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Como o Site de Videogames Giant Bomb Superou a Morte de um de seus Fundadores

O logo do Giant Bomb.

Em julho de 2013, o Giant Bomb, o melhor site de videogames na opinião deste escritor, parecia estar condenado. Ryan Davis, editor, fundador do site e uma presença marcante no mundo do jornalismo de games, morreu repentinamente dormindo aos 34 anos, deixando para trás uma esquipe devastada e uma comunidade em choque.

“Muitos sabem que Ryan tinha acabado de se casar. Diante dessa tragédia, muitos de nós vamos lembrar dele como o vimos pela última vez: obscenamente feliz, ansioso por essa nova aventura da sua vida, com o maior sorriso possível no rosto”, escreveu o gerente de produto Matthew Rorie no obituário publicado no site. “O consolo que podemos tirar disso é minúsculo comparado com a ausência de Ryan nas nossas vidas. Esse não é um vazio possível de preencher; é algo com que vamos ter de nos acostumar, e isso não vai acontecer tão cedo.”

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O Giant Bomb não é como os outros sites de videogame. Ele foi fundado em 2008 pelos ex-empregados do Gamespot Jeff Gerstmann, Davis, Brad Shoemaker e Vinny Caravella depois de Gerstmann ter sido demitido por uma ruptura entre ele e a equipe de marketing da página de games. O novo site criou uma marca distinta de jornalismo comandado pela personalidade. O Giant Bomb talvez tenha sido a primeira publicação profissional a mostrar horas de jogo, indo contra as revisões pré-divulgadas muito antes da ascensão do PewDiePie e do Twitch. Seus “bombcast” extensos se tornaram lendários, uma dose consistente de comentários voltados para os jogos e piadas aleatórias. Os longos especiais, comentando games como Persona 4 e a série Metal Gear, são o lanche da madrugada para almas solitárias em frente a monitores de computador do mundo inteiro. Em seus melhores momentos, o Giant Bomb não era um site. Era você e seus amigos. Zoando e jogando videogame.

A morte de Davis não deixou apenas um vão no editorial do Giant Bomb – isso mudou a identidade do site. Ele era o anfitrião, a força risonha por trás do ponto de vista peculiar do site. Ele era barulhento, profano e muito, muito feliz. Ouvi Davis falar sobre videogames durante toda minha vida adulta. E, de repente, ele não estava mais lá.

Ryan Davis, via Giant Bomb.

“Lembro-me exatamente de onde eu estava: num ônibus de Ontário para Nova York. E a notícia me deixou devastado”, relata Austin Walker, editor sênior de notícias do Giant Bomb, que foi contratado no começo deste ano. “Foi muito estranho. Eu não conhecia Ryan; então, por que estava sentindo isso como uma perda pessoal? Eu já tinha visto celebridades morrerem antes e senti uma pontada de tristeza, só que com Ryan Davis foi como um soco no estômago. Quando saí do ônibus em Nova York, eu ia ficar na casa de amigos. E tentei dizer [a eles] por que estava tão abatido e como era estranho que alguém que eu nunca tinha conhecido pudesse me afetar assim. Era como se eu tivesse perdido meu tio favorito.”

A história de Austin é parecida com outras de milhares de leitores e ouvintes do Giant Bomb. Isso mostra como o poder da publicação online e o etos carinhoso de Davis sacudiram vidas no mundo todo. Essa não era uma notícia, não era uma curiosidade; era nosso amigo. É difícil pensar num site que tenha uma conexão mais íntima entre a equipe e a comunidade.

“Foi uma época louca para nós internamente”, diz Gerstmann, editor-chefe do Giant Bomb. “Não havia um plano, tipo: ‘Quando vamos voltar ao trabalho?’. Na maioria das outras publicações, você nem imaginaria como uma morte afetaria os leitores.”

É estranho dizer isso, porém, falando mecanicamente, a morte de Davis não poderia ter vindo numa hora pior. O editor sênior de notícias na época, Patrick Kleper, que não está mais na empresa, estava se mudando para Chicago. O editor sênior, Alex Navarro, tinha acabado de se mudar para Nova York, e o produtor de vídeo de longa data do site, Caravella, se juntou a ele menos de um ano depois. Isso deixou o Giant Bomb, um site que sempre contou com relacionamentos impecáveis, esvaziado.

Uma foto antiga de Vinny Caravella via Giant Bomb.

“Tínhamos falado em espalhar o conteúdo por diferentes escritórios com diferentes personalidades para poder liberar conteúdo ao mesmo tempo sem necessariamente competir. Quando voltei a Nova York, era uma oportunidade de testar essa ideia”, conta Caravella, uma das personalidades centrais do Giant Bomb. “Claro, quando o Ryan morreu, foi um choque para todos nós. Naquele ano… não quero dizer que ligamos o piloto automático, mas fazíamos isso há tanto tempo que tirávamos conforto em gravar o podcast e tudo mais. Era uma sensação de normalidade para nós. Era quase como comida de conforto.”

Esse desejo de normalidade é repetido por Gerstmann. Ele e Davis se conheciam desde adolescentes. Eles saíam juntos, tocaram em bandas juntos – e muito antes de trabalharem juntos.

“Eu queria voltar ao trabalho”, frisa Gerstmann. “Era aquela situação em que, se ficar parado, você fica louco. Eu precisava manter as coisas funcionando.”

“Construímos algo de que tenho orgulho… há momentos depois de 20 anos de ameaças de morte e brigas em fóruns que você perde as coisas de vista, mas eu realmente amo o que faço.” – Jeff Gerstmann

O ano e a mudança depois da morte de Ryan Davis foram marcados por um grande vazio. Entre todas as ações, o luto e a nova vaga na equipe, não havia muito conteúdo sendo publicado no site. Foi triste, porém não dava para culpar os caras. O Giant Bomb clássico – Ryan, Vinny, Jeff e Brad – não podia mais existir. Para as pessoas de dentro e de fora, ajustes eram necessários.

“Eu me impressionava com cada dia em que o Giant Bomb continuava existindo”, admite Caravella. “Para nós, parecia que tínhamos acabado de começar. Foram tantos obstáculos, tanta ‘estranheza’, na falta de um termo melhor. Estamos sempre falando sobre como conseguimos superar essa época. Quando Ryan morreu, ficamos pensando que esse era o final natural das coisas. Lembro-me de conversar com Jeff no final do ano, exausto, e dizer: ‘Não acredito que conseguimos’. A combinação inicial de pessoas: Ryan, Jeff, Brad… havia algo ali. Agora, temos Dan [Ryckert], Jason [Oestreicher], Austin e Alex, que são incríveis. Mas aquele grupo inicial era especial.”

Gerstmann mencionou em seu Tumblr que houve momentos em que ele considerou desistir do site que construiu. No entanto, ele conseguiu encontrar a luz no fim do túnel.

“Construímos algo de que tenho orgulho, gosto das pessoas que temos, gosto da comunidade”, destaca Gerstmann. “Há momentos depois de 20 anos de ameaças de morte e brigas em fóruns que você perde as coisas de vista, mas eu realmente amo o que faço.”

Uma foto não muito recente de Jeff Gertsmann via Giant Bomb.

Só que o Giant Bomb está numa boa posição agora. A contratação de Dan Ryckert e Austin Walker trouxe a nova energia que o site precisava depois de um ano de transição. O entusiasmo de Ryckert é implacável. A crítica de Walker é erudita e racional. Juntos, eles garantem que o site terá um futuro.

“Contratar é como fazer uma escalação de elenco”, explica Gerstmann. “Pedimos fotos e um vídeo da pessoa falando para a câmera. Precisamos de alguém que sente com a gente e se misture no podcast. É um grande desafio. Queremos alguém que traga algo novo, embora ainda garanta que estamos todos no mesmo barco. É incrível como é difícil contratar alguém para isso.”

Merecendo ou não, Ryckert sempre estará ligado à versão pós-Ryan do Giant Bomb. Ele foi a principal contratação do site depois da morte de Davis, herdando seu posto de editor sênior. Uma voz nova na criatividade, no podcast e no que é o Giant Bomb.

“Sou nostálgico, sinto muita falta do Ryan, e aqueles foram tempos incríveis… mas não quero voltar. Olho para o futuro construído sobre o passado.” Vinny Caravella

“Queria ter conhecido Ryan melhor”, lamenta Ryckert. “Sempre que conversei com ele, ele foi o cara mais legal e engraçado do mundo. Nunca me considerei um substituto, e isso nunca foi apresentado assim para mim. Sou só o cara novo. Falo publicamente sobre meus problemas com ansiedade, e fazer esses painéis e ficar na frente da câmera pode ser enervante, mas gosto de expor minha personalidade. Adoro luta livre, sempre gostei da ideia dessas grandes personalidades, porém eu nunca poderia ser um lutador porque sou magrelo e fracote. Quando cheguei ao Giant Bomb, pude finalmente ser isso. Foi libertador para mim.”

Walker é um fã das antigas do Giant Bomb e agora é um membro do time. Ele é responsável por criar a mesma relação exaltada entre a comunidade e a personalidade pela qual ele se apaixonou anos atrás. “Tenho momentos surreais nos quais estou saindo do escritório e digo ‘Bom final de semana, Vinny’ para um cara a que eu assistia quase todo dia”, ele comenta. “Eu sabia que tinha de demarcar uma linha entre me apresentar honesta e apaixonadamente e forçar a barra para me encaixar – ou parecer estar forçando a barra. Andar nessa linha é importante.”

O Giant Bomb nunca vai voltar a ser o site que era, embora ele continue aí. Eles taparam os buracos, estão fazendo piadas, estão gravando o podcast toda quinta-feira. A morte de Ryan sempre vai pairar sobre o site. É algo de que não dá para escapar, mas o mundo continua girando.

“Isso é minha vida. Vi empresas descerem pelo ralo porque perseguiam nostalgia, estavam tentando recapturar algo preso no passado”, aponta Caravella. “Sou nostálgico, sinto muita falta do Ryan, e aqueles foram tempos incríveis. Mas isso informou tudo desde então. Tudo que Rayn me passou está sempre na minha cabeça. Tenho muita sorte de ter sido amigo dele, mas não gostaria de voltar. Olho para o futuro construído sobre o passado.”

A equipe do Giant Bomb ficou de luto, chorou, sofreu e viu que isso era algo que valia a pena continuar. Eles seguiram em frente.

@Luke_Winkie

Tradução: Marina Schnoor

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