Em dez anos de guerra às drogas no México, a violência continua a mesma em Acapulco

Esta matéria foi originalmente publicada na edição impressa de novembro da VICE US.

Marino* dirige um táxi azul e branco pelas ruas de Acapulco, no México, o que significa que ele já está acostumado com o horror. Ele pagava taxas de proteção semanais para os cartéis de drogas locais e viu colegas de trabalho serem mortos quando não as pagavam. Enquanto eu estava em seu táxi, ele listou lojas da área cujos donos foram assassinados. Ele estima que 20 amigos morreram violentamente nos últimos dez anos. “Todo dia alguém morre em Acapulco. Não tem um dia em que pelo menos uma ou duas pessoas não são assassinadas”, me disse Marino solenemente. “Vivemos com extorsões, sequestros, assassinatos e desaparecimentos.”

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Mas até ele estremece quando algum cliente pede para ir até a Avenida Solidaridad no bairro Progreso. Bandidos sequestraram seu filho de 17 anos e um amigo lá, em março de 2011. Eles não pediram resgate e o corpo do garoto nunca foi encontrado. Marino tem a tênue esperança de que o filho esteja vivo, sendo obrigado a lutar por um dos cartéis na guerra às drogas do México.

Em dez anos de guerra às drogas no México 150 mil pessoas foram mortas e cerca de 28 mil estão desaparecidas.

“Vivemos com medo o tempo todo. É como viver no Oriente Médio”, comparou Marino. “É uma guerra real lá, enquanto aqui temos uma guerra com os narcos. O governo contra os narcos.”

Neste dezembro faz dez anos desde que o governo mexicano declarou guerra aos cartéis de drogas do país. Desde então, mais de 150 mil pessoas foram mortas e cerca de 28 mil estão desaparecidas. Em comparação, aproximadamente 125 mil civis morreram no Iraque entre janeiro de 2003 e dezembro de 2012, segundo o projeto Body Count.

Mesmo tentando há dez anos, o governo mexicano fez pouco progresso em deter a violência de gangues em Acapulco. Os cartéis deixam narcomantas — mensagens para inspirar medo — pelas ruas da cidade.

A contagem de mortos mostra o fracasso das estratégias do governo: derrubar os chefões dos cartéis enquanto mobiliza forças de segurança federais para cidades e regiões onde a violência saiu de controle. Na última década, as autoridades comemoraram prisões e mortes de muitos chefes de cartéis com ligações diretas com grupos presentes em Acapulco, e a cidade, que é a principal fonte de renda para todo o estado de Guerrero, tem uma presença policial massiva. Mesmo assim, em 2016 Acapulco liderou a taxa de homicídios do país. A cidade de veraneio nem sempre foi tão perigosa, e num esforço para mudar a maré, muitos locais continuam dizendo que a situação não é tão ruim assim.

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Algumas décadas atrás, Acapulco era o destino dos astros da era de ouro de Hollywood. John Wayne e Frank Sinatra curtiam a praia; na lua de mel, John e Jackie Kennedy pegaram um peixe grande aqui que depois mandariam empalhar na Casa Branca; Sylvester Stallone filmou partes de Rambo II na costa da cidade. No final dos anos 80, as estrelas foram substituídas por spring breakers dos EUA, que dançavam a popular canção do Four Tops “Loco in Acapulco” até o final do século. Nessa época, Acapulco se tornou um prêmio importante para os cartéis em guerra, que queriam seu porto para fazer contrabando e ter acesso ao lucrativo mercado de drogas interno da cidade, além dos grandes campos de papoula localizados nas serras próximas.

Os acapulqueños geralmente se referem ao tiroteio entre a polícia e supostos membros de um cartel em 27 de janeiro de 2006, num dos principais cruzamentos no bairro La Garita, como o momento onde tudo começou a dar errado na cidade. “Foi quando toda essa tristeza e maldade começaram em Acapulco”, disse Juan Manuel Guillén, que viu suas duas joalherias fecharem enquanto o turismo e a economia de Acapulco declinavam nos últimos dez anos. “É muito triste isso que aconteceu em Acapulco. E não só aqui, no México inteiro.”

Três meses depois do tiroteio, as cabeças de dois policiais foram penduradas em postes na frente do prédio do governo no mesmo cruzamento. Um dos policiais decapitados tinha participado da troca de tiros. Uma mensagem, escrita numa cartolina laranja atrás deles, dizia: para aprenderem a ter respeito.

Logo depois, uma cabeça apareceu na principal praia da cidade no meio do dia, outra foi colocada na frente da prefeitura, e dias antes da eleição presidencial em julho de 2006, outras duas foram deixadas em La Garita com uma mensagem similar — mais uma vez, putos, para aprenderem a ter respeito. Decapitações se tornaram comuns nos principais pontos da guerra ao tráfico no México, mas naquela época, seis cabeças em três meses chocaram a nação e renderam manchetes internacionais logo antes das eleições no país.

Celebridades costumavam passar temporadas em Acapulco, mas hoje o turismo da cidade luta para sobreviver em meio à violência extrema.

Quando Felipe Calderón foi declarado presidente em 5 de setembro de 2006, depois que sua vitória por uma pequena margem instigou um processo pós-eleitoral de um mês, ele iniciou seu mandato com uma ofensiva militar, mobilizando sete mil soldados para seu estado natal, Michoácan — onde cinco cabeças rolaram numa pista de dança naquele mesmo mês. A segunda grande operação aconteceu em Guerrero, para onde Calderón mandou 7.600 soldados.

Operações como essas vêm e vão no país sem deixar um impacto de longo prazo na violência. (O presidente atual do México, Enrique Peña Nieto, basicamente continuou a política iniciada por Calderón.) Mas a estratégia Kingpin do governo, de enfraquecer os cartéis derrubando seus líderes, teve um efeito durdouro: gerou uma cascata de novos conflitos por toda a região.

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A espiral da violência em Acapulco está associada com uma ofensiva contra o cartel Beltrán Leyva. O cartel, formado por Arturo Beltrán Leyva e seus três irmãos, Héctor, Carlos e Alfredo, há tempos mantinha Acapulco como um de seus bastiões. No começo dos anos 2000, a violência causada pela defesa de Beltrán Leyvas da cidade contra o cartel rival Los Zetas desencadeou uma série de medidas governamentais. Mas ainda assim a tensão ferveu novamente em 2008, quando uma antiga aliança que Beltrán Leyvas mantinha com um parente distante chamado Joaquín “El Chapo” Guzmán se desfez, e uma guerra total explodiu entre os ex-aliados. A violência de gangues em Acapulco se agravou de novo quando o líder do cartel Beltrán Leyva, Arturo, morreu num tiroteio estilo Scarface com as autoridades mexicanas em 2009.

“Arturo Beltrán se importava com Acapulco, e da maneira dele, cuidou da cidade”, relembrou Guillén, o dono de joalheria, com uma nostalgia relutante. “Mas com a morte desse señor, Acapulco não estava mais sob o poder deles e tudo saiu de controle.”

A morte de Arturo desencadeou uma série de separações na organização Beltrán Leyva, e Acapulco se tornou uma zona de guerra narco. Batalhas sangrentas atingiram um pico em 2011, quando partes do cartel Beltrán Leyva se despedaçaram em várias facções. Essa pletora de novas gangues, como o Cartel Independente de Acapulco, a Barredora (varredora mecânica de ruas) e o Comando do Diabo, lutavam umas contra as outras enquanto organizações rivais tentavam se infiltrar.

“O resultado da estratégia kingpin [do governo] é fragmentação”, disse o especialista em segurança Alejandro Hope, referindo-se à multiplicação dos cartéis depois da prisão ou morte dos principais capos. “O que criou muito caos.”

O Dr. Kaynes García trabalhava no necrotério de Acapulco no auge da violência em 2011. Ele lembra a vez em que 14 torsos foram encontrados num lado da cidade, e um número similar de cabeças do outro. “Foi uma coisa muito, muito feia”, ele disse, apesar do orgulho de ter descoberto que cabeças pertenciam a quais corpos transparecer num sorriso de canto de boca, enquanto ele explicava as dificuldades do processo. “Muitas famílias vieram identificar os corpos. Foi um grande desafio, mas conseguimos completar o processo com sucesso.”

Quando confinados a bairros da periferia, os massacres geralmente são ignorados pelas autoridades, mas vários eventos violentos no coração das áreas turísticas desencadearam uma grande iniciativa de segurança chamada Operação Guerrero Seguro em 2011. Dos milhares de soldados mandados para o estado, mais de três mil ficaram em Acapulco. Como a maioria das operações do gênero, a iniciativa cortou a violência em Acapulco, mas a batalha pela cidade e os homicídios voltaram mais uma vez logo depois.

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O presidente Peña Nieto fez pouco para mudar a estratégia de Calderón quando tomou posse em dezembro de 2012, mas prometeu uma coordenação melhor entre as agências da lei. Isso, ele afirma, foi a principal razão para a queda nos assassinatos entre 2012 e 2014. Recentemente ele também comemorou os sucessos de seu governo em capturar chefões, particularmente a prisão em janeiro de 2016 de El Chapo, que estava solto há seis meses depois de sua fuga embaraçosa de uma penitenciária de segurança máxima no verão anterior. Peña Nieto deu uma entrevista coletiva depois da prisão e El Chapo, ladeado por membros do seu gabinete no palácio nacional mexicano.

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“Com essa operação, 98 de 122 criminosos não representam mais uma ameaça para a sociedade mexicana”, disse o presidente. “Hoje, o México confirma que suas instituições têm as capacidades exigidas para encarar e superar aqueles que ameaçam a tranquilidade das famílias mexicanas.” Essa era, e continua sendo, uma realidade muito distante da vida em Acapulco, uma das cidades onde as pessoas vêm testemunhando uma renovação da taxa de assassinatos. A cidade resort respondeu por aproximadamente 5% de todos os homicídios no México entre janeiro e julho deste ano. Mas muitos cidadãos, particularmente na indústria do turismo, insistem que as coisas não estão tão mal.

“O passado é passado, e o presente é um presente”, disse Erick de Santiago, proprietário de um bar na praia e membro do grupo de negócios Fale Bem de Acapulco, espaço no qual nos encontramos em setembro. “Temos que trabalhar por um futuro melhor.” Ele garantiu várias vezes que a violência dificilmente afeta turistas na principal avenida, conhecida como La Costera, e insistiu em listar as atrações da cidade, dos mergulhadores dos penhascos ao clima descontraído.

“Estamos tentando promover notícias positivas sobre Acapulco”, ele disse. Mas horas depois que nos falamos, ouvi tiros a alguns quarteirões da estação de ônibus central. Os assassinos deixaram dois mortos no asfalto em frente a um pequeno restaurante. Depois que os médicos forenses removeram os corpos, a família dona do estabelecimento começou a limpar o sangue, empurrando com o jato da mangueira pedaços de cérebro para uma boca de lobo próxima.

“Não estávamos aqui quando aconteceu”, me disse um membro da família, sem querer dizer mais nada além de confirmar que as sandálias deixadas para trás eram de um dos mortos. “Estávamos no mercado.”

No começo daquela semana, o governo mexicano havia anunciado outra iniciativa de segurança visando os 50 municípios com as maiores taxas de homicídio. Acapulco viu outras centenas de oficiais federais e estaduais chegarem em 3 de setembro.

“Com as outras estratégias, como México Seguro, Guerrero Seguro, ficou evidente que elas não cortaram o problema pela raiz”, disse o representante da segurança estadual de Guerrero, Roberto Álvarez, se referindo à operação especial de 2011. “O problema continuou.” Mas Alvaréz afirmou que a nova operação seria diferente, porque iria “abordar a violência por meio do uso de inteligência, tecnologia e coordenação operacional entre instituições federais, estaduais e municipais”. O chefe de polícia de Acapulco, Max Sedano, também insistiu que dessa vez as várias agências da lei focariam na coordenação logo no começo.

“Antes estávamos próximos, agora estamos juntos”, disse Sedano, com confiança, sentado atrás de sua mesa na delegacia. “Espero que possamos trazer de volta a Acapulco de 30 anos atrás.” Ele explicou que a nova iniciativa não só protegeria as áreas de praia, mas também pontos estratégicos pela cidade e iria atrás dos criminosos em seus bastiões. Ele mostrou estatísticas recentes de que os assassinatos tinham caído nos primeiros seis dias da nova operação.

Alguns dias depois, se espalhou a notícia de que a polícia no norte do México tinha prendido Clara Elena Laborín Archuleta — esposa de Héctor Beltrán Leyva, o último irmão do cartel (Alfredo e Carlos foram presos em 2008 e 2009 respectivamente), capturado em 2014. As narcomantas — mensagens deixadas pelos cartéis — davam a entender que muita da violência deste ano em Acapulco estava ligada a tentativas de Archuleta de reorganizar o cartel Beltrán Leyva e retomar a cidade.

Pequenos negócios da cidade, como esse café, lutam para continuar funcionando em meio à violência.

Horas depois da prisão, duas mãos cortadas num prato de tacos — enroladas em tortillas, com folhas de coentro e cebolas roxas — foram deixadas numa rua de Acapulco. Na semana seguinte, as autoridades encontraram o diretor da polícia do estado de Guerrero, Tomás Hernández, esfaqueado e morto em sua casa no bairro de Progreso em Acapulco, o mesmo onde o filho do taxista Marino desapareceu.

“Eles precisam resolver a raiz do problema. Não com mais armas e violência”, disse Laura Caballero, dona de uma loja na La Costera. “Eles precisam dar educação e empregos para os jovens. Dar oportunidades para as pessoas.”

Caballero é membro de uma organização de comerciantes de Acapulco e disse que desde 2010, o número de membros caiu de 400 para 200 porque muitas lojas fecharam devido à falta de turistas.

Ao longo da La Costera, cartazes de aluga-se ou vende-se estão em quase todo quarteirão, e muitos acapulqueños estão desempregados. Sedano chamou isso de “círculo vicioso”.

“As pessoas param de vir, temos menos empregos, mais crime. Aí é bam, bam, bam, isso continua”, disse Sedano. “Precisamos melhorar a educação e aumentar os empregos. A maioria dos criminosos têm entre 15 a 20 anos.” Muitas das vítimas também.

Maria Elena trabalha num restaurante próximo de sua casa no bairro de Progreso. Seus olhos se enchem de lágrimas quando ela fala sobre o filho de 18 anos, que desapareceu em 2008. Ela descreveu o medo diário que tinha que superar para ir trabalhar. Uma nostalgia infundiu seu tom quando ela descreveu sua infância, numa época em que a cidade ainda estava cheia de estrelas de cinema.

“Tudo era lindo e maravilhoso, não tínhamos nada disso”, ela disse. “Agora tudo é feio.”

Na tarde seguinte, dois homens foram baleados a um quarteirão da casa de Elena. A polícia cercou a cena do crime enquanto tortillas ainda eram preparadas nas proximidades.

*Os sobrenomes não foram divulgados para manter as fontes anônimas.

FOTOS POR HANS-MAXIMO MUSIELIK.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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