarcação; estamos falando de abrir territórios indígenas para atividade industrial irrestrita. É um grande favor que o governo está fazendo aos ruralistas.”
E o desenvolvimento já está em andamento. A hidrelétrica de Belo Monte no Xingu envolveu um acordo suspeito que já está sendo chamado de “um desastre”. Lá perto, o governo do Pará aprovou licenças de construção em fevereiro para a maior mina de ouro no Brasil desde a construção da Serra Pelada, onde pelo menos 100 mil pessoas trabalhavam em condições brutais nos anos 80. O principal engenheiro que assinou o relatório de impacto ambiental do projeto, mais tarde foi processado pelo pior derramamento tóxico do Brasil, que deixou 19 mortos nas proximidades da mina da Samarco em Minas Gerais.
(E a mina não será a única na região; a maior instalação exploradora de minério de ferro do mundo abriu suas portas recentemente em Canaã dos Carajás.)
No município de Altamira, perto de onde a represa e a mina devem ser construídas, as taxas de homicídio quase triplicaram desde que a construção do empreendimento começou. Em outubro passado, depois de várias ameaças de morte por sua oposição ao desmatamento, o secretário do Meio Ambiente do município foi morto com 14 tiros na frente de casa.
Promotores federais se opuseram à permissão da mina e disseram que a comunidade não foi consultada sobre o projeto. No dia 22 de fevereiro, um juiz estadual suspendeu a licença por 180 dias até que as apropriações de terras suspeitas fossem resolvidas. A Belo Sun, empresa canadense no controle do projeto, disse num comunicado à imprensa que tem forte apoio das comunidades.
“O Pará tem muitos depósitos minerais, e as reservas indígenas estão no caminho desses projetos”, disse Fearnside. “Eles provavelmente se tornarão as vítimas das reduções de demarcações pelo Congresso.”
José Pereira, um líder da cooperativa local de mineração do vilarejo de Ressaca, se preocupa com o que acontecerá com sua cidade Natal.
“Eles vão tomar tudo”, disse Pereira. “Eles nos dão duas opções: R$20 mil para sair e cuidar de nós mesmos, ou mudar para uma cidade pré-fabricada. Estamos resistindo, estamos lutando para manter nosso sustento. Se a mina for adiante e um derramamento acontecer aqui, pode ter certeza que tudo que conhecemos vai acabar.”
Com pouco apoio de legisladores, os locais contam com um punhado de ONGs e ambientalistas para lutar contra as iniciativas de projetos. Suas perspectivas não parecem boas.
“Estamos falando sobre um ecossistema”, disse Luis de Camões, promotor federal do Pará, “que é fundamental para a regular o clima e o sistema hídrico do país, das Américas e da humanidade”.
Tradução do inglês por Marina Schnoor.