Não é só você: a maior parte das pessoas gasta um bom tempo pensando nas piores formas de morrer. Incineração, afogamento, ataque de urso e o consumo lento da cabeça por formigas-de-fogo enquanto o resto do corpo está enterrado são ok para mim. Mas um grupo de médicos pesquisadores na Universidade da Califórnia, na Faculdade de Medicina de San Diego, nos Estados Unidos, publicou há pouco uma lista bem mais agradável e útil que a minha: as 11 coisas que caracterizam uma “boa morte” – isto é, os elementos que dizem respeito às melhores formas de morrer.
Divulgado no American Journal of Geriatric Psychiatry, o artigo revisou 32 estudos quantitativos e qualitativos em língua inglesa que abrangem diversas preferências no quesito morte, de acordo com três grupos do que os pesquisadores chamaram de “envolvidos”: pacientes, membros da família (antes ou depois do luto) e provedores de serviços de saúde.
Videos by VICE
Os cientistas descobriram que todos os três grupos acreditavam que 11 elementos distintos contribuíram para o bem-estar de uma pessoa ao fim da vida: “preferências por um processo de morte específico, condição sem dor, religiosidade/espiritualidade, bem-estar emocional, cumprimento da vida, preferências de tratamentos, dignidade, família, qualidade de vida, relação com o provedor do serviço de saúde e ‘outros’”.
Esses indicadores não são objetivos que devem ser atingidos a fim de se ter uma morte prazerosa, mas é possível pensar neles como parâmetros ou temas a serem considerados quando precisamos lidar com alguém que está próximo do fim.
“A morte é, certamente, um assunto controverso. As pessoas não gostam de falar sobre isso em detalhes, mas deveríamos. É importante falar com honestidade e transparência sobre que tipo de morte cada um de nós prefere”, afirmou o autor sênior do estudo Dr. Dilip Jeste, diretor do Instituto Sam e Rose Stein para Pesquisa no Envelhecimento, na Faculdade da UC de San Diego.
Dentre os 11 indicadores de uma boa morte, os pacientes, os membros da família e os provedores de serviços de saúde se importaram mais em como uma pessoa morre, independentemente de ela sentir dor, e seu bem-estar emocional. Mas nem todos os grupos avaliaram as mesmas coisas, afirmaram os pesquisadores. Por exemplo: os pacientes tendem a enfatizar a religiosidade e a espiritualidade com mais peso do que os membros da família. Por sua vez, os familiares dos que estão morrendo expressaram mais preocupação com a dignidade e completude da vida.
Os provedores de serviços de saúde ficaram entre os pacientes e os familiares no que diz respeito ao que consideram importante. “Clinicamente, costumamos ver uma diferença entre o que os pacientes, os membros da família e os assistentes de saúde avaliam como mais importante ao fim da vida”, afirmou a coautora Dra. Emily Meier, psicóloga do Centro de Câncer Moore, na UC San Diego Health. “Em última análise, as preocupações existenciais e psicossociais podem ser prevalentes entre os pacientes. Isso serve para nos lembrar de que devemos questionar a respeito de todos os aspectos dos cuidados essenciais ao fim da vida.”
Estudos como esse podem ser reconfortantes àqueles que ainda não jovens e cheios de saúde porque fornecem indicações de que, quando nossa hora chegar, nem sempre seremos arrastados aos chutes e pontapés pela morte ao fim da vida. Também é crucial para aqueles que estão em fase terminal, aos que oferecem assistência aos doentes terminais e aos médicos.
O planejamento de cuidado avançado, isto é, quando alguém conversa com membros da família e representantes legais a respeito de como desejariam ser tratados ao fim da vida – e, em alguns casos, sobre como desejam morrer – é uma das coisas mais importantes que alguém pode fazer quando for mais velha. De acordo com uma pesquisa conduzida na Faculdade de Medicina do Johns Hopkins, também nos EUA, pacientes com câncer que fizeram testamentos ao longo da vida e tiveram discussões sobre o próprio fim com seus provedores dos serviços de saúde evitaram ter que prolongar tratamentos que não desejavam receber. Já os pacientes sem testamentos ficaram muitas vezes incapacitados e acabaram recebendo cuidados potencialmente indesejados no último minuto.
“Em geral, os pacientes sabem o que desejam ou do que necessitam e há um alívio em conversar a respeito do assunto. Isso dá uma sensação de controle. Espero que essas descobertas estimulem mais diálogo. É possível atingir uma boa morte ao conversar sobre ela antes”, afirmou o Dr. Jeste.
Conversar sobre a morte envolve todo tipo de coisa. Na maioria das vezes é assustador e constrangedor, mas, às vezes, dizer a uma pessoa querida que você não deseja ser comido vivo por formigas, ah, e quem sabe pedir a ele ou ela que não desligue as máquinas quando você for parar na UTI, pode valer a pena quando a velha caveira vier buscar você.
Tradução: Amanda Guizzo Zampieri