Maionese verde caseira. Foi essa receita que a minha roomie preparou e me ofereceu dizendo que estava muito bom. Comi, gostei, pedi mais e perguntei: “O que você colocou aqui?” Ela, com cara de missão cumprida, anunciou: “Coentro.” Foram quase 30 anos até comer o tempero sem reclamar. E por que isso acontece?
Pesquisas apontam que não gostar de coentro pode ter a ver com a genética de cada um. E ainda que os estudos não sejam conclusivos, muitos pesquisadores defendem que a intolerância ao tempero vem do cheiro e não do gosto da planta.
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O motivo para transformar o coentro no tempero mais odiado do Brasil — como você deve ter visto nesse desnecessário meme — talvez esteja no próprio nome cientifico da planta: Coriandrum sativum. A nutricionista Neide Rigo explica em seu blog que “Coriandrum é uma derivação do grego koris, que quer dizer percevejo”. Por isso, diz ela, muita gente não consegue nem sentir o cheiro da planta. “O aroma pode ser sentido como fedor por uns e perfume por outras pessoas.”
Para além da ciência, que dá pistas sobre uma natural rejeição de parte da população ao tempero, o que se nota é uma espécie de rixa entre culinárias regionais do país. No Norte e Nordeste, há predominância do coentro, enquanto no Sul e Sudeste quem reina é a salsinha. Então seria só uma questão cultural não gostar de coentro?
O sociólogo Carlos Alberto Dória explica que o coentro chegou ao Brasil via portugueses. A comida, no país em processo de colonização, seguia o modelo da medicina galênica — no qual a horta de alimentos servia também como farmácia. Dória conta que, diante dessa horta, é impossível saber por que mais gente no Norte e Nordeste do país se tornou adepta da planta do que no Sul e Sudeste — isso porque o coentro pode ser plantado em todo território nacional.
“Sabor se aprende.” — Danilo Nakamura
Eu mesma cresci no Nordeste dentro de uma família paulistana e tive que experimentar o coentro muitas vezes até superar a tal barreira regional. O paranaense Danilo Nakamura, roteirista e consultor de bares, também só se entregou aos prazeres do controverso ingrediente depois de adulto. Ele lembra que “sabor se aprende.”
Criador do drink Si Hay Coentro, Soy Contra, servido no restaurante Jiquitaia, em São Paulo, Danilo me fala que a ojeriza em torno da planta não o desanimou desenvolver a receita. “Queria criar um drink com coentro porque as pessoas têm um pé atrás com ele”, diz. “Além de tudo, o drink é feito com gim (que quase sempre leva coentro na receita) e tem ótima acidez (por conta do limão e da cerveja sour de cupuaçu), então funciona bastante com os pratos mais gordurosos da casa.”
Ser apresentado ao coentro na infância, diz Dória, e depois de adulto, numa experiência gastronômica, por exemplo, são eventos “totalmente diferentes”. “O coentro embalado na gastronomia produz uma predisposição maior a se vencer essa barreira [da rejeição]”, diz ele.
“Como o coentro é um tempero nordestino, não é nobre, e não é difundido aqui [no Sudeste do país] acho que muita gente tem preconceito puro” — Lisandra Amaral
Dono do restaurante de comida potiguar Jesuíno Brilhante, Rodrigo Levino acredita que a recusa ao coentro por parte da sua clientela paulistana vem mesmo do “hábito alimentar, é cultural”. Levino lembra dos estereótipos em torno da comida regional do país. “A comida nordestina ficou marcada como necessariamente pesada ou temperada demais”, coloca. “Mas e o virado à paulista?”. Para ele, as pessoas conhecem pouco da planta. Ainda assim, na sua casa, em que pratos como o guisado, a farofa, o cuscuz e o vinagrete são feitos com coentro, a recusa dos clientes é mínima — “de 1.500 pratos que sirvo num mês, 15 voltam.”
A chef Lisandra Amaral, que serve comida de inspiração caipira no seu Maria Farinha, diz que a turma do Sul e Sudeste do país torce o nariz pro coentro porque tem preconceito. “Como o coentro é um tempero nordestino, não é nobre, e não é difundido aqui [no Sudeste do país] acho que muita gente tem preconceito puro”, acredita. Ela me conta também que, no seu cardápio, não discrimina quais os pratos que levam coentro. “Se eu não conto [que um prato leva coentro], as pessoas comem.”
Para Dória, além das características regionais da comida brasileira, há no país duas culinárias, “uma da elite e outra popular”. “Pimenta, farinha, cominho e coentro são coisas de pobre, porque são claramente identificados na culinária popular.” Mas ainda assim, o sociólogo lembra que as elites do Nordeste, por exemplo, comem coentro, por isso “gostar ou não do ingrediente é mais um recorte espacial, geográfico, do que de classe”.
Responder por que tanta gente faz questão de demonizar um simples tempero é mais difícil do que você pensa. Dória lembra que são muitos os sabores com fronteiras no Brasil, como “o amargo do mate, o pequi e o jatobá”, não só o injustiçado coentro. Dizer, então, que o tempero é o mal brasileiro pode ser apenas mais um sintoma do seu bairrismo.