Bem-vindo ao Regra 34 , uma série onde Samantha Cole da Motherboard explora fetiches altamente específicos que podem ser encontrados na internet. Qualquer coisa em que você conseguir pensar, alguém se masturba com isso.
Os links abaixo podem ser considerados NSFW.
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“Eu sei o que é quando vejo.”
Foi assim que o juiz da Suprema Corte dos EUA Potter Stewart definiu obscenidade num julgamento em 1964 que iria decidir se o estado de Ohio podia banir exibição pública de pornografia hardcore.
Mas quando você vê uma mulher ficando vesga, com um fio de baba escorrendo da boca aberta dela, você “sabe o que é”? Riley Reid, um das atrizes pornô mais populares do mundo, já brincou com isso. A insanamente popular personalidade da internet Belle Delphine costumava fazer, muito.
Mas o ahegao – aquela cara contorcida babando popularizada pelo hentai – começou muito antes dessas artistas experimentarem com a prática. E como fetiche, isso ainda é considerado tabu por muitas pessoas.
Em japonês, ahegao se traduz como uma onomatopeia mistura de pintura (como em, “ahe ahe”) e “gao”, rosto. É diferente do mais natural ikigao, que significa “rosto de orgasmo”. É algo mais estranho. Poucas pessoas fazendo sexo de verdade e experimentando um orgasmo real vão fazer a cara que as garotas do ahegao fazem, o que é parte da atração: é uma paródia mais apimentada do “rosto de O”. Como tantos outros aspectos do pornô, é algo extremamente exagerado e não-realista.
Num contexto diferente, não tem nada tecnicamente sexual nas expressões faciais do hentai conhecidas como ahegao. Suas características definidoras incluem olhos vesgos, bochechas coradas, e língua pra fora, babando – e em si, nada disso é explícito. Um rosto assim poderia representar plausivelmente qualquer coisa: dor, êxtase extremo ou desejar uma refeição muito gostosa.
Mas mesmo se você é um adulto muito, muito offline, você vai ver um rosto ahegao e saber o que está acontecendo fora do enquadramento. E desde as origens do ahegao, essa era a ideia.
“A censura criou o ahegao”
Em seu livro altamente influente de 1989 Hard Core, a acadêmica especializada em cinema e pornografia Linda Williams explorava a ideia de que o orgasmo de uma mulher é invisível: para os homens, no pornô pelo menos, você raramente consegue negar que eles estão gozando. Tem porra pra todo lado. Para muitos filmes adultos, o objetivo final é o “money shot”.
Mas para os espectadores, a prova do orgasmo de uma mulher não está nos genitais. Isso aparece nos sons que ela faz, nos movimentos do resto do corpo, ou especialmente nos olhos e no rosto. É muito mais difícil para alguém com pênis fingir um orgasmo forte que para uma mulher. No ahegao, a ideia é que há experiência está além do fingimento: ela está gozando tão forte que perde o controle do rosto.
“Nos vídeos adultos japoneses assim como no mangá, tem uma arte nas expressões de prazer do rosto, e o ahegao trabalha como o clímax deslocado, ou a perda do eu e da noção no momento do prazer avassalador”, me disse Patrick Galbraith, professor da Universidade Senshu em Tóquio. O ahegao é um exemplo da expressão de Williams do orgasmo feminino, ele disse.
Thomas Baudinette, palestrante de Estudos Japoneses da Universidade Macquarie em Sydney, Austrália, me disse que o ahegao pode ter suas origens no final dos anos 1990 começo 2000 na Eromanga, uma revista pornográfica voltada para o público masculino heterossexual. Disso, o ahegao se espalhou na cultura ocidental – mas suas raízes estão no trabalho erótico dos artistas para contornar leis de censura.
Na lei de obscenidade japonesa, uma pessoa que “distribui, vende ou exibe em público um documento, desenho ou outros objetos obscenos” pode ser punida com até dois anos de prisão ou multa de 2.500.000 ienes. Censura de pornografia e hentai no Japão é uma grande questão cultural – tanto que alguns políticos incluem isso em suas plataformas de campanha.
“Produtores de pornografia no Japão interpretam essa lei como uma exigência de censurar órgão sexuais e pelos púbicos, que geralmente são obscurecidos em vídeos e mangás com uso de mosaicos”, disse Baudinette.
Sexo com penetração é muito difícil de retratar quando você não pode mostrar o pênis entrando na vagina, então os artistas usaram a criatividade. “O ahegao nasceu da necessidade de mostrar corpos tendo prazer dentro de um contexto onde é difícil desenhar a penetração”, ele disse. “A censura criou o ahegao.”
Assim como podemos agradecer a censura, em parte, pelo pornô de tentáculos, podemos culpá-la pelo ahegao. E alguns artistas podem agradecer a censura por descobrir uma nova base de fãs.
“Lembre de babar”
Em seu Instagram, Tira Part se aproxima da câmera no que parece ser antecipação insuportável.
Part, que é uma das artistas de ahegao mais populares no Pornhub com 30.500 inscritos, me disse que os fãs dela gostam dessa fantasia de “quebra da mente”. “Eles gostam de ver a língua pra fora e os olhos vesgos ou revirando em puro êxtase”, ela disse. “Quem está fazendo essa cara está gozando tão forte que perder o controle dos gemidos e expressões. A pessoa só consegue babar e cruzar os olhos, e isso é muito atraente.”
“O rosto é basicamente uma exageração do orgasmo ou ser comida até perder a cabeça”, me disse a artista adulta Littlerosexo, que faz cosplay e camming com o noivo.
A primeira vez que Elisabeth Weir – que tem mais de 43.600 inscritos no Pornhub – encontrou o ahegao foi em 2016. Ela começou a fazer o que achava que era apenas rostos “bobos” como brincadeira, mas os fãs adoraram.
“Fiquei surpresa que algumas pessoas achavam isso não só divertido mais SEXY”, ela disse. Tantas pessoas pediram isso, que ela teve que acrescentar em sua lista de pedidos no OnlyFans: 20 tokens (cerca de US$ 1) para ela fazer ahegao em seu show ao vivo, e para acrescentar isso num clipe personalizado, ela cobra mais $15 além do preço do clipe. “As pessoas queriam me ver fazendo isso e estavam prontas para pagar.”
O conselho de Weir para um bom ahegao: “O ideal é pensar no seu melhor orgasmo e torná-lo mil vezes mais forte”, ela disse. “Tão forte que seus olhos começam a revirar/cruzar e você não consegue controlar sua boca e sua língua.”
Littlerosexo também conheceu o ahegao graças a um pedido de fã. Ela teve que procurar o que era, mas ficou excitada em experimentar
“Você tem que fazer com seriedade para ser algo ‘crível’, mas bobo o suficiente para se divertir também”, ela disse. “E lembre de babar! O que eu geralmente faço é literalmente repetir ‘NYAAAAAA’ na minha cabeça de novo e de novo. Mas também tem risadinhas internas entre isso.”
“Alguém tem que pensar nas crianças”
Infelizmente, não podemos falar de ahegao sem abordar o infame “moletom ahegao”.
Segundo o Know Your Meme, em 2015 uma colagens de personagens de hentai do artista de mangá Hirume começou a circular online. Alguém estampou essa colagem em várias coisas – bonés, capas de celular, camisetas e mais – em 2016, e disso a estampa chegou até lojas de design personalizado produzido em massa como o Redbubble. Em maio de 2017, um usuário do Reddit postou uma foto de alguém usando uma colagem diferente de ahegao, dessa vez num moletom. O moletom se tornou altamente polêmico. E ainda pode ser comprado no eBay.
O moletom já foi proibido em convenções de anime, já que tem rostos de shota ou loli – retratando personagens menores de idade em atos sexuais.
Ano passado, organizadores da SunnyCon Anime Expo fizeram um anúncio: roupas retratando ahegao não seriam bem-vindas na convenção.
“Segundo o feedback dos participantes, pessoas usando ahegao deixam a maioria dos outros participantes desconfortáveis, principalmente pessoas com crianças no evento”, um porta-voz da SunnyCon me disse. Do ponto de vista pessoal, eles não veem nada de errado com ahegao, principalmente num ambiente adulto controlado, eles disseram. Mas a SunnyCon – realizada todo ano no Reino Unido desde 2010 – é um evento para todas as idades.
“Apesar de não ter pornografia à mostra, isso ainda é tirado de conteúdo para maiores de 18 anos e alguns dos rostos são de personagens menores de idade”, eles disseram. Hipoteticamente, segundo eles, um pai preocupado que conhece o contexto do ahegao pode dizer que a SunnyCon expôs seu filho a material adulto. “Isso pode resultar em alguém chamar a polícia, e o contexto pode gerar toda uma gama de problemas legais”, eles disseram. Eles imaginaram toda uma cadeia de eventos horríveis acontecendo na convenção: o usuário do moletom sendo preso no evento e acusado de ser um criminoso sexual, os organizadores perdendo o local para fazer o evento e dezenas de milhares de participantes.
“Considerando as possíveis ramificações legais, essa não é simplesmente uma questão de ‘alguém pense nas crianças’ ou ‘são só rostos’”, eles disseram. “Pessoas com esse tipo de atitude precisam entender que esses eventos são negócios e temos que seguir a lei para fazer dinheiro… e por mais difícil que seja para os fãs hardcore, os tempos mudam… tendências como o ahegao vão acabar sumindo”, com um influxo de fãs mais jovens.
“Usar um moletom ahegao no Japão seria inimaginável”, disse Baudinette, “e a única vez que vi isso numa convenção japonesa, era um ocidental usando”.
“No Japão, o ahegao é estritamente limitado ao mundo do mangá e forma parte de uma tendência mais ampla na cultura otaku de uma atração sexual por personagens imaginários”, ele disse. “Fora do Japão a história é diferente… Isso tende a ser fetichizado ou usado como um marcador de grupo ligado ao fandom otaku ocidental mais amplamente.”
Alguns podem ver a existência do meme do moletom ahegao como uma importação e apropriação de uma forma de arte que acabou dando errado. Assim como fazer uma tatuagem de kanji que diz “pequena churrasqueira de carvão”, a menos que você já entenda o contexto dessa forma de arte, você não entende a arte em si.
Diferente das previsões da SunnyCon, o ahegao provavelmente não vai desaparecer. Buscas pela palavra explodiram nos últimos dois anos, com cada vez mais camgirls e influencers pegando o bonde do ahegao. A maioria dessas modelos são brancas. Enquanto o ahegao vai de expressão do hentai para meme ocidental, isso pode mudar seu significado totalmente – para simplesmente alguém mostrando prazer com olhos vesgos e baba.
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