DEIXAR A IMPRENSA ENTRAR
Por Bill Keller, editor-chefe do Marshall Project e ex-editor executivo do New York Times.
Como comissário correcional do Maine, Joseph Ponte permitiu que uma equipe do Frontline, da PBS, se incorporasse à notória ala de confinamento solitário de uma prisão de segurança máxima.
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O documentário resultante de 2014, com seis semanas de acesso destiladas numa hora excruciante de programa para a TV, é difícil de assistir. Os detentos se cortam com lâminas e esfregam sangue nas paredes e nas minúsculas janelas de suas celas. Eles jogam dejetos humanos por baixo das portas de metal. O barulho dos lamentos de miséria e fúria catatônica é infernal. É uma exposição crua de condições indignas de uma sociedade civilizada.
E isso era o que Ponte, que passou sua carreira tentando reformar o sistema prisional dos EUA, pretendia. Transparência, me disse Ponte recentemente, é um pré-requisito para a reforma. “Acho que abrir o processo – se realmente estamos comprometidos com a mudança – é um jeito saudável de dizer: ‘Todos concordamos que estamos neste ponto; agora, como melhoramos isso?’.”
Reforma é o novo pathos do sistema prisional norte-americano – basta acompanhar o coro dos políticos, a profusão de conferências de “cúpula de justiça” e a nova onda de atenção da mídia e das organizações filantrópicas. Os EUA parecem estar acordando para questões como o tormento do confinamento solitário, as sentenças draconianas, a brutalidade carcerária e a escassez de programas visando a preparação dos detentos para reentrar na sociedade.
Mas a glasnost de Ponte – perceber que a sociedade não conserta o que não pode ver – ainda é uma novidade nas instituições onde os EUA confinam 2,2 milhões de pessoas ao custo de US$ 70 bilhões por ano.
“Os muros e o arame farpado cercando as prisões agora parecem servir a um propósito duplo: manter os detentos dentro e o resto das pessoas, fora”, Jennifer Gonnerman escreveu recentemente para a New Yorker. “Os diretores das penitenciárias raramente permitem que jornalistas mostrem o interior de suas instalações, e alguns estados não permitem entrevistas com nenhum detento.”
“Os muros e arame farpado cercando as prisões agora parecem servir a um propósito duplo: manter os detentos dentro e o resto das pessoas, fora.” – Jennifer Gonnerman
Na maioria das prisões, repórteres que se colocam na lista de visitas de algum detento precisam entregar canetas, notebooks, gravadores e câmeras nos portões. Em ocasiões em que repórteres são convidados para entrar – como foram recentemente na companhia de visitantes famosos como o presidente Obama e o Papa Francisco –, eles veem as instalações em seu melhor comportamento.
Paul Wright, que começou o Prison Legal News enquanto cumpria uma pena de 17 anos por homicídio e hoje distribui o jornal mensal para milhares de assinantes nas cadeias, diz que o acesso a prisões só vem piorando nos últimos 30 anos. Ele suspeita que, enquanto as prisões lotam e as condições se deterioram, os carcereiros têm mais a esconder.
Julie Brown, que descobriu escândalo após escândalo no sistema prisional da Flórida, afirma que o Estado rejeita requisições de acesso alegando “segurança” ou “privacidade”.
“O sistema prisional da Flórida edita todo detalhe de espancamento ou negligência pela equipe da prisão sob o disfarce de que liberar esses detalhes viola leis federais de saúde e privacidade”, ela destacou. “Isso significa que, se um detento é espancado até perder a consciência e está em coma, eles nem sequer contatam a família porque a condição médica do detento é particular.” (O jornal dela, o Miami Herald, está lutando contra essa realidade no tribunal.)
Mesmo Ponte, que agora está tentando melhorar as condições do infame complexo prisional Rikers Island, em Nova York, tem sido muito menos receptivo aos repórteres do que foi no Maine, segundo vários jornalistas cobrindo a prisão.
Os melhores textos sobre as condições atrás das grades – o trabalho de repórteres investigativos como Brown, Gonnerman, Michael Winerip, Michael Schwirtz, do New York Times, e (perdoe meu orgulho) Tom Robbins, do Marshall Project – geralmente são feitos por cima da resistência das autoridades correcionais. Isso significa encontrar documentos perdidos na burocracia e convencer funcionários das prisões a entregar informação, o que pode gerar represálias.
Autoridades prisionais alegam que deixar os jornalistas entrarem é perigoso e perturba a segurança das instalações, embora a maior preocupação deles pareça ser com as relações públicas. Quando nossa repórter Beth Schwartzapfel tentou ter acesso a uma prisão em Maryland no ano passado para conseguir uma entrevista com Willie Horton (um assassino envolvido numa campanha assustadora que ajudou a eleger o primeiro presidente Bush), os oficiais argumentaram que entrevistar Horton seria glamourizá-lo e reviver a dor das vítimas. (Levamos nossa requisição ao governador e conseguimos a permissão, mas Horton decidiu falar por telefone, temendo que, se visto com um repórter, isso chamaria atenção indesejada dos guardas e de outros detentos.)
Autoridades correcionais sabem que mesmo histórias positivas podem ter resultados desagradáveis. Escreva sobre programas educacionais ou culturais que buscam preparar os detentos para voltar à sociedade – e pode se preparar para uma reação dos eleitores que consideram isso mimos e um desperdício de dinheiro dos contribuintes.
O comissário de Rhode, Island A.T. Wall, cujo sistema correcional estadual é considerado pelos jornalistas um dos mais acessíveis do país, define a transparência como uma questão de responsabilidade. “Se não estamos disponíveis para a mídia”, Wall falou ao Columbia Journalism Review, “se não permitimos que as pessoas vejam o que fazemos, vamos continuar perpetuando o estereótipo de que estamos comandando masmorras.” Histórias negativas, segundo ele, são “o preço desse tipo de negócio”.
Responsabilidade é parte disso. Só que talvez haja algo mais. O preço de manter os repórteres fora é que as prisões e as pessoas confinadas lá permanecem um mistério, uma caricatura, não inteiramente humanas. Sim, há predadores lá dentro, e inocentes trancafiados por engano são raros, mas não raros o suficiente. No entanto, 95% dos encarcerados vão retornar à sociedade, e o ciclo atual – os endurecer e os reciclar – é um desperdício e uma ameaça para a segurança pública. A menos que os homens, as mulheres e as crianças encarcerados sejam visíveis, o clamor pela reforma é insustentável – um momento, mas não um movimento.
DERRUBAR O SISTEMA DE FIANÇAS
Por Jonathan Lippman, juiz do Tribunal de Apelações de Nova York, como contado a Rory Tolan.
Neste ano, Kalief Browder, um jovem de Nova York, se enforcou no apartamento da mãe depois de ser libertado da prisão. Ele chegou lá quando era adolescente, em 2010, supostamente por roubar uma mochila, porém nunca foi condenado. Na verdade, a acusação, depois retirada, nunca chegou ao tribunal. Como muitos de seus colegas em Rikers Island, Browder ficou na cadeia por três anos – passando 400 dias na solitária – porque sua família não podia pagar sua fiança de US$ 3 mil.
Infelizmente, o caso de Browder é sintomático de um sistema de justiça atrasado que frequentemente considera alguém culpado até que se prove inocente. Estamos vendo protestos por todo os EUA contra a superlotação de prisões federais e estaduais – e pela necessidade de revisão de leis de sentença –, embora haja pouco ultraje com a superlotação de cadeias locais, onde os acusados podem acabar por anos enquanto aguardam julgamento. Foi preciso uma tragédia para colocar um rosto humano no problema; assim, agora, o público está começando a se perguntar por que estamos prendendo tantos homens, mulheres e crianças que não representam ameaça para a sociedade – pessoas que ainda não foram condenadas por um crime – apenas por elas não terem meios para pagar a fiança.
A questão da fiança deveria ser o cerne de qualquer debate sobre a reforma na justiça dos EUA, já que isso discrimina pessoas sem recursos. Em Nova York, a situação é particularmente ridícula, pois isso não só é injusto como inseguro. O regime legal do Estado exige que os juízes definam fianças baseadas no risco do acusado não aparecer no tribunal, mas proíbe que eles considerem o risco que essa pessoa representa para o público. Se a fiança é paga e o acusado sai livre, isso acontece apenas por causa de suas finanças. Se essa medida foi originalmente pensada para fazer isso, hoje o sistema de fianças não faz sentido e não serve o público.
“A questão da fiança deveria ser o cerne de qualquer debate sobre a reforma na justiça dos EUA, já que isso discrimina pessoas sem recursos.”
Pelo contrário, isso destrói vidas. No momento da acusação formal, 90% dos acusados – a maioria, enfrentando acusações pequenas não violentas – não podem pagar a fiança. Cerca de 50% nunca vão conseguir fazer isso. Na Cidade de Nova York, das dezenas de milhares de pessoas que não podem pagar e são deixadas apodrecendo atrás das grades todo ano, 70% são mantidas por US$ 1 mil ou menos. O grande impacto é nos trabalhadores pobres, que perdem seus empregos porque são presos repentinamente e obrigados a sentar numa cela por semanas, meses ou anos. As famílias sofrem, acabando na dependência de serviços sociais ou em situações muito piores devido ao desespero. Apenas uma pequena porcentagem dessas pessoas vai a julgamento. Enquanto suas vidas se desintegram, elas podem aceitar acordos injustos, mesmo quando são inocentes, apenas para poder sair. Aí elas acabam com a ficha suja, o que dificulta conseguir um emprego, as jogando numa pobreza ainda maior, o que, em muitos casos, acaba em reincidência.
Nos últimos anos, depois de várias propostas legislativas, eu peço encarecidamente ao Estado de Nova York e ao resto do país para restringir o sistema de fianças. Temos de nos livrar do impulso de encarcerar todo acusado enquanto seu caso continua pendente. Se eles não apresentam risco de fuga ou um perigo para a sociedade, eles devem continuar livres, esperando a resolução de seus casos. Nas acusações formais, os juízes devem ter espaço para oferecer alternativas à prisão – liberdade supervisionada, monitoramento eletrônico, programa de tratamento de abuso de drogas, entre outros. A norma atual, que é um senso de justiça ao contrário, vem com um preço moral tremendo, além do econômico: na Rickers, custa US$ 70 mil por ano prender uma pessoa que não consegue pagar a fiança, enquanto as alternativas seriam um fardo muito menor para os contribuintes.
Todavia, qualquer reforma dessas deveria realizar um objetivo moral: a eventual abolição da fiança em dinheiro. Washington, D.C. tem sido um modelo do que podemos fazer para eliminar essa instituição antiquada e discriminatória, com 90% dos acusados retornando ao tribunal para o julgamento. Devemos seguir o exemplo deles. Qualquer coisa menos que isso é uma farsa de justiça.
REFORMAR AS LEIS DE SENTENÇA
Por Nicole D. Porter, diretora de direito do Sentencing Projet.
Se os EUA querem diminuir sua população prisional, nosso país deve revisar seus esquemas de sentença. O Congresso e os corpos legislativos em quase todos os estados aprovaram leis – prisões mínimas obrigatórias, políticas de três ofensas que levam à prisão perpétua e provisões que negam a condicional – que mandam cada vez mais pessoas para a prisão e as encarceram por períodos cada vez mais longos. Além disso, a prisão de pessoas que violaram a condicional – muitas por violações técnicas, nem mesmo por crimes – dobrou nas últimas décadas, de uma em seis nos anos 80 para uma em três hoje. Os interessados em reforma devem exigir novas prioridades de segurança pública que diminuam sentenças excessivas, priorizem intervenções baseadas em evidências que reduzam o envolvimento de autoridades legais e estabeleçam iniciativas baseadas na comunidade em bairros com altas taxas de encarceramento que muitos réus não brancos chamam de lar.
Há razão para ser cautelosamente otimista, já que alguns estados viram reduções modestas devido a mudanças em práticas e leis de sentença. Nos anos recentes, a Califórnia modificou seus estatutos de três ofensas, permitindo que certos prisioneiros recebam uma nova sentença; Nova Jersey reduziu as sentenças por crimes ligados a drogas; e Nova York desviou certos condenados por crimes de drogas da prisão. Esses estados viram sua população prisional despencar em cerca de 25%, experimentando também quedas ainda maiores em crimes de propriedade e violentos. Em Nova York, a queda nos sentenciados por ofensas envolvendo drogas também contribuiu para uma menor disparidade racial entre mulheres presas, 90% delas afro-americanas ou latinas. Cortar as sentenças de prisão por pessoas sentenciadas por ofensas envolvendo drogas vai levar inevitavelmente a um declínio na disparidade racial geral.
Para abordar as desvantagens acumulativas experimentadas por réus não brancos, devemos, em particular, nos concentrar numa defesa pública que esteja centrada na reforma das sentenças e tenha como alvo intervenções para reduzir o contato com o sistema judicial. Primeiro, aprendendo com Califórnia, Nova Jersey e Nova York, devemos continuar diminuindo o tempo de prisão, mesmo para crimes mais sérios. Um ex-membro de gangue, preso aos 21 anos por assalto, poder ser uma pessoa muito diferente aos 30. Segundo, devemos priorizar iniciativas como a Nurse Family Partnership, um programa de visitação que mostrou que visitas a residências podem reduzir significativamente as taxas de prisão para crianças e suas mães. Finalmente, devemos priorizar recursos para fortalecer soluções de longo prazo para comunidades com altas taxas de encarceramento. Evidências mostram que aconselhamento psicológico oferecido a adolescentes sob risco pode reduzir futuros problemas com a lei.
REFORÇAR A DEFESA PÚBLICA
Por Jonathan Rapping, fundador e presidente da Gideon’s Promise e ex-membro da MacArthur Fellow.
Quando Hillary Clinton afirmou recentemente aos ativistas do Black Lives Matter “Não acredito em mudar corações, acredito em mudar leis”, ela revelou uma filosofia moldada por uma carreira na política. Condicionada a ver a resposta para todos os problemas pelas lentes da legislação, Clinton não imagina que seja possível alterar as suposições das pessoas. Mas os ativistas com quem ela falou entendem que a injustiça é dirigida pelos valores que abraçamos e que, para alcançarmos mudanças duradouras, nosso país precisa mudar como ele se sente sobre as minorias e os pobres. No sistema de justiça criminal, ninguém está em melhor posição para comandar esse esforço que os defensores públicos, que são a voz de 80% dos acusados de crimes.
Para cada pessoa que morre nas mãos da polícia, dezenas de milhares estão detidas em prisões sem um advogado com tempo e recursos para garantir que eles sejam tratados de maneira justa, como exige nossa Constituição. Muitos vão voltar à prisão e nunca realmente se reintegrar à sociedade. Essa rotina de injustiça causa muito mais caos nas nossas comunidades vulneráveis do que os exemplos mais flagrantes de violência policial. Só que a raiz desse abuso, seja nas ruas ou nos tribunais, é a mesma. Do outro lado da mesa, os profissionais de justiça são dirigidos por suposições sobre as minorias, os pobres e o tratamento que eles merecem, alimentando uma cultura de indiferença para com essas comunidades.
Como presidente da Gideon’s Promisse, trabalho com centenas de defensores públicos comprometidos em reescrever essa narrativa e dirigir uma reforma em lugares onde a promessa de justiça igual para todos não é cumprida. Apesar de trabalharmos principalmente com defensores públicos no sul do país, cada vez mais estamos atuando com escritórios de toda a nação, com pessoas comprometidas em mudar a maneira como o país vê a justiça para os pobres. Esses defensores lembram juízes, promotores e júris de quem nossos clientes são e como a justiça exige que eles sejam tratados.
Construir uma comunidade de defensores para atingir uma reforma sistêmica exige ensinar a eles muito mais que habilidades de advogado e doutrina legal. Para isso, os ajudamos a reconhecer forças que podem obrigar a aceitação de um status quo precário e acabar com a paixão de defensores comprometidos. Enquanto promotores e juízes frequentemente mostram o valor do acusado com base apenas nos fatos do suposto crime que ele cometeu, ensinamos nossos advogados a conhecer seus clientes muito além do caso, enfatizando a dignidade e a humanidade com que eles merecem ser tratados como uma rotina da prática de advocacia – seja durante negociações de acordo, determinação de fiança, julgamento ou audiências de sentença.
Infelizmente, a discussão atual tende a ignorar esses advogados e o papel importante que eles têm no combate à indiferença dos tribunais. Os políticos geralmente olham para uma solução legislativa imediata dos nossos problemas sociais e desconsideram qualquer esforço para mudar as mentes, mesmo que preconceitos sejam um fator real nos procedimentos dos tribunais.
Aqueles que se importam com a justiça devem exigir que os políticos se comprometam com os advogados dos pobres acusados de crimes. O financiamento da justiça criminal dos estados e localidades deve estar condicionado à demanda de defensores públicos a fim de que eles tenham uma carga de casos sustentável e os recursos adequados. Por causa de uma sobrecarga de casos, muitos defensores públicos têm apenas um tempo mínimo para passar com cada cliente, sendo obrigados a trabalhar sem investigadores e especialistas, profissionais essenciais na avaliação do mérito de uma acusação. As organizações que buscam promover a justiça social precisam comprometer fundos para defensores públicos em desenvolvimento para catalisar a reforma.
RESTRINGIR OS PROMOTORES
Por Marie Gottschalk, professora de Ciência Política na Universidade da Pensilvânia e autora de Caught: The Prison State and the Lockdown of American Politics.
O falecido William Stuntz, da Escola de Direito de Harvard, uma vez caracterizou os promotores como os verdadeiros legisladores da justiça criminal, porque o código penal lhes garante um enorme espaço de manobra. Mudanças no comportamento das promotorias nas últimas duas décadas levaram a um aumento da taxa de encarceramentos. Muito do crescimento em casos de prisão desde os anos 70 não foi resultado de decisões judiciais para aumentar o uso de sentenças de prisão. Foi devido ao aumento no número de crimes que os promotores apresentam diante dos tribunais e um aumento das penas por ofensas violentas.
Para reduzir as taxas de encarceramento, os promotores terão de ser convencidos ou pressionados a prender menos e a reduzir a duração das sentenças que buscam. Em alguns casos, uma legislação pode ser necessária para obrigar os promotores a abrir mão de alguns de seus poderes e tornar suas atividades e decisões mais responsáveis e transparentes para o público. No entanto, todos os caminhos para a reforma penal não precisam passar pelo Congresso dos EUA.
Procuradores-gerais têm uma autoridade substancial para determinar como promotores trabalham. A diferença pode ser muito grande entre os escritórios da promotoria. Essas diferenças explicam as variações marcantes nas taxas de encarceramento entre e dentro dos estados, das cidades e do país.
Os promotores dos EUA são, sem dúvida, os oficiais mais poderosos da justiça criminal do país, os menos compreendidos e os menos transparentes. A maioria de suas decisões não pode ser revista. Enquanto os governos estaduais e o federal modificavam suas estruturas de sentenças nos anos 80 e 90 para reduzir a discrição judicial, mais discrição e poder fluiu para os promotores. Com a proliferação de sentenças mínimas obrigatórias e políticas pesadas, além da contração de recursos legais para defensores públicos, o já enorme poder de acusação e de barganha de acordo dos promotores se expandiu ainda mais. Vários precedentes aumentaram seus poderes.
Os promotores não só ficaram mais duros como também criaram organizações poderosas para representar seus interesses e coordenar suas atividades políticas. Eles também forjaram alianças com outros grupos de autoridades e ajudaram a criar um movimento conservador pelos direitos das vítimas, cuja premissa se baseia na visão de que só um lado pode ganhar. Recentemente, promotores se tornaram os maiores oponentes de reformas em sentenças e outras penas.
Mudando seu comportamento, os promotores poderiam ter um impacto profundo nas taxas de encarceramento e reduzir disparidades raciais em sentenças, mesmo sem mudanças estatutárias. Por exemplo, eles poderiam mudar a acusação padrão de “causa provável” para “probabilidade de condenação”. Ou poderiam tomar uma decisão política de não processar acusados de crimes menores. O promotor geral do distrito de Milwaukee, John Chisholm, escolheu não processar infratores primários pegos com acessórios para uso de drogas. A posse de pequenas quantidades de maconha foi essencialmente descriminalizada no Brooklyn graças ao promotor Kenneth P. Thompson. Que incentivos os promotores têm para agir de maneira menos punitiva agora? Com as prisões comendo uma grande porção do orçamento do governo, eles enfrentam a perspectiva do encolhimento de recursos para seus escritórios. No entanto, eis o mais importante: políticas são uma questão de obrigar incentivos para a mudança. Até agora, os promotores têm enfrentado pouca pressão política para fazer isso.
Ainda assim, o foco não pode ser apenas em políticas eleitorais. Grupos de reforma precisão pressionar as promotorias para tornar as ações delas mais transparentes. Uma coalizão pela reforma lançou Seth Williams, o primeiro procurador-geral afro-americano da Filadélfia, que sucedeu a procuradora de longa data Lynne Abraham, a qual se autoproclamava “durona”. Só que, desde que tomou a cadeia em 2010, Williams enfrentou pouquíssima reação política enquanto implementava uma direção de “lei e ordem”.
Uma reforma abrangente das sentenças não será o suficiente por si só para reverter a explosão nas prisões, pois o sistema de justiça criminal se adapta rapidamente. Tentativas de reduzir a população prisional vão continuar sendo complexas e fúteis, a menos que a cultura das autoridades mude radicalmente.
Promotores continuam os jogadores mais importantes. Mas, até agora, eles encaram pouca pressão política para redefinir seus papéis.
PROTEGER OS DETENTOS
Por Nancy G. La Vigne, diretora do Justice Policy Center do Urban Institute, e Janine M. Zweig, membro do Justice Policy Center.
O presidente Obama criticou recentemente a cultura norte-americana por aceitar piadas de estupro na cadeia. Durante seus comentários, ele disse que os presos deviam ter a oportunidade de refletir sobre suas vidas, reconhecer seus erros e fazer planos para um futuro melhor e mais produtivo.
Entretanto, experiências reais com violência no encarceramento voam na cara desses objetivos e minam um dos principais propósitos de se cumprir pena: reabilitação. Indivíduos presos têm direito fundamental à segurança pessoal, e qualquer coisa diferente disso contraria seus direitos constitucionais. Além disso, segurança pessoal é a uma condição para a reabilitação.
Ainda assim, de acordo com o National Inmate Survey, de 2011 a 2012, cerca de 4% dos detentos estaduais e federais e 3% dos detidos em cadeias locais relataram abuso sexual por outro detento ou por funcionários. E as taxas de abuso sexual em instalações para delinquentes juvenis são o dobro das dos adultos. Segundo a National Survey of Youth in Custody, cerca de 10% dos jovens detidos já relataram um ou mais incidentes de abuso sexual em 2012.
Sabemos menos sobre as taxas de outros tipos de violência atrás das grades, porém uma pesquisa com cerca de 7.200 detentos (homens e mulheres) descobriu que 21% deles contaram ter experimentado violência física entre detentos – incluindo ser ameaçado ou ferido com faca ou estilete, ser estapeado, socado, chutado ou mordido.
O que podemos fazer para garantir a segurança a fim de que os detentos se sintam livres para se engajar em condutas produtivas? Um lugar para começar é o design físico. Oportunidades para cometer violência atrás das grades podem ser reduzidas através de características arquitetônicas que garantam mais visibilidade para os detentos, tanto nas celas como em áreas comuns, além de aumentar a segurança de áreas que podem se tornar locais de violência. Visitamos uma prisão onde aprendemos que passos simples, como fazer a segurança da sala de limpeza e remover os cabos de vassouras, funcionavam.
Essas características arquitetônicas e de segurança também incorporam tecnologia como câmeras de segurança. Nossa própria pesquisa em prevenção de violência em instalações prisionais descobriu que celas podem ser locais particularmente vulneráveis para violência, autoflagelação e contrabando. Câmeras não podem ser apontadas para celas por razões de privacidade, embora posicionar câmeras em pontos cegos e outras áreas vulneráveis aumente a percepção de segurança pessoal para os detentos.
“Mas experiências reais com violência durante o encarceramento voam na cara desses objetivos e minam um dos principais propósitos de se cumprir pena: reabilitação.”
Todavia, não é apenas o ambiente físico que torna as instalações correcionais seguras – são as pessoas trabalhando ali. Num estudo com detentos com problemas mentais, descobrimos que treinar a equipe para identificar detentos em crises e direcioná-los para serviços de tratamento pode ter um impacto positivo na forma como eles abordam seu trabalho e interagem com os detentos. Administradores correcionais precisam encontrar maneiras de treinar, motivar e incentivar os funcionários para que eles abordem seu trabalho com o mais alto grau de profissionalismo, além de estabelecer medidas de responsabilização e metas.
Os detentos também têm um papel na prevenção da violência. Baseados nos esforços para reduzir a agressão sexual em faculdades, nós sabemos que o treinamento em intervenção de testemunhas mostrou algum sucesso. Abordagens similares podem ser adaptadas para as prisões. Esses treinamentos podem ensinar os detentos como prevenir e interromper situações de risco, também podendo ajudar a criar uma cultura que rejeite a violência sexual. É crítico para essa abordagem fornecer aos detentos uma maneira segura e confidencial de dar queixa de funcionários – sem medo de represália ou retaliação – se eles não se sentirem seguros para intervir por si mesmos.
Independentemente do que os colocou lá, todos que se acham atrás das grades têm o direito humano básico de cumprir suas sentenças num ambiente seguro. Para colocar a reabilitação no centro da experiência de encarceramento, as instalações devem adotar um design apropriado e treinamento para garantir que qualquer um que entre ou saia dali tenha uma chance de seguir para um futuro melhor.
REINTEGRAR OS LIBERTADOS
Por Scott Budinick, produtor de cinema e fundador da Anti-Recidivism Coalition.
Cerca de dez anos atrás, um amigo da indústria do cinema me convidou para participar de uma oficina literária no Sylmar Juvenile Hall, em Los Angeles County, com o programa InsideOUT Writers. Imediatamente, me inscrevi para dar aulas e comecei a visitar casas de detenção juvenis semanalmente como mentor de jovens encarcerados. Enquanto eu criava comédias em Hollywood, testemunhei em primeira mão como o ciclo de trauma, crime, encarceramento e reincidência destrói indivíduos, famílias e comunidades de Los Angeles.
Mas também vi um poder de recuperação incrível. Vi que, com apoio e encorajamento, jovens de quem o sistema estava pronto para desistir puderam mudar suas mentes, deixar o crime para trás e contribuir positivamente com suas comunidades. Aprendi que muitos indivíduos encarcerados querem mudar suas histórias e começar a compensar a dor e a destruição que seus crimes causaram. Eles só precisam de uma chance. Então, deixei Hollywood em 2013 e fundei a Anti-Recidivism Coalition.
A ARC trabalha para reduzir a reincidência de três maneiras: fornecendo a ex-presidiários uma rede positiva de colegas de sucesso, que ajudam uns aos outros nos desafios da reentrada; os conectando a oportunidades educacionais, profissionais e econômicas para ajudá-los a ter sucesso; e os empoderando para servir como defensores de políticas justas, que diminuam o encarceramento e melhorem os resultados de reentrada.
Para ajudar ex-detentos a ter um futuro melhor, os EUA precisam prepará-los para entrar na força de trabalho e apoiá-los em empregos seguros. Nosso país precisa desenvolver programas de treinamento que forneçam certificações úteis que os levem a posições bem pagas e satisfatórias. Temos de expandir as oportunidades de emprego através de parcerias significativas com grandes empresas, associações comerciais e sindicatos.
Os indivíduos com quem trabalho são motivados, otimistas e comprometidos em enfrentar o que vem pela frente. Eles frequentemente chegam ao trabalho 30 minutos antes e saem 30 minutos depois. Eles trabalham duro e mais rápido que seus colegas na indústria do cinema. Eles merecem a chance de um trabalho significativo e o direito de ganhar tanto quanto aqueles que não cometeram crimes.
Entretanto, para se aterem a educação e emprego, ex-detentos precisam primeiro de moradia estável. Quando libertados, a maioria retorna para os mesmos bairros que os levaram ao crime em primeiro lugar ou, o que é pior, não têm uma casa para onde voltar. Para abordar essa necessidade, a ARC desenvolveu um modelo de moradia inovador em parceria com o sistema de Faculdades Comunitárias da Califórnia que fornece moradia, apoio acadêmico, aconselhamento psicológico e outros programas para ex-detentos num campus de faculdade. A ARC desenvolveu esse modelo em resposta aos membros, que identificaram habitação como sua maior necessidade.
Todos nós queremos ser parte de uma sociedade que ofereça segundas chances e oportunidades para indivíduos procurando redenção. O modelo único de trabalho da ARC combina apoio, oportunidades e advocacia efetiva para mudar vidas e construir comunidades seguras e saudáveis. O sucesso do nosso modelo fica evidente pela baixa reincidência dos membros: menos de 5%. Basta comparar com a taxa registrada em três anos na Califórnia: mais de 60% nos homens e quase 50% das mulheres.
CONSTRUIR AS ALTERNATIVAS
Por Raphael Sperry, presidente do Architects/Designers/Planners for Social Responsability, e Deanna Van Buren, diretora do FOURM Design Studio.
A demanda crescente por reforma prisional levanta muitas questões sobre nosso sistema de justiça, mas a forma literal – sua estrutura física – geralmente é esquecida nessas discussões.
Enquanto legisladores, ativistas e membros da comunidade pressionam por alternativas ao encarceramento, também precisamos repensar os espaços onde conduzimos justiça. Ondas anteriores de reforma penal foram acompanhadas por novos estilos de prisão: das primeiras penitenciárias do século 19 (um tipo de construção inovador para a época) aos blocos de celas “casa grande” da era da Proibição, passando pelos armazéns e pelas áreas comuns que vimos nas décadas recentes. Só que a demanda hoje por prédios é diferente. Como nossa organização (Architects/Designers/Planners for Social Responsibility) previu há muito tempo, a criatividade e os recursos que entraram na construção de prisões novas e “melhores” criaram os horrores do encarceramento em massa que estamos começando a desfazer. Precisamos construir algo inteiramente diferente, e não prisões melhores, para consertar o problema.
Arquitetos e designers estão começando a identificar como novos tipos de estrutura em comunidades podem melhorar a eficácia de abordagem alternativa do crime. Uma dessas abordagens é uma justiça restauradora, um processo de pacificação que coloque as reparações a critério das vítimas, não do sistema. Em vez de punir criminosos com uma sentença de prisão arbitrária, programas de justiça reparadora enfatizam a necessidade de reconciliar os criminosos e as vítimas para reparar seus crimes de maneiras concordadas pelas comunidades.
Muitos desses programas, ganhando impulso em cidades de todo o país, acontecem agora em prédios de agências públicas que podem prejudicar seus objetivos. Por exemplo, ter a vítima e o perpetrador se encontrando nos tribunais ou na delegacia de polícia pode dar o tom errado: isso pode fazer todos se sentirem como suspeitos, e tipicamente não existem espaços para que os participantes possam falar a sós. Tirar as pessoas de seu bairro para um local de autoridade reforça a mensagem de que o sistema de justiça está acima da vítima e do criminoso.
Em Syracuse, Nova York, o Near Westside Peacemaking Project, do FOURM Design Studio e do Center for Court Innovation, é um exemplo novo de design para programas de justiça alternativa. Para integrar práticas de pacificação em áreas com altas taxas de criminalidade, um prédio já existente na comunidade foi readaptado. O FOURM e o CCI criaram uma área de pacificação dentro de uma sala de um centro comunitário e construiu espaços de reflexão, uma cozinha para partilhar o pão e uma sala de consultas um a um com pacificadores designados. A integração de materiais naturais macios e arte local fornece uma sensação doméstica e pessoal, que se encaixa num processo de justiça que objetiva recuperar relacionamentos. O centro fornece território neutro para esses diálogos e é apropriadamente integrado ao bairro, tanto em tamanho como em localização. Aumentar a abordagem de pacificação não significa necessariamente construir centros maiores – isso exige uma observação atenta dos bairros e de cidades inteiras para entender os desafios e oportunidades locais. Em Oakland, Califórnia, o FOURM e o Institute for the Future trabalham com assistentes sociais, autoridades e o governo local para criar um Mapa de Justiça Reparadora para a cidade. Isso identifica áreas onde há falta de serviços públicos e propõe uma rede de novos centros que juntam vários programas alternativos para abordar crime e violência. Outras intervenções incluem espaços projetados para melhorar a segurança do bairro e expandir escolas públicas em centros comunitários que possam fornecer saúde, educação para adultos e outros serviços que aumentam a coesão social.
O design de espaços para alternativas ao encarceramento está apenas começando a se desenvolver, o que torna esses projetos empolgantes mas também desafiadores. Eles têm poucos precedentes; então, o planejamento deve incluir um engajamento extenso com a comunidade para ganhar entendimento das necessidades que todos devem abordar – os usuários finais são os verdadeiros especialistas aqui. Envolver a comunidade cria um espírito de parceria e respeito, o que é essencial para fazer um impacto duradouro na segurança pública.
Em seu pior, o design de prisões contribui para violações de direitos humanos – uma perspectiva que a ADPSR trabalha para evitar através de uma proposta em que arquitetos se negam a projetar câmaras de execução e espaços de confinamento solitário. No entanto, mesmo na melhor das hipóteses, o design de prisões só responde ao crime e à violência depois que eles ocorrem. Arquitetura, design e planejamento no geral buscam resolver problemas antes que eles ocorram. A reforma na justiça criminal exige esforços profissionais para o design de espaços onde a justiça pode ser feita ao ar livre, não atrás de grades.
NÃO FAZER PRISIONEIROS
Por Mariame Kaba, fundadora e diretora do Project NIA.
Em 2015, é difícil imaginar uma instituição mais prejudicial que uma prisão. Com relatos frequentes de abuso sexual pelos funcionários, greves de fome por parte daqueles que se opõem ao confinamento solitário e muitas mortes sob custódia, as prisões perpetuam a violência e são antiéticas para a segurança pública.
“Em 2015, é difícil imaginar uma instituição mais prejudicial que uma prisão.”
Em 2003, a ativista e estudiosa Angela Davis sugeriu que “nosso desafio mais difícil e urgente é explorar criativamente novos terrenos de justiça, onde a prisão não sirva mais como nossa âncora principal”. Doze anos depois, essa advertência é mais urgente e relevante do que nunca. Encarando a maior população prisional do mundo, políticos dos EUA, desde Newt Girgrich até Hillary Clinton, estão abraçando retoricamente a ideia de que o encarceramento em massa nacional é um problema. Mesmo assim, poucas pessoas estão prontas para declarar que prisões são fundamentalmente destrutivas e estão além de reformas. Sendo assim, é nosso dever reimaginar coletivamente uma maneira mais viável e humana de abordar nossos problemas sociais além de jaulas infinitas. Por essas e mais razões, sou uma abolicionista das prisões.
Sim, alguns indivíduos presos causaram grandes danos para pessoas e comunidades. Isso não pode ser minimizado. É exatamente por isso que defendo a necessidade de criar estruturas baseadas na comunidade para abordar os danos e mediar conflitos. Como sobrevivente de violência, quero comunidades mais seguras. É um fato que a maioria das pessoas que causam danos nunca será presa. Construir estruturas baseadas na comunidade vai permitir que nos centremos nos danos que nosso sistema atual de policiamento e punição ignoram, negligenciam e são incapazes de resolver.
De Ferguson a Baltimore, de Rikers Island a Guantánamo, nossa nação-prisão fornece precariedade cara e violência. Mas as intervenções atuais consideradas “alternativas ao encarceramento” – incluindo programas de tratamento de vício em drogas, acampamentos correcionais, supervisão baseada na comunidade ou condicional, monitoramento eletrônico e serviço comunitário – ainda dependem de vigilância, contenção e, às vezes, punição. Precisamos criar novas formas de justiça, definidas por princípios de respeito, inter-relação e mutualidade. E precisamos nos perguntar: as prisões são obsoletas?
Claro, abolir prisões não é algo que pode ser alcançado facilmente, porém temos um movimento de responsabilização crescente sobre o qual podemos construir isso. Organizações e grupos, como Critical Resistance, Black & Pink, We Charge Genocide, Common Justice, Audre Lorde Project e minha organização, Project NIA, entre muitas outras, estão praticando essa abolição todos os dias. Fazemos isso criando projetos locais e iniciativas que oferecem ideias e estruturas alternativas para mediar conflitos e abordar danos sem recorrer à polícia ou às prisões.
Quando falo de abolição, não estou exigindo o fechamento imediato de todas as instalações correcionais (apesar de podermos acelerar o processo, abolindo fiança em dinheiro, por exemplo). Os abolicionistas que conheço entendem que, como sociedade, sempre vamos precisar responsabilizar pessoas que causarem danos repetidamente. Parte do nosso trabalho, então, deve ser criar as condições necessárias para assegurar a possibilidade de um mundo sem prisões. Há muitas perguntas inquietantes que devemos responder, embora possamos fazer isso juntos. Devemos, vamos e já estamos fazendo.
Tradução: Marina Schnoor.