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‘Clube da Luta’ ainda é uma bosta

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK.

Quando Clube da Luta saiu, em 1999, achei que o filme era a denúncia mais cáustica da cultura do consumismo que eu já havia testemunhado. Claro, eu tinha 16 anos na época, então não tinha visto muitas denúncias da cultura do consumismo ainda. Agora, claro, não tenho mais 16, e lá se vão 16 anos do lançamento do Clube da Luta — com direito, em 2014, a homenagem na Comic-Con, com a participação do diretor David Fincher e do escritor Chuck Palahniuk; e com o lançamento em 2015 de uma sequência em quadrinhos numa ode de Palahniuk aos machos alfa.

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Clube da Luta voltou ao zeitgeist, e faz sentido — muitos dos temas que o filme toca e as previsões que ele fez sobre a decadência do mundo ocidental se tornaram bem reais. Caos entre os cidadãos e as pessoas que juraram servi-los e protegê-los, a disparidade de renda cresce a cada momento, e as corporações estão se fundindo mais rápido que uma fusão de empresa de celular. Considerando essas variáveis, faria sentido abraçar mais uma vez o conto de fadas niilista de Fincher e Palahniuk. O problema é que isso significa abraçar algo tão ofensivo quanto aquilo que o filme critica.

Faz uns bons dez anos que não entro num dormitório estudantil. E sendo assim, não convivo com os cartazes onipresentes de Clube da Luta que cobrem essas paisagens. Eu tinha quase me esquecido da existência do filme. Mas quando ele ressurgiu, eu quis ver se o filme que gostei tanto na adolescência ainda tinha graça, ou se meu eu adolescente não sabia porra nenhuma.

E vendo o filme de novo, cheguei a conclusão que sim, meu eu adolescente não sabia porra nenhuma, porque geralmente nenhum adolescente sabe. Isso é parte da experiência teen do mesmo jeito que espinhas, confusão sexual e a ideia de que a anarquia pode ser uma solução viável para os problemas da sociedade.

Baixei o filme ilegalmente, porque era isso que Tyler Durden ia querer que eu fizesse. “Ódio, ódio”, eu conseguia ouvir a voz dele me incentivando, “contra a existência da máquina”. Depois de preparar um drinque e abrir um maço novo de cigarros (de novo, como Durden ia querer que eu fizesse), acionei meu modo crítico.

Os créditos do filme aparecem numa viagem muuuito anos 90 pelas sinapses do cérebro, enquanto uma música eletrônica genérica intensamente inorgânica toca. As imagens são datadas como a ideia do filme de que a sociedade pode de alguma maneira salvar a si mesma. Essa parte lembra um videogame, o que faz sentido porque o filme foi pensado para atrair aqueles que, quando não estão pensando em como a civilização e o capitalismo são escrotos, estão jogando videogames que custaram mais de R$ 1 mil. Depois dos créditos, o filme começa com o protagonista com uma arma enfiada na boca. Extremo, né? Vocês conseguem lidar com esse nível de intensidade, ovelhas?

Nosso narrador insone é a encarnação da anomia do mundo moderno, à deriva e sozinho num mar de Starbucks e móveis pré-fabricados. Desesperado por um sentido, ele tenta grupos de apoio para pessoas com câncer no testículo — os homens que ele encontra não são homens, porque são capazes de chorar, abraçar e ter pena de si mesmos. Bob, um membro do grupo, tem peitos, por isso o nome — esses peitos o castram ainda mais. Por que ele não é homem? Ele tem peitos. Fim da discussão.

Quando o narrador abraça seu ambiente castrado, e os peitos de Bob, ele consegue encontrar o escapismo confortável do sono. Até que ela chega. E claro, “Ela. Fodeu. Com. Tudo”. Quão louca ela é? Ela fuma em grupos de apoio para pessoas com câncer! Ela atravessa a rua no meio dos carros! Ela rouba propriedade dos outros! Rouba a habilidade de dormir do nosso homem! Ela é a definição da femme fatale; a existência dela como a única força feminina num filme completamente desprovido de outros exemplos do sexo frágil não pode ser exagerada.

Uma clássica bagunça estilo Zelda Fitzgerald, ela é um vazio que Tyler Durden fode para alertar o narrador da capacidade que essa mulher tem de sugar sua alma. Eles transam violentamente, a foda equivalente ao clube que ela não pode entrar por causa do seu gênero e sua deslealdade inerente. Durden informa o narrador que, se ele falar sobre ele com ela, o bromance épico que os dois compartilham irá acabar. Ele será expulso do Éden que é ficar no mesmo banheiro em que Durden toma banho. “Se eu tivesse tirado alguns minutos e ido ver Marla Singer morrer”, lamenta o narrador, “nada disso teria acontecido”.

“Somos uma geração de homens criados por mulheres”, diz Durden, mentindo, de novo, de um jeito totalmente não-gay, numa banheira ao lado da psique torturada do narrador. Para homens criados por mulheres, parece que eles não precisam muito delas. Engraçado isso. “Nossos pais são modelos de Deus”, Durden prega. “Se nossos pais foram embora, o que isso nos diz sobre Deus?” A resposta para essa pergunta é que Deus é um homem, aparentemente, e que as mulheres nunca poderiam ser nossas redentoras.

“Tenho pena dos caras enfurnados em academias, tentando parecer o cara que Calvin Klein ou Tommy Hilfinger disse que eles deveriam ser”, diz o narrador. “É assim que um homem parece?”, cospe Durden em resposta a um anúncio da Gucci que os dois estão vendo. “Autoaperfeiçoamento é masturbação”, ele declara. “Agora, autodestruição…”. Aí o filme corta para uma cena dos dois sem camisa, dois homens musculosos clássicos, com músculos bronzeados e muito parecidos com os do cara da propaganda da Gucci, trocando porradas.

A brutalidade que os dois exercitam um no outro está sempre à beira do pornográfico. A sociedade nunca disse aos homens que homens de verdade não lutam, ou que não devem expressar seus instintos animais. Na verdade, é bem o contrário. War Machine pode ser o inimigo público número um atualmente, mas o fato é que o MMA continua um dos esportes mais populares da era moderna. Então contra o que esses caras estão se rebelando tão enfaticamente?

Uma cena faz lembrar uma visão moderna de Uivo de Allen Ginsberg. O narrador diz que viu as grandes mentes da nossa geração trabalhando como frentista de posto, de colarinho branco, trabalhando em empregos que odeiam para comprar merdas que não precisam. “Nossa grande guerra é uma guerra espiritual”, ele diz. “Nossa grande depressão [pausa dramática] é nossa vida.” Ele, e a demografia em nome da qual ele foi criado para falar, cresceu acreditando na inevitável grandeza, mas descobriu que a conquista disso era impossível. E adivinha só? Eles estão “muito, muito putos” por causa disso. É o mesmo argumento que os “caras legais” usam para explicar por que não conseguem transar — “me prometeram isso, eu mereço isso, então por que não consigo?”, eles gritam no vazio.

Depois dessa cena, percebi que Clube da Luta é o Reddit dos filmes.

Palahniuk escreveu Clube da Luta como uma sátira, um exame dos horrores que existem no id juvenil masculino. No final do livro e do filme, o narrador vê a destruição que esse id criou e se arrepende do que fez. Muito bom, mas essa não é a moral que o público médio, o usuário do Reddit que acredita na pílula vermelha, tira da história. Os donos dos cartazes do filme nos dormitórios universitários ficam completamente vidrados na violência e misoginia que transpiram nas duas horas antes da cena final.

Algumas pessoas só querem ver o mundo pegar fogo. Eles não se importam com o fato de que não são as únicas entidades nesse mundo em chamas. O niilismo é inerentemente narcisista. Para crédito do narrador, no final das contas ele não queria isso. Ele não queria ter nenhuma parte na mentalidade “sal da terra” de Durden. Mas a maioria dos fãs do filme acham que ele está sendo irracional, amarelando, na cena final. Se a maioria das pessoas não entende a sátira, ela ainda é uma sátira? Ou é apenas brutalidade socialmente aceita (e rentável) com uma mensagem banal anexada para os críticos?

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Tradução: Marina Schnoor

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