As notícias são ruins. Isso vai ser verdade não importa em que dia você ler isto.
As manchetes parecem arrancadas de um set de filme de terror distópico e enfiadas na internet. Rabiscadas enlouquecidamente numa parede de hospital abandonado num minuto, no topo da seção ambiental do jornal no outro.
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“Insetos ‘não têm onde se esconder’ das mudanças climáticas”, “O colapso da civilização está no horizonte”, “Estamos condenados”: essa linguagem se tornou normalizada enquanto nosso clima vai mudando. O fim pode parecer extremamente próximo.
Recentemente foi revelado que os maiores produtores de energia da China pediram sinal verde do governo para construir até 500 novas usinas de queima de carvão. Se o plano for concluído, ele vai basicamente destruir os esforços para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau.
Para todo mundo que escreve sobre mudanças climáticas ou fica obcecado com as notícias, é fácil se sentir sobrecarregado.
“Isso é inevitável”, diz a psicanalista e escritora climática Sally Weintrobe, quando a encontrou para tomar uma xícara de chá na casa dela no norte de Londres. “Se sentir sobrecarregado dá ao problema o respeito que ele merece.”
O mais importante, segundo Weintrobe, é o que fazemos com esse sentimento. Batemos em retirada para o conforto dos amigos e família? Decidimos não nos importar e passamos o resto das nossas vidas riscando itens da nossa lista de coisas pra fazer antes de morrer? A mudança do clima é uma crise global com consequências globais. Resolver isso vai exigir um esforço tremendo. Será que devemos mesmo tentar?
“Acho que não devemos ter medo de nos sentir sobrecarregados, e acho que não devemos ter medo de compartimentalizar também”, diz Weintrobe. “Isso é parte de cuidar de você. É o que chamo de ‘gerenciamento do coração’. O trabalho é encontrar o momento em nos afastamos disso pelo nosso coração, e quando nos afastamos porque não sabemos sobre isso, ou para podermos voar para a Austrália, ou algo assim.”
Weintrobe deu uma guinada em sua carreira nos últimos anos para tentar entender como uma abordagem psicanalítica pode melhorar nosso entendimento da crise climática e nossa resposta coletiva a ela. Ela estava interessada em como nossa ansiedade e sentimento de inquietação podem se infiltrar na sociedade, eventualmente moldando nossas políticas ambientais.
“Essa questão pega pesado com nossos sentimentos, e é mais difícil porque não temos muito apoio”, ela diz.
Weintrobe já escreveu que o legado das discussões climáticas fracassadas em Copenhague em 2009 foi a percepção coletiva de que “nossos líderes não estão cuidando de nós… eles não se importam com a nossa própria sobrevivência”.
No Reino Unido, por exemplo, depois de uma semana vendo os parlamentares não chegarem a lugar nenhum sobre o Brexit, colocando a economia britânica e o fornecimento de equipamentos médicos essenciais em perigo, a sensação de que nossos líderes estão pouco se fodendo com a gente é palpável.
O fato de que companhias e políticos mentem e ofuscam a verdade rotineiramente sobre as mudanças climáticas é um grande gatilho de ansiedade, e pode nos deixar sentindo que ninguém se importa. Grandes empresas de petróleo jogam dos dois lados na questão climática, investindo em energia renovável enquanto desfazem proteções ambientais importantes.
Esse pensamento duplo é enlouquecedor. As pessoas e organizações mais poderosas do planeta mentem sobre uma crise que ameaça a todos. Então não é surpresa ficarmos preocupados. Não é surpresa que o mundo pareça uma grande zona. Mas o que podemos fazer? Todo mundo pode virar vegan, mas como isso afetaria as decisões do governo chinês? Pra que fazer isso então? Cadê a lista das coisas que quero fazer antes de morrer?
“Para pensar sobre mudanças climáticas de um jeito que seja eficiente, precisamos sentir tudo isso também”, argumenta Weintrobe. “E isso é muito difícil se não queremos dissociar dos nossos sentimentos.”
Encarar o desafio das mudanças climáticas, então, é como encarar o desafio de outras situações impossíveis que a vida joga na nossa frente: a morte de um amigo próximo, o fim de uma relação, caos político. Ser tranquilizado pelo conhecimento que algo pode ser feito. Que as pessoas já estiveram em situações terríveis antes e superaram.
Em 1939, o escritor alemão Bertolt Brecht escreveu o poema “Maus tempos para poesia”, tanto como uma crítica a Hitler – que ele chamava de “pintor de paredes” – como uma celebração da vida e do espírito humano.
Em mim lutam
O entusiasmo pela macieira em flor
E o pavor com os discursos do pintor de paredes
Mas só este último
Me impele à escrivaninha.
O desafio é aceitar o mundo como ele é e viver nele. Realmente viver. Pegar tudo que está acontecendo agora e tentar melhorar as coisas. Mostrar nossa raiva para as pessoas causando essa bagunça e trabalhar para fazer algo sobre isso.
Joe Sandler Clarke é um repórter da Unearthed.
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