Mossless In America: Claire Beckett

A Mossless in America é uma nova coluna que apresenta entrevistas com fotógrafos documentais. A série é produzida em parceria com a revista Mossless, uma publicação fotográfica experimental comandada por Romke Hoogwaerts e Grace Leigh. Romke começou a Mossless em 2009 como um blog em que ele entrevistava um fotógrafo diferente a cada dois dias. Desde 2012, a Mossless já teve duas edições impressas, cada uma lidando com um tipo diferente de fotografia. A Mossless foi destaque na exposição Millennium Magazine, de 2012, no Museu de Arte Moderna de Nova York e conta com o apoio da Printed Matter, Inc. A terceira edição, um volume dedicado à foto documental norte-americana dos últimos dez anos, é intitulada The United States (2003 – 2013) e será lançada em breve.


Medina Jabal Town, Fort Irwin, Califórnia, 2009.

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Claire Beckett é uma fotógrafa e antropóloga norte-americana. Ela já trabalhou como voluntária do Corpo da Paz em Benim e agora fotografa campos de treinamento militar americanos e seus recrutas, além de americanos que se converteram ao Islã. Suas fotos confrontam, de forma humilde, a hipocrisia das atitudes preestabelecidas quanto a seus temas. Conversamos com ela sobre as tensões presentes em seu trabalho e dentro dos temas fotografados por ela.

Mossless: Você foi voluntária do Corpo da Paz na África Ocidental uns dez anos atrás, antes de estudar fotografia. Foi alguma coisa que aconteceu nesse período que compeliu você a entrar na área?
Claire Beckett:
Na verdade, fotografo desde os 16 anos, mas só decidi seguir a carreira depois de minha experiência no Corpo da Paz. Até aquele momento, eu não tinha certeza do que fazer da vida e pensava em continuar na antropologia – que eu já tinha estudado antes – ou talvez trabalhar com ajuda humanitária. Como voluntária em Benim, trabalhei como educadora de saúde pública, focada em educação sobre HIV e AIDS, prevenção de malária e capacitação de garotas. Morar em Benim esclareceu muitas coisas em minha vida. Por estar tão distante de casa e tão imersa em outra cultura, ganhei uma nova perspectiva de mim mesma e de meu país. E, em Benim, também fotografei muito e tinha muito tempo para pensar, ler e escrever. Depois de um tempo, percebi que ser artista era a coisas mais significativa em termos pessoais que eu podia fazer.

Soldados K. Duffy, A Bronner, e J. Layug, 2006.

Seu site apresenta três grandes projetos e todos são relevantes um para o outro. Vamos começar com suas fotografias sobre jovens soldados, a série In Training. O que estava acontecendo?
Os soldados que fotografei para In Training eram todos recém-alistados e ainda não tinham sido mobilizados para zonas de conflito. As fotografias foram tiradas entre 2004 e 2007, durante as guerras do Iraque e do Afeganistão, então, é bem provável que muitos desses soldados tenham visto combate real. Eu me concentrei no período entre alistamentos e mobilização com ênfase no treinamento básico, porque fiquei fascinada com a transformação deles, de adolescentes civis a soldados. Esses soldados estavam aprendendo o vocabulário militar, mas também estavam sendo moldados pela cultura do exército. Eu gostava particularmente de ver soldados muito jovens e verdes, porque eles se comportavam de um jeito que nenhum veterano se comportaria. Por exemplo, lembro de um soldado que ainda estava no colegial, que conheci quando ele participava de exercícios pré-básicos com a Guarda Nacional (adolescentes podem se juntar à Guarda Nacional, provisoriamente, com o consentimento de um guardião). O garoto tinha o braço cheio de pulseiras coloridas de borracha junto com o uniforme. Claro, essas pulseiras não fazem parte do uniforme do exército e, na verdade, é proibido usá-las. Eu sabia que se visse esse soldado de novo, ele estaria totalmente transformado pelo treinamento e, potencialmente, pela guerra em si. Os braceletes teriam sumido e mudanças muito mais profundas teriam acontecido.

Civis afegãs-americanas como aldeãs afegãs, 2009.

Em Simulating Iraq, soldados e civis norte-americanos fazem o papel de insurgentes e civis iraquianos num treinamento. Você chegou a perguntar aos participantes o que eles achavam dos papéis que estavam interpretando?
Sim, eu sempre perguntava o que eles achavam de seus papéis. Eu ficava fascinada em descobrir que a maioria gostava do papel que estava interpretando. Para alguns, isso parecia ser uma questão de encenação, como um teatro de escola numa escala muito maior. Para outros, havia uma fascinação com a cultura e a língua árabes. Fiquei surpresa ao descobrir que em um dos complexos, as garotas que interpretavam civis pagavam do próprio bolso por roupas típicas árabes mais bonitas compradas pela internet. Acho que isso fazia com que elas se sentissem glamorosas. Entre os soldados, em geral, havia uma inclinação para interpretar os “bandidos”, tipicamente identificados como “jihadistas” ou “terroristas”, porque era mais emocionante. Os bandidos podiam correr loucamente, usavam armas únicas e podiam explodir coisas. Claro, estou generalizando, mas esse era o espírito daquilo que observei.

Qual era o tamanho desses campos de treinamento? Eles eram usados com frequência?
Os complexos de treinamento eram enormes. Fort Irwin no Deserto de Mojave, Califórnia, onde fiz boa parte desse trabalho, tinha aproximadamente 2.600 quilômetros quadrados de campo de treinamento e o Marine Corp’s Air Ground em Twentynine Palms, Califórnia, tem um tamanho similar. Para se ter uma ideia, o estado de Rhode Island tem aproximadamente 2.675 quilômetros quadrados. E, sim, enquanto eu estava fotografando, eles usavam esses locais com frequência. A base, como um todo, estava em uso constante e observei que os vilarejos de simulação eram usados cerca de 50% do tempo. Claro, isso pode ter mudado agora, com o encerramento das guerras.

Salih, 2013.

Você também fotografou norte-americanos que se converteram ao Islã. Há uma ligação pessoal aí? Deve ser incrivelmente difícil para alguns convertidos (como você disse em sua declaração) cruzar a linha imaginária entre os opostos, supostamente diametrais, “muçulmano” e “americano”. Você ouviu alguma experiência particularmente impressionante de algum dos participantes?
Meu interesse em The Converts não veio de uma conexão pessoal direta com o assunto, já que não me converti ao Islã e, antes de embarcar nesse projeto, não conhecia pessoalmente nenhum convertido. Acho que a ideia do projeto veio da maneira como eu observava esses muçulmanos (ou pessoas que “parecem muçulmanas”, se é que isso existe) serem tratados nos Estados Unidos imediatamente depois do 11 de Setembro. Eu estava no começo dos meus 20 anos na época, e ver todo o preconceito e o ódio dirigidos aos muçulmanos realmente chamou minha atenção. Levei muito tempo para imaginar como lidar com essas ideias em meu trabalho e foi só depois de uma série de outras experiências que tive com muçulmanos, inclusive vivendo numa comunidade cristã/animista/muçulmana em Benim, que me senti preparada para abordar o tema.

Em termos de experiências dos participantes de meu projeto, sempre penso nas histórias de como os convertidos se relacionam com suas famílias. Sei de uma situação muito triste em que a família rejeitou completamente a filha depois que ela se converteu. Essa experiência foi muito dolorosa, porque ela ama sua família e quer manter laços com eles. Por outro lado, sei de uma família que, inicialmente, ficou chocada com a decisão da filha em se tornar muçulmana, mas que acabou aceitando ela e seu marido muçulmano. Agora, a mãe da garota sempre compra um peru halal (abatido conforme os preceitos islâmicos) no Dia de Ação de Graças. Assim, os membros muçulmanos da família também podem participar da refeição.

Nascida e criada em Chicago, Claire Beckett é bacharel em antropologia pela Kenyon College. Ela trabalhou como voluntária no Corpo da Paz em Benim, África Ocidental, e fez mestrado em fotografia no Mass College of Art. Ela é representada pela galeria Carroll and Sons em Boston.

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