Música

O que os clubbers paulistanos nos ensinaram sobre diversidade sexual

Este é um conteúdo publieditorial criado pela VICE em parceria com Absolut Vodka.

Em 1988 o Madame Satã ainda estava na ativa, mas uma expressiva fatia do público underground, atraída pela emergência da cultura dance em São Paulo, já havia eleito o Nation, na rua Augusta, como seu novo reduto. Mais festivas e menos soturnas do que o point rocker, as noites do clube ficaram famosas pelas discotecagens de nomes como os DJs Mauro Borges e Renato Lopes, que faziam sucesso com os então novidadeiros hits da Madonna e da Kylie Minogue. Embora não fosse inaugurado sob a definição de “clube gay”, o Nation acabou atraindo um público misturado em proporção equilibrada, o que se deve muito à trilha sonora. “Vogue”, a coreografia oficial do clipe da Madonna e da cena gay nova-iorquina, inspirada nas poses das modelos nas capas das revistas, por sua vez passaram a inspirar as dancinhas na pista do Nation.

Com os caminhos abertos, foi a partir da inauguração do Massivo, nos Jardins, em 91, que a presença e a cultura gay se fortaleceram no circuito. No Massivo, nasce a prática do “dowatchalike”, ou seja, faça o que tu queres. Tudo era da lei. Os frequentadores do Massivo trouxeram de volta, repaginados, os valores hedonistas dos anos 1970. Nas palavras da Erika Palomino, que registrou a história em seu livro Babado Forte, “Meninos ainda em dúvida quanto à própria sexualidade se permitem ficar com outros garotos — e na próxima noite de novo com garotas. Já as garotas podem beijar outras garotas sem precisar sair com rótulos ou sob os olhos da opinião de todo o clube. Aliás, ao contrário: o mais moderno é ser bissexual.”

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Na esteira dessa onda, o casal Bebete Indarte e Walter Hormann abrem o Latino, na rua da Consolação. O ponto dera lugar anteriormente ao Malícia, no começo da década, e ao Galpão Paparazzi, casas que chegaram a concentrar boa parte da informação da noite gay na cidade. O Latino aterrissou em dezembro de 94 beneficiando-se dessa deixa. O DJ Luiz Pareto, que ficou famoso por se apresentar trocando de perucas, fazia as festas de sexta e sábado, dedicadas ao techno e à house (E-Time). Segundo ele, a coisa de público mixed voltou a se repetir: “O Latino tinha predomínio de público gay, mas muitos héteros iam lá. Existiam as boates com música voltada para esse público, estilo bate-cabelo. Mas os clubes de música eletrônica, no começo da cena, costumavam ser mixed, e pelo menos dois terços dos frequentadores eram gays.”

Ferveção na pista do Hell’s. Foto: arquivo pessoal do DJ Mau Mau

No ano seguinte, a cultura gay já estava totalmente integrada à chegada do techno às pistas, em sobreposição à Disco, o dance-pop e o pós-punk/gótico. Era o clube Sra. Krawitz definindo os novos rumos. A figura de Johnny Luxo à porta da casa, recebendo convidados e pagantes, consolidava simbolicamente a forte relação entre a noite e a moda. “Os DJs residentes eram Renato Lopes, Mau Mau, e Selma Self Service, a primeira DJ drag da época. No Sra. Krawitz rolavam festas temáticas com bastante frequência. Uma delas — a mais marcante — foi a da piscina. Colocaram uma piscina inflável cheia de água na pista, a maioria das pessoas foi de maiô, no meio da noite. Tudo dava choque por causa do chão molhado, algumas pessoas escorregavam no chão do banheiro”, recorda-se Johnny.

Lá, o espírito de liberdade experimentado nos outros clubes amadureceu, conta o então promoter Nenê: “Uma mistura que vinha do Nation até, que era uma mistura de hétero, homo, bi, lésbica, enfim, um pouco de tudo.” Ainda que mais da metade do público fosse gay, o clube não aceitava o termo reducionista. “O Massivo e o Krawitz contribuíram para desmistificar e passar a unir todos os grupos.” André Fischer, diretor e curador do Festival Mix Brasil, “estava lá a full”, em suas próprias palavras, e confirma o princípio inclusivo das noites em geral. “O espírito mixed, que imperava, era natural, certamente. Eu mesmo não considero que tenha frequentado balada gay. Naquela época, a noite gay era no Centro.”

Daí apareceu o Hell’s Club, em 94. A festa criada pelos DJs Gil Barbara, Mau Mau e Pil Marques firmou-se como o primeiro after hours da cidade. Muita coisa nova nas praias da moda, da música e do comportamento urbano surgiu ali. Um dos maiores atrativos do projeto, para o Johnny Luxo, que foi frequentador do Hell’s, era, mais uma vez, a diversidade e a atmosfera libertária: “No Hell’s ia todo tipo de gente, era super tranquilo nesse sentido. Era a mesma diversidade que existia em outros clubes, como o Massivo, que era super friendly, misturava tudo e super rolava. Acho que todos os projetos friendly da época que deram certo foram justamente os que não ostentavam rótulo”, diz. “A noite começava as cinco da manhã”, continua Johnny, “algumas vezes eu chegava e ficava na porta esperando abrir, sempre estava vindo de outro lugar ou festa. Um dos destaques do Hell’s era a chapelaria comandada pela Normanda, super querida por todos. Virava uma espécie de ponto de encontro e lounge. Em algum momento da noite, todos passavam por ali para conversar.”

Katia Miranda, DJ Edu Gantous e Johnny Luxo, em 96. Foto: Arquivo pessoal do Johnny

Frequentado por uma turma bem liberal e sem preconceitos, composta em boa parte por estilistas, fotógrafos, jornalistas, publicitários e modelos, o Hell’s ajudou a manter a música eletrônica numa espécie de gueto gay até a chegada dos primeiros superclubes, como o B.A.S.E. e o Florestta, no final de 96. “Eu reclamava que a cena underground ficava só no mundinho gay, mas, depois que popularizou, fiquei feliz e triste ao mesmo tempo”, diz o Pil Marques, referindo-se às agressões às bichas mais montadas e ao clima de animosidade trazido pelo novo público heterossexual ortodoxo e careta.

Mas nem o “hétero-techno” foi capaz de diluir o espírito de pluralidade que, afinal, está na base da formação da cena eletrônica paulistana. “Em 2000, o mesmo idealizador do B.A.S.E., na Brigadeiro Luís Antônio, abre a Level, uma boate enorme que ficava na Barra funda”, descreve Johnny Luxo. “A música era mais pesada, tribal house. O público tirava a camiseta pra mostrar o corpo malhado e tinha show de drag. O dono já morreu, era o empresário da noite Sergio Kalil, que antes de tudo, em 97, teve a boate Mad Queen, outro spot gay, que ficava em Moema e parecia um castelo medieval.”

Exemplos de boa convivência ainda foram dados em festas que surgiram depois, em 98, como o after Paradise, que rolava no Lov.e, na Vila Olímpia, ou a matinê Grind, d’A Lôca, na rua Frei Caneca, que permanece na ativa, capitaneada pelo DJ e promoter André Pomba, e é super importante para o universo gay. Um ano antes, contemplando o circuito gay feminino, surgiu no bar The Cube a noite Cio, que também acontece até hoje. Foi a estreia da então barwoman do Krawitz Glaucia ++, agora renomada DJ, como promoter. Aqui, o projeto também começou evitando rótulos: nem só pros caras gays, nem só pras bolachas. Muitos DJs homens passaram até a tocar montados na Cio, só por estar lá. “O projeto Cio nunca foi completamente gay”, argumenta Glaucia. “Ele já esteve em lugares onde era mais gay, com uma tendência mais pra mulher, mas nunca entrou no circuito exclusivamente gay. E é engraçado isso, porque vai muito hétero hoje em dia, tipo metade do público”.

Cartaz da época em que a Glaucia ++ trampava no Krawitz. Arquivo pessoal

Na perspectiva da Glaucia, os pioneiros projetos de música eletrônica nunca se preocuparam em segmentar o seu público entre “gay” ou “hétero” porque isso vai contra os ideais de uma cultura que nasceu para expressar justamente a liberdade, o hedonismo e a diversidade. “O Hell’s Club tinha muito gay também”, relembra, “eram festas livres, e as pessoas estavam se descobrindo em tudo, em moda, em música, em comportamento”. Ela identifica uma extensão natural da busca por novos horizontes iniciada pela geração anterior. “Acho que tem uma herança dos anos 80, aquele descobrimento da androginia. Você via os homens pintados, de olho preto. Os góticos ficavam com mulheres e usavam maquiagem, as pessoas dos anos 80, os adolescentes, foram meio que livres, né, pra escolher um visual independente da sexualidade.”

E a DJ vai além: “A liberdade e o respeito experimentados nas festas da época acabaram influenciando a abertura da mente da sociedade, porque as pessoas que frequentavam começaram a ser vistas, começaram a fazer barulho.” A afirmação não soa exagero diante do show de diversidade que foi a segunda edição da Parada da Paz, em 98 (que começou como “Parada do Amor”), organizada por Beto Lago e Jair Mercancini, do Mercado Mundo Mix. A celebração da convivência harmoniosa era tão forte que ficou impressa no modo como o evento foi abordado pela mídia, um “Woodstock clubber”. Depois de fazer do gramado do Ibirapuera uma pista de dança, a danceata acabou e a maratona se transferiu para os clubes. Mau Mau, em seu segundo set no Hell’s, às dez da manhã, resumiu o espírito da época quando abriu a discotecagem com a fala de Paris Grey (Reese Poject): “We are a family united. Together, we are one”.

A Absolut Nights vai reconstruir o cenário dessas duas festas, tais quais eram nos anos 90/00, no Superloft, no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

Uma galera vai poder curtir, conhecer ou relembrar um pouco de toda essa história. Absolut vai reviver por uma noite o clima de dois clubs que deixaram saudade.

Nesta quinta, dia 9, acontece a #AbsolutNights feat. Hell’s, homenageando a balada Hell’s. Já no sábado, dia 11, #AbsolutNights feat. Manga Rosa.

As listas para participar das festas já estão encerradas.

Make Your Nights #AbsolutNights