Tecnología

Como sobreviver a uma bomba nuclear

A finger pressing a nuclear button to initiate a nuclear bomb

Então você tem medo de morrer numa guerra nuclear. Considerando os últimos eventos mundiais, é uma preocupação totalmente razoável. O Irã já disse que não vai mais cumprir a maioria das restrições de enriquecimento e produção de urânio detalhadas no Plano de Ação Conjunta Global. O Irã não está correndo para desenvolver uma arma nuclear, mas está abrindo caminho para tornar isso mais fácil se quiser desenvolver.

Em junho, o Pentágono acidentalmente publicou um plano para lutar uma guerra nuclear. No começo de agosto, os EUA saiu oficialmente de um dos tratados antinuclear mais importantes da história mundial. Em dezembro, o país testou um míssil que podia voar além dos limites dados por aquele tratado agora defunto. Dias antes do Natal, a Rússia mobilizou seus mísseis hipersônicos – um novo tipo de veículo de reentrada para jogar ogivas nucleares além dos sistemas de defesa de mísseis. Acrescente a isso os tratados fracassados e retórica de fogo e fúria, e uma guerra nuclear agora parece uma possibilidade bem real – assim como sobreviver a ela.

Videos by VICE

As armas nucleares de hoje são pesadelos devastadores, mas as pessoas podem sobreviver mesmo estando perto do raio de explosão da bomba. O japonês Tsutomu Yamaguchi sobreviveu às bombas de Hiroshima e Nagasaki e morreu aos 93 anos. Yamaguchi não foi a única pessoa a sobreviver aos dois ataques, só é o mais famoso. O terrível ataque americano matou mais de 200 mil pessoas, mas cerca de 70% das populações das duas cidades sobreviveram. Muitas viveram com complicações graves relacionadas com as bombas, mas sobreviveram.

Para saber exatamente como sobreviver a uma explosão nuclear hoje, liguei para Alex Wellerstein, Brooke Buddemeier e Eliot Calhoum. Wellerstein é professor do Instituto Stevens de Tecnologia e criador do Nukemap, um site que permite ver os efeitos de uma bomba nuclear na sua área; Buddemeier é especialista em segurança de radiação no Diretório de Segurança Global do Laboratório Nacional Lawrence Livermore; Calhoum é chefe de planejamento de química, biologia, radiologia, nuclear e explosões do Gabinete de Gerenciamento de Emergências da Cidade de Nova York.

Como pessoas sobrevivem a uma explosão nuclear

Uma explosão nuclear vem em seis estágios. O flash de luz, a onda de calor, a liberação de radiação nuclear, a bola de fogo, a rajada de ar e finalmente a precipitação radioativa.

Tudo isso acontece muito rápido – em alguns segundos – mas os sistemas de alerta modernos provavelmente te darão algum tempo para reagir. Em janeiro de 2018, por exemplo, o estado do Havaí alertou os moradores que um míssil balístico estava chegando. Foi um alarme falso, mas os oficiais do estado estimam que, se fosse um míssil real, o tempo do alerta até o impacto provavelmente seria de 12 minutos.

Segundo Buddemeier, a zona de impacto de uma explosão nuclear se divide em três áreas: zona de dano severo, zona de dano moderado e zona de dano leve. Se você estiver na zona de dano severo (a área consumida pela bola de fogo) suas chances de sobreviver são baixas, mas você pode conseguir se tiver o abrigo certo.

“Pessoas sobreviveram nessa zona em Hiroshima e Nagasaki”, disse Buddemeier. “E elas não estavam em nenhum tipo de bunker, só num prédio de concreto forte. Uma mulher sobreviveu num banco a apenas 300 metros do epicentro. Não dentro do cofre, só dentro do banco.”

Mas nos arredores da explosão, nas zonas de dano moderado e leve, há ainda mais chances de sobreviver. Seu primeiro instinto pode ser pegar a estrada, mas segundo Wellerstein, esse pode ser um erro mortal.

1578519197709-GettyImages-1029025042
A doma da bomba atômica em Hiroshima, Japão. Imagem: Getty Images

“Seja lá o que você fizer, não fuja”, disse Wellerstein. “Você provavelmente não vai saber para onde é ‘seguro’ ir, você só vai entupir as estradas, e carros não dão quase nenhuma proteção contra nada.”

Segundo Wellerstein, não importa em qual zona de dano você esteja, o lugar mais seguro para estar durante uma explosão nuclear é num grande prédio seguro.

“Se você tiver algum alerta, encontre o maior prédio comercial bem construído perto de você. Se houver um porão, vá pra lá. Se não, vá para o centro do prédio”, ele disse. “Sente ali. Nada é garantido, você não sabe onda a bomba vai detonar, mas esse tipo de estrutura é muito melhor contra a explosão, o calor e a radiação que qualquer outra.”

Calhoun disse que a coisa mais importante é “Entrar em algum lugar e ficar lá dentro”. Essa é a mensagem central que o Gabinete de Gerenciamento de Emergência queria enfatizar. Calhoum disse que não importa se a explosão vier de uma pequena maleta detonada por um terrorista ou de um ICBM lançado por um país rival, a mensagem para o público será a mesma: “Entrar em algum lugar e ficar lá dentro”.

Também é importante não olhar para o flash de luz emitido quando a bomba detonar; você vai ficar cego. A cegueira é temporária, durando só alguns segundos ou minutos, mas mesmo por esse tempo as pessoas podem ficar mais vulneráveis a riscos como escombros. Durante o dia, os efeitos de cegueira de um flash nuclear podem atingir 16 quilômetros da zona de impacto. Durante a noite, esses efeitos vão ainda mais longe.

Se abrigar num prédio é extremamente importante para sobreviver ao próximo impacto de uma explosão: a onda de calor. A explosão térmica de uma ogiva de cinco megatons (a maior dos mísseis balísticos intercontinentais) será por volta de 24 quilômetros. Essa explosão é tão poderosa que pode cauterizar nervos enquanto causa queimaduras de terceiro grau. Se abrigar num prédio, de preferência no subsolo, pode mitigar os piores efeitos dessa onda de calor.

Mas o prédio pode se tornar mais perigoso durante a explosão de ar que vem depois da bola de fogo. “É como um muro de ar vindo”, disse Buddemeier. “Prédios podem ser varridos.”

A explosão de ar na zona de dano moderado provavelmente vai causar outra onda de ferimentos mesmo para quem conseguiu abrigo, mas provavelmente será pior para quem ficou pra fora ou tentou fugir de carro. Como num tornado ou terremoto, achar um lugar seguro no meio de um prédio é mais seguro que a alternativa. Depois da explosão de ar vem a radiação, e um prédio provavelmente vai fornecer mais proteção.

A zona de dano leve fica nas margens da explosão. O jato de ar vai se dissipando enquanto se expande, mas ainda é perigoso nas margens. “É tipo um boom sônico ou trovão”, disse Buddemeier. “Há força suficiente para quebrar janelas e espalhar vidro pelos cômodos. Isso pode arrancar o telhado de um prédio.” Essa zona se estende por quilômetros fora do raio imediato da explosão, e pode causar ferimentos menos significativos.

Em todas as zonas, sua melhor aposta e ficar dentro de algum lugar, abaixado.

“Se você sobreviver a explosão inicial, e o prédio não ficar muito danificado para ser uma ameaça imediata – se não está em chamas, digamos – fique dentro dele”, disse Wellerstein.” Você não vai saber onde a contaminação está lá fora, e pelos primeiros dias pode haver níveis perigosamente altos de radioatividade.”

Como sobreviver depois que a bomba cair

Sobreviver a explosão inicial exige alguma sorte mesmo dentro de um prédio, mas continuar seguro depois da detonação exige paciência.

“[A explosão nuclear] vai sugar milhares de quilos de sujeira e escombros, cobri-los com os produtos da fissão criados durante a explosão, e depois de estabilizá-los a quilômetros de altura, as partículas mais pesadas vão começar a cair. Tudo isso será radioativo”, disse Buddemeier. “Se proteger da exposição a isso é algo que você pode fazer depois que a explosão acontecer.”

Por cerca de 15 minutos depois da explosão inicial, a precipitação vai começar a se mover pela atmosfera e começar a cair no solo. “Ficar o mais longe possível desse material é o que vai mudar seus resultados”, disse Buddemeier. “Fique dentro de um prédio, e preste atenção. Se puder ir para um porão, melhor ainda.”

Ficar dentro de um lugar fechado durante a explosão vai ajudar, mas se você está ao ar livre em qualquer parte da detonação, é importante minimizar a quantidade de precipitação que você absorve quando estiver seguro dentro de algum prédio. Quanto mais tempo você estiver em contato com material radioativo, mais ele vai consumir seu corpo. Um sinal de alerta inicial é náusea e vômito. Sob doses fortes de radiação, o corpo derrete de fora pra dentro. Doses menores vão quebrar seu DNA, eventualmente levando a cânceres como leucemia e, eventualmente, a morte.

Segundo o Departamento de Energia dos EUA, sua roupa vai absorver muito da precipitação, então simplesmente se livrar dessas roupas ajuda muito a te manter seguro. Tire a roupa e, se puder, coloque essas roupas num saco plástico e coloque o saco o mais longe possível de você. Aí, tome um banho com água e sabão para remover a precipitação da superfície do seu corpo.

Se não puder tomar banho, use água de uma pia ou garrafa d’água e um pano molhado para esfregar sua pele focando nas áreas que ficaram expostas. Mas não use condicionador no cabelo. As propriedades químicas dos condicionadores vão ligar o material radioativo ao seu cabelo.

A coisa mais importante a fazer é não hesitar. Quanto mais rápido você remover o material contaminado do seu corpo, melhor.

Em se tratando de comida, porque você precisa comer até durante o Armagedom, comida e bebida embaladas que estavam dentro de um prédio durante a explosão provavelmente serão seguras (ou quase) para se comer. O governo americano fez muitos testes sobre os efeitos de explosões e precipitação nuclear em alimentos embalados, até jogando bombas em latas de cerveja para ver o que acontecia. Nem preciso dizer, evite consumir qualquer coisa que estava a céu aberto durante o ataque.

Uma coisa boa sobre a radiação gama de uma explosão nuclear é que a decadência dela é rápida. Uma hora depois da explosão, cerca de 50% da precipitação já terá se dissipado. Segundo Wellerstein e Buddemeier, a precipitação terá decaído em 80% depois de 24 horas. Quanto mais tempo você esperar, mais seguro será sair para céu aberto.

Eventualmente, será hora de sair de seu abrigo e se aventurar no mundo radioativo.

“Depois de uns três dias, [dependendo] do tamanho e número de explosões, mas três dias é uma boa regra para detonação única de tamanhos modernos de ogivas – a radiação externa provavelmente terá diminuído até um grau em que você pode fugir da área sem se colocar em muito risco”, disse Wellerstein. “O ideal é esperar por informação externa de pessoal de emergência antes de sair do abrigo, mas dependendo do cenário isso pode não ser possível.”

1578519276030-WellerStein
O raio de explosão de uma bomba nuclear de 5 megatons atingindo Nova York. Nukemap

Calhoun concorda. “Recomendamos que as pessoas esperem 72 horas e tenham de três a quatro dias de comida e água disponíveis em qualquer momento”, ele disse.

Se a explosão não tiver destruído toda a infraestrutura de comunicação, informação será a chave para a sobrevivência lá fora, mas também provavelmente será difícil separar verdade de ficção.

No rescaldo do alarme falso no Havaí, desinformação se espalhou rapidamente pelas redes sociais. No evento de um ataque nuclear real, Twitter, Facebook ou qualquer outro serviço ou site que continuar no ar estará cheio de informação ruim, desinformação e rumores compartilhados em pânico. Também há uma boa chance da explosão tirar do ar aparelhos como smartfones, e tornar a internet menos acessível. Um rádio com bateria AM/FM provavelmente é a melhor aposta para se comunicar com o mundo exterior.

Depois que você se abrigar num prédio, limpar a precipitação radioativa do seu corpo e tentar sobreviver, podem ser difícil respirar fundo e escrutinar as informações que chegam até você. Mas não importa como a informação chega até você – seja por rádio, boca a boca ou internet – é importante analisá-la.

Se você precisa de um guia, a Suécia recentemente publicou um panfleto de defesa civil que listas perguntas excelente para fazer sobre informação em tempos de crise: qual o objetivo da informação? Qual a fonte? A fonte é digna de confiança? Você pode verificar a informação com outra fonte? Não acredite em rumores não-verificados e não os espalhe.

Guerra nuclear é uma das ameaças mais aterrorizantes que o mundo já encarou. É uma ameaça existencial para a civilização e a vida em si. Armas nucleares são um problema político em larga escala que – como as mudanças climáticas e ascensão do fascismo – exige solução política. Até lá, você pode se preparar para o pior e torcer para que nada aconteça.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.