Como é ser um sensitivo

Ilustrações por Joel Benjamin.

Procurando matérias sobre “sensitividade” na internet, você vai ver que elas têm milhares de likes e compartilhamentos no Facebook e, nos comentários, várias pessoas dizendo que também são sensitivas. Embaixo de “30 sinais de que você é sensitivo” ou “6 dicas importantes para sensitivos e pessoas muito sensíveis”, o pessoal lamenta ter nascido sensitivo, recebe os sensitivos novatos — ou, no caso de um comentarista, aponta que “Uma das coisas mais difíceis de ser sensitivo e perceber que nem todo mundo é”. Mas o que é um sensitivo, e por que tantas pessoas no mundo acham que são?

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Para resumir, os sensitivos dizem sentir as “coisas” das outras pessoas como se fossem deles. A maioria não percebe que é sensitivo porque não consegue distinguir entre seus próprios problemas físicos, pensamentos e emoções e o dos outros. Quando a pessoa não é diagnosticada, uma consequência é que a vida dela acaba inconscientemente influenciada pelos desejos, pensamentos e humores dos outros.

Caroline Van Kimmenade, que realiza cursos para sensitivos que querem entender seu poder e viver melhor, compara essa transferência de energia com algo que todo mundo pode experimentar. “É como num jogo de futebol quando todo mundo fica empolgado junto, essa coisa da multidão acaba te levando e você nem se dá conta”, ela explica. “Todo mundo pode experimentar isso, mas isso não quer dizer que todo mundo é sensitivo. Para um sensitivo, isso é multiplicado e aplicado a tudo, o tempo todo. Sensitivos estão constantemente num estádio gigante onde reagem a coisas maiores vindas de todas as direções.”

Quando Siobhan, uma mulher de 29 anos de Las Vegas, era mais jovem, ela tinha dores aleatórias que não conseguia explicar. Ela foi diagnosticada com depressão e ansiedade e tinha terríveis ataques de pânico. Suas variações de humor eram tão fortes que seu médico achou que ela era bipolar. Mas ela tinha certeza que seu problema era mais que apenas uma doença mental — suas mudanças de humor e dores estavam ligadas a outras pessoas. “Se eu tinha dor no pescoço e ombros, eu sabia que alguém estava estressado. Eu mandava mensagens para os amigos tentando descobrir de onde isso estava vindo, e alguém respondia que estava se sentindo mal. Quando meu marido estava preocupado com alguma coisa, eu chegava para ele e dizia ‘O que está te incomodando?’ e ele acabava me dizendo o que estava errado.”

Um dia ela leu uma matéria na internet — “31 indícios que mostram que você é sensitivo” — e se identificou completamente. “Me vi em quase todas as características. Foi bom descobrir que eu não estava de mau humor o tempo todo, havia uma razão: eu estava captando a energia de outras pessoas.”

Todo texto sobre sensitividade vai dizer que isso é diferente de sentir compaixão ou empatia por alguém que está sofrendo. Sendo sensitivo, você sente essas coisas como se fossem suas. Estranhos vão querer descarregar suas coisas pessoais em sensitivos como se, num nível subconsciente, soubessem que os sensitivos vão ouvir com compaixão e compreensão. Pode ser muito cansativo.

Alguns acreditam que há tipos de sensitividade dentro da definição mais ampla. Sensitivos emocionais captam energia das emoções. Para eles, fazer compras no Black Friday, por exemplo, seria extenuante. Um sensitivo físico capta os problemas físicos dos outros. Num hospital, ou com um parceiro doente, eles podem sentir náuseas, dores de cabeça ou algo similar. Sensitivos animais captam as emoções dos animais, e se sentem presos ou estressados quando passam por um zoológico. Se você é um sensitivo global, você capta os sentimentos dos humanos por todo o planeta, em vez dos de uma pessoa específica. Mesmo sem assistir ao noticiário, você sente o stress de uma catástrofe global — um terremoto em outro país pode te fazer sentir solitário e ansioso. Um sensitivo da terra sente sensações relacionadas com a energia do planeta. Se um grande terremoto está vindo, eles sentem isso antes com espasmos musculares, dores de cabeça ou stress, que passa quando o evento acontece. A maioria dos sensitivos são emocionais ou físicos; mas podem ser uma mistura de alguns ou todos esses tipos.

Com tantos os gatilhos em potencial, o mundo moderno é um desafio para os sensitivos. Vix Maxwell, 36 anos, trabalhava como professora em Londres quando percebeu que era sensitiva. A energia do trabalho e da cidade era difícil de suportar. “Eu sentava na sala dos professores e me via cercada de gente reclamando, e não conseguia entrar numa conversa sem absorver essa energia. Eu notava uma diferença enorme assim que entrava e saía do trabalho. Descobri que a energia das crianças não era tão ruim quanto a dos adultos com quem eu trabalhava. Comecei a achar que eu tinha dupla personalidade, porque era muito animada e feliz, mas em outras situações ou com outras pessoas eu era o total oposto disso.”

Ela pesquisou sobre sensitividade e aprendeu a lidar com seu ambiente com outras pessoas que se identificam com o rótulo. “Eu sentava no meu carro antes de entrar no trabalho e visualizava uma bolha protetora em volta de mim, dizendo: ‘Minha energia está protegida, nada pode entrar que não seja meu’. Isso fez uma grande diferença. Eu entrava no banheiro e começava a sentir as energias de muitas pessoas, então parava e dizia ‘Estou protegida, estou protegida’, e isso fez uma grande diferença.”

Mesmo assim, ela acabou tendo que pedir demissão. “Assim que comecei a perceber a diferença da minha energia e da dos outros — e proteger a minha — consegui a me conectar apenas com o que eu queria. Comecei um blog sobre energia e agora tiro tarô.” Ela também se mudou para uma cidade mais calma. “Pegar o metrô é o pior pesadelo de um sensitivo”, ela ri. “Minha mudança foi parcialmente por causa disso. Se tenho que ir para lá a trabalho agora, tento visualizar uma luz branca e corações sobre a cabeça de todo mundo, para mandar amor e lembrar de que todas as pessoas estão conectadas. Estamos todos no mesmo barco.”

A parte mais difícil da jornada, segundo Caroline, é descobrir se você é sensitivo ou não. “Algumas pessoas são apenas extremamente emotivas ou têm um trauma que precisam trabalhar. É fácil sentir que essas emoções avassaladoras não são suas, porque vivemos num mundo em que emoções podem parecer alienígenas.” Ela aconselha a testar se você se sente distintamente diferente perto de uma pessoa muito negativa ou alguém com ideias extremas. “Às vezes faço curas de energia à distância, e se a pessoa é sensitiva, descubro que há energia de outra pessoa no sistema dela e essa é a prova final.”

Quem se descobre sensitivo relata uma sensação de alívio, principalmente porque agora tem acesso às ferramentas para lidar com isso. “Crescendo como um sensitivo, você pode sentir uma falta de identidade, então através de meditação e blindagem (como o exercício da bolha, descrito por Vix) você começa a se entender e conhecer seu propósito”, explicou Siobhan. “Não tenho mais mudanças bruscas de humor. Meu marido percebeu. Agora consigo ler minhas próprias emoções e a dos outros separadamente, e literalmente sinto a tristeza e a irritação emanando daquela aura.” Assim como Vix investiu nas leituras de tarô, sensitivos dizem poder usar essa suposta fraqueza como uma força. “Desde que era pequena, sempre gostei de fazer massagem”, diz Siobhan. “Então aprendi reiki (cura pela energia) e da primeira vez em que fiz isso foi chocante. Já curei duas dores de cabeça apenas através de visualização. Esse foi só o começo do aprendizado e agora estou trabalhando nessa área.”

Claro, todo esse conceito cai no reino da filosofia new age. Sensitividade não vai ser diagnosticada por um médico e especialistas em saúde mental vão ficar preocupados se você disser que está fisicamente sentindo as dores do mundo. Caroline tem consciência disso. “Muita gente nesse reino psíquico está sofrendo e às vezes tem problemas mentais”, ela diz. Em seu site, ela deixa claro que seus serviços não são para pessoas com doenças mentais e que ela não é uma profissional da saúde.

Caroline estava fazendo PhD na época em que percebeu que era sensitiva, e ficou muito preocupada com o que as pessoas pensariam quando começou a explorar a condição. “Tive muito medo de ser chamada de louca. Participei de uma oficina espiritual enquanto ainda trabalhava na universidade. Em certo ponto, um cara apareceu com uma câmera. Ele queria tirar fotos da oficina para o site do centro espiritual. Saí correndo, literalmente, e me tranquei no banheiro. Só saí quando eles prometeram que eu não ia aparecer em nenhuma foto. Eu tinha medo que explorar a cura pela energia me fizesse perder credibilidade no trabalho.”

“Ironicamente, no final, meu treinamento acadêmico realmente ajudou a encontrar meu caminho entre todas as modalidades de cura. Comunidades espirituais tendem a estar no final ‘apenas acredite’ do espectro. Há pouca tolerância a testar hipóteses ou fazer sua própria cabeça. As pessoas logo apontam o dedo e dizem que você não tem fé o suficiente. Me sinto apoiada pelo meu treinamento acadêmico e gosto de fazer perguntas difíceis, ser crítica e experimentar coisas novas. Costumo ser ‘aquela pessoa chata que sempre faz muitas perguntas’. Sem isso, acho que eu não teria aprendido o que precisava sobre ser sensitiva e como isso funciona.”

Só porque sensitividade existe fora da escola de pensamento ocidental, não significa que a condição não é real. Pesquisas sugerem que uma em cada cinco pessoas é uma Pessoa Altamente Sensitiva (HSP em inglês), uma condição clinicamente reconhecida. Em vez de apenas ser um tipo de personalidade, como ser tímido ou espontâneo, os HSPs são definidos pela hipersensibilidade do sistema nervoso. Além de ficarem facilmente sobrecarregados por coisas emocionais e sentirem uma empatia inacreditável, os HSPs também têm uma sensibilidade aumentada para coisas físicas como luz, som e temperatura. Na comunidade sensitiva, as pessoas acreditam que a maioria dos sensitivos são HSPs, mas nem todos os HSPs são sensitivos.

Para descobrir se esse é seu caso, Caroline aconselha testes de campo. “Você acha que está captando algo de alguém? Pergunte sutilmente ‘Ei, você está um pouco pálido… você está se sentindo bem?’ Quando você sente algo, suspeita que isso não vem de você e outra pessoa confirma que está sentindo exatamente isso, é uma grande validação. Isso te ajuda a se levar mais a sério. Você precisa aceitar que isso é uma coisa real — ou descobrir que talvez esses sejam seus próprios sentimentos. Você precisa fazer esses testes. Rastreei seus insights intuitivos: qual é sua sensação sobre aquela pessoa, o que aconteceu com a pessoa com o tempo? Fazendo isso, você começa a ver as áreas onde sente mais seus próprios sentimentos. É difícil, sendo uma pessoa racional, se abrir para a ideia e geralmente há medo. Mas você não precisa ter medo.”

@hannahrosewens

Tradução: Marina Schnoor

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