O exterior do CBGB LAB, localizado no terminal mais punk do Aeroporto de Newark (Terminal 3). Todas as fotos pela autora.
O CBGB abriu em Nova York em 1973. Seu legado é ser o berço do punk, o epicentro da cena hardcore nova-iorquina e a sede dos banheiros mais imundos do continente, como já foi detalhado em documentários, livros e um filme ruim.
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O bar fechou as portas dez anos atrás. Seu falecimento foi comemorado com um show de Patti Smith, uma das estrelas que ajudaram a cimentar a casa no firmamento da música americana. No fim da apresentação, a artista punk distribuiu botons com a esperançosa frase “o que resta é o futuro”.
Aqui no futuro, o CBGB renasceu como CBGB LAB, um restaurante, bar e loja de discos no Terminal C de Newark. O bar, com vista para a barraquinha de pretzels Autie Anne, abriu mês passado. Já o restaurante, a ser inaugurado em fevereiro, será adornado com fotos preto e branco em tamanho real de Joey Ramone, Debbie Harry e Sid Vicious no palco.
Por enquanto, os visitantes podem fuçar em LPs num quiosque adjacente ao bar e em frente a restaurantes como o Nonna’s Meatball Kitchen e Lobster Pod. Além dos discos, a loja apresenta uma pequena réplica imaculada do toldo do CBGB –o verdadeiro está muito bem guardado no Hall da Fama do Rock em Cleveland.
A vibe do CBGB LAB é mais a de um salão de cabeleireiro metido a radical. Quem vier procurando a sujeira real vai se decepcionar, mas pode se consolar com um cinzeiro sujo, um coquetel de US$ 9 que o cardápio descreve como uma lata de Tecate “vestida” com sal, pimenta e uma rodela de limão.
O lugar estava ocupado por uma mistura típica de turistas – famílias, gente de 20 e poucos anos, idosos e um casal de meia idade bêbado sentado do meu lado (que ouvi dizer “Nancy Spungen”, juro). Um pilar parecia estar coberto de pichações e adesivos, mas, depois que olhei mais de perto, vi que se tratava apenas um papel de parede que imitava pichações. Como já é costume em muitos restaurantes de aeroportos, os clientes pedem suas refeições via iPads.
Pequenos alto-falantes brancos arredondados tocavam um fluxo permanente de punk e New Wave, mas, diferentemente dos sons ensurdecedores que você ouviria no CBGB original, a música estava num volume tão inócuo que a playlist se misturava com o barulho ambiente do terminal. Posso dizer que “Blitzkrieg Bop” nunca soou triste. Não tinha nada ver com o sistema de som. Tinha tudo a ver com o resto.
Um piano coberto com pichações de verdade decorava o palco do bar. Quando perguntei à garçonete se ela sabia de onde o instrumento tinha vindo, ela me disse que não fazia a menor ideia e nem parecia ligar muito.
O piano tinha vindo do CBGB? Como chegou aqui? Mais importante: por que tem um CBGB no aeroporto de Newark? No momento, as respostas dessas questões continuam misteriosas. Tão misteriosas, imagino, quanto a reação das duas senhoras septuagenárias que almoçavam em baixo da foto do Sid Vicious caso alguém contasse quem ele foi e o que ele fez.
O que está claro: o restaurante é parte de uma revitalização de US$ 120 milhões do Terminal C, um empreendimento supervisionado por uma empresa chamada OTG, cujo site apresenta a firma como responsável por “transformar a experiência de aeroportos”. O CBGB é um dos 55 novos restaurantes do terminal e não o único a se apropriar de uma cultura; eles também têm uma churrascaria chamada Notorious P.I.G.
A OTG não retornou meus vários pedidos por mais informações, o que me faz imaginar que a decisão de abrir um restaurante chamado CBGB foi o resultado não-licenciado de uma patifaria dos executivos do marketing.
O restaurante é uma nova lambança da curiosa pós-vida do CBGB – um destino complicado por batalhas judiciais entre membros da família do fundador, Hilly Krystal. Em 2008, o estilista de moda masculina John Varvatos abriu uma butique no espaço do clube em Bowery e preservou uma das paredes pichadas originais. A loja também contava com uma coleção de fotos punks – muitas com preço na faixa de cinco dígitos.
Com Bowery reformada e o clube fechado, o nome CBGB teve uma boa chance de se tornar apenas uma coleção de letras aleatórias em camisetas da Hot Topic, um símbolo vazio de rebeldia consumista. Mas, em 2012, um grupo de investidores comprou as ações do clube. Logo depois eles lançaram o Festival CBGB de Música e Cinema. Eles esperavam, segundo o Times, reabrir o clube num outro local do centro.
O presidente do CBGB, Tim Hayes, porém, tinha planos maiores. Em 2014, ele contratou a firma de marketing e licenciamento Epic Rights na expectativa de iniciar uma “expansão global da marca CBGB”. Numa entrevista para a Billboard, Hayes explicou que se interessou pelo case de sucesso do Kiss’ Rock & Brews da Epic, uma cadeia de restaurantes familiares temáticos do Kiss especializados em cerveja artesanal com mais de uma dezena de estabelecimentos em todos os EUA. Hayes esperava que a Epic ajudasse a abrir clubes CBGB pelo mundo todo.
Parecia possível. Num comunicado à imprensa de 2014, a Epic Rights louvou o CBGB como uma marca “sinônimo de música inovadora, juventude, aventura, rebeldia e expressões extremas de individualidade… o símbolo mais valioso para rebeldes, desajustados e fãs de música do mundo todo”. A primeira ordem do negócio foi anunciar que o Festival CBGB de Música e Cinema de 2015 mudaria da Times Square para as praias de Fort Lauderdale – o resultado, segundo as autoridades de turismo da Flórida, seria uma “grande sinergia”. Mas, para tristeza dos spring breakes do mundo, o Festival CBGB 2015 nunca se materializou; o último aconteceu em 2014 na Times Square.
O que nos traz ao presente, uma época em que a única encarnação do símbolo de maior valor para rebeldes e desajustados se manifesta, como por mágica, no Terminal C do aeroporto de Newark.
O CBGB LAB é uma boa ideia? A opção deles Faça Seu Próprio Blood Mary é um sinônimo de música, juventude e aventura? As vovozinhas querem mesmo contemplar expressões extremas de individualidade enquanto mastigam seus sanduíches de peru de US$12,50?
Enquanto eu comia meu Sanduíche de Almôndega e Queijo Parma (US$ 11, o pão era excelente), bebericava meu coquetel She’s So Modern (US$ 12, com Jim Beam, Amaretto, Orgeat e provavelmente batizado com o nome de uma música do Boomtown Rats) e evitava minhas Fritas Disco (US$ 9, servidas com uma pitada desesperada de salsinha), tentei analisar o nível de distância irônica e/ou desatenção completa exigida para aproveitar aquela refeição. O que, vou deixar claro, não consegui fazer.
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Tradução: Marina Schnoor