Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma The Creators Project.
Entra num beco em Cabul, Afeganistão, e, na parede de um edifício podes muito bem deparar-te com a pintura detalhada de uma rapariga de burqa azul. O trabalho é da autoria de Shamsia Hassani, mestre do graffiti de Cabul e colaboradora do Departamento de Belas-Artes da Universidade local. Com recurso a “operações relâmpago” e novas e inventivas técnicas, Hassani leva o mundo da arte às ruas da sua cidade. Face às condições sociais e de vida brutais que as mulheres enfrentam na sociedade afegã, as pinturas a spray de Shamsia Hassani são autênticas mensagens de esperança espalhadas pelas paredes de Cabul.
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Numa investigação levada a cabo em 2011 pela Fundação Thomson Reuters, o Afeganistão aparece como o pior país do mundo para se ser mulher. As normas sociais e a rigidez religiosa, criaram um ambiente onde as mulheres não podem falar e são alvo de represálias quando assumem cargos públicos (como agentes da polícia, ou apresentadoras de televisão, por exemplo). Noutro estudo, a Global Rights mostra que a violência doméstica está tão presente que “praticamente todas as mulheres afegãs vão experimentá-la a dada altura da vida.
A violência doméstica é prática comum em quase todas as casas e molda todos os aspectos da vida de mulheres e crianças: a sua saúde, as suas vivências, o seu acesso a recursos culturais e sociais, as suas oportunidades educacionais”. À luz destes obstáculos aparentemente impossíveis de transpor, Shamsia arrisca muito para espalhar o seu trabalho por Cabul.
A sua carreira artística começou com trabalhos em arte contemporânea, mas, como explica, “aos poucos foi-me apetecendo fazer trabalhos de maior dimensão”. Em Dezembro de 2010, o Combat Communicationsorganizou um workshop de graffiti em Cabul. O grupo anónimo que se dedica a promover a liberdade de expressão no seio da juventude afegã, levou à cidade o graffiter britânico CHU, para dar corpo à iniciativa. Hassani lembra que foi pouco depois desse encontro ue soube que queria levar o seu trabalho para a rua.
Apesar de novos centros artísticos, como o Center for Contemporary Art Afghanistan, estarem a aparecer em Cabul, Hassani garante que é ainda muito complicado que as pessoas saiam de casa e possam ir ver arte. “Eu posso partilhar o meu trabalho com as pessoas”, salienta. E acrescenta: “Posso fazer com que as pessoas tenham um primeiro contacto com arte, porque a maioria não pode ir a um museu, ou a galerias”.
De tempos a tempos, a graffiter depara-se com problemas enquanto pinta. “Há quem entenda que o Islão não permite a arte”, diz. “Então, acham que devem travar-me e insultar-me”. Hassani mantém-se sempre vigilante enquanto faz o seu trabalho e se tiver que deixá-lo incompleto, assim o fará.
A figura mais proeminente nos seus trabalhos é uma mulher que pinta em diferentes cenários. Às vezes está a ensinar, outras a tocar guitarra, outras, simplesmente a existir no mundo. Hassani explica a importância desta figura feminina: “As pessoas podem dizer que ela é uma mulher, porque eu sou mulher. Por isso, se ela pode fazer uma coisa, eu também a posso fazer”. Por entre latas de tinta, a artista afegã utiliza o seu trabalho como veículo para instigar a mudança em Cabul. “A arte é uma espécie de caminho amigável para lidar com qualquer tipo de problema”.