Música

Quem são os produtores que estão erguendo uma cena de EDM na China

Este artigo foi originalmente publicado no THUMP Holanda Fotos por Vitaly Tyuk

Fazer sucesso como DJ e produtor de música eletrônica na China não é fácil, ainda mais considerando que comprar música estrangeira só se tornou legal no país há uma década e o governo comunista de lá ainda monitora de perto a cena musical. Por exemplo, antes de organizar um show, você é obrigado a mandar o setlist inteiro para ser aprovado pelo Ministério da Cultura chinês. O imigrante holandês Robin Leembruggen, de 23 anos, entende desse complicado processo — e construiu uma carreira em cima da sua habilidade em navegar pelas turbulentas águas da cena musical chinesa para promover alguns dos seus talentos emergentes.

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Tudo começou há dois anos, quando a empresa onde ele trabalha, uma produtora holandesa chamada Art of Dance, mandou-o a Pequim com a tarefa de levar DJs europeus para o florescente mercado chinês. Ele logo descobriu que a empreitada seria difícil. Como sites usados para compartilhamento e promoção de música como Soundcloud, Google, Facebook, Instagram e Twitter são bloqueados na China, mesmo DJs superfamosos, como o Martin Garrix, tinham dificuldade em chegar até o público no país mais populoso do mundo. Então, em vez disso, ele começou a trabalhar com os DJs e produtores locais.

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Isso logo levou Leembruggen a Xangai, onde ele conheceu um jovem aspirante a produtor chamado Wang Longwen. Sob o pseudônimo Dexter King, Longwen já havia construído um humilde (mas promissor) nome na cidade e era membro de um coletivo underground chamado Mad Panda, que Leembruggen mais tarde viria ajudar a produzir. Composto na sua maior parte de bedroom producers, o grupo promove sua música por meio de redes sociais aprovadas pelo governo chinês, como WeChat, Weibo e Xiami.

Desde então, as coisas aconteceram rápido para Leembruggen e muitos dos jovens DJs e produtores chineses com quem ele trabalha. No ano passado, ele levou Longwen em uma turnê pelas maiores cidades da China, e outro membro do seu coletivo, Chace, vai se apresentar no Tomorrowland deste ano, na Bélgica. Para saber mais sobre como essa crew de jovens artistas está se preparando para o seu iminente estouro, fomos visitá-los em seus bedroom studios para ouvir sobre suas trajetórias rumo ao estrelato.


Dexter King (27)

Fotos dos estúdios: Jarry

Dexter King: Eu e minha namorada moramos neste apartamento em Xangai há três anos, mas cresci no norte da China, onde alguns amigos tinham lojas ilegais de CDs. Os funcionários do governo são instruídos a destruir determinados CDs fazendo um buraco neles, mas eles cometiam erros o tempo todo. Seguidamente, só furavam a parte interna do disco, então você ainda conseguia tocá-lo. Consegui muitos discos desse jeito. Às vezes, você só precisa fazer outro buraco para fazê-los funcionar.

Quando era adolescente, gastei todo o meu dinheiro em uma loja ilegal de CDs. Acho que os primeiros discos que comprei lá foram dos Backstreet Boys e do Lionel Richie. Mas, depois que ouvi hip-hop pela primeira vez, fiquei viciado. Não tenho espaço para todos os meus CDs aqui em Xangai, mas na bolsa que trouxe comigo tenho coisas como Wu-Tang Clan, Eminem e Tupac. Comprar esse tipo de coisa costumava ser ilegal, mas não era tão arriscado. Ninguém no governo dava a mínima.

A primeira vez que usei uma CDJ foi em 2008, quando um amigo que tinha um bar me pediu para testá-la. Foi difícil pegar o jeito — eu estava acostumado a usar toca-discos, então imaginei que tinha uma agulha. Fiquei muito bom nisso e logo estava ganhando dinheiro como DJ. Lembro de ser muito feliz nessa época. Às vezes tenho a mesma sensação quando escuto artistas como Don Diablo e Avicii. Quando ouvi “Wake Me Up” pela primeira vez, cheguei a chorar.

Tento misturar todas as minhas influências na minha música, como o remix que fiz de “Baby I Got Your Money”, do Old Dirty Bastard com a Kelis. Tem o aspecto hip-hop do que eu tocava quando era mais novo, o estilo de EDM do Avicii, e se você escutar com muita atenção, pode até mesmo ouvir um instrumento chinês. Qual é o nome daquele troço mesmo? Uma lira chinesa! Não sei tocá-la, mas com o Ableton, tudo é possível.

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Tsunano (23)

Tsunano: Nasci em Taiwan, que era inimigo da China quando eu era pequeno, então todo mundo que eu conhecia odiava a parte continental. As pessoas também não me respeitavam muito quando era mais jovem porque eu era péssimo em matemática. Os taiwaneses consideram a matemática a disciplina mais importante da escola.

Não fiz o ensino médio simplesmente porque não tinha notas boas o suficiente. Lembro que [minha professora] teve que chamar meu pai para contar a ele que eu tinha bombado em matemática. Ele não falou absolutamente nada, e pensei: “De que eu valho se bombei em matemática?”

Nos mudamos para Xangai alguns anos atrás porque meus pais iam tocar o negócio da família daqui. Eles estão sempre trabalhando. Na verdade, estão numa viagem de negócios agora mesmo. Eles ainda esperam que eu vá assumir a empresa em algum momento.

Lembro da primeira briga que tivemos sobre música, quando meus pais não quiseram me dar um toca-discos, então simplesmente peguei dinheiro emprestado. Eles ficaram furiosos com isso e não me deixaram instalá-lo no meu quarto. Então comprava discos que sabia que nunca poderia tocar, na maioria das vezes simplesmente porque gostava da capa.

Fiquei viciado em reggae depois que nos mudamos aqui para a China, e toquei em festas de reggae por um tempo. Ainda uso essas influências nos meus lançamentos de música eletrônica. Minha música anda fazendo muito sucesso ultimamente, mas meus pais ainda precisam de mais provas. Estou sempre tentando convencer o meu pai de que é uma carreira legítima. Mal posso esperar pelo dia em que vou poder chegar e dizer a ele: “Cheguei lá”. É por isso que trabalho tão duro. Só fico aqui produzindo e nem me canso. Quatro dias seguidos? Tudo bem.

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Chace (17)

Chace: Comecei a produzir com 13 anos, quando comecei a fazer versões a cappella de músicas que eu gostava. Naquela época, só usava a minha voz para imitar todos os sons que ouvia. Minha mãe e eu nos mudamos para Xangai porque eu estava me preparando para estudar num conservatório. Deixamos meu pai para trás, e ele ainda mora na nossa cidade natal. Ele também é músico e costumava tocar numa banda que foi uma das primeiras a usar elementos eletrônicos na China. Isso foi em meados dos anos 90, então você pode imaginar como o país está atrasado! Tive a chance de entrar no conservatório como baterista, mas a vida noturna de Xangai começou a me atrair, fiquei inspirado por ela e decidi me focar na produção em tempo integral.

Agora passo os meus dias sentado nesse quarto, olhando pela janela em busca de inspiração. Teve uma vez que vi um garotinho brincando com uma pipa. É por isso que a primeira frase do meu single é: “De vez em quando, vejo uma pipa no céu”. Criei a melodia para essa música quando estava tomando banho e a minha caixinha de som estragou. Fez um barulho muito engraçado que tentei reproduzir na faixa.

Ainda canto minhas próprias letras. No começo, usava um tradutor ou ouvia os vocais de outra pessoa. Não sei se vou cantar no palco, mas quero muito aprimorar o meu show, e é por isso que ainda ouço muito Michael Jackson. Também sou fascinado por um velho set do Diplo no Coachella que alguém me passou. Mas os meus heróis musicais absolutos são o Swedish House Mafia, tenho o logo deles tatuado no braço.

Tive muita sorte em conhecer o Robin [Leembruggen]. Foi uma grande coincidência esse cara aleatório que conhecia todo mundo na cena ter aparecido. Graças a ele, agora posso trabalhar com o Yellow Claw e tocar no Tomorrowland no fim do verão. Vai ser a primeira vez que saio da China. Sei que as pessoas usam muitas drogas nesses festivais, mas não é a minha praia. Mas sei como esses caras se sentem. Sei mesmo, porque é o mesmo nível de energia que sinto quando estou tocando. Estou ansioso para ir.

Tradução: Fernanda Botta

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