Como usei a ciência para consertar minha terrível rotina de sono

Durante minhas últimas férias, fui forçado a reconhecer que o jet lag é um fenômeno real e não, como sempre suspeitei, uma desculpa esfarrapada de viajantes hipocondríacos. Meu quarto de infância e alojamento de férias, localizado num canto da casa que o wi-fi não alcança, é atualmente ocupado por refugos dos armários dos meus pais. Como esses sexagenários britânicos cada vez mais birutas não costumam ter óleo de coco em casa, fiquei sem nada para me entreter enquanto dormia no meu antigo quarto, o que me levou a rolar na cama das duas às seis da manhã.

Cruzei o Atlântico na véspera de ano novo e em algum ponto da troposfera decidi começar 2018 mudando minha rotina de sono — sono este que me faltaria nos dez dias seguintes. Não estou falando sobre adicionar uma xícara de leite morninho na minha rotina noturna, mas sim uma reestruturação completa, multifacetada e com base científica das oito horas em que meu corpo, mente e espírito descansam e se curam. Enquanto o avião atravessava a Groenlândia, me comprometi a mudar radicalmente meus hábitos de sono.

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Um adendo sobre o sono: ele é importantíssimo. Há uma correlação entre a baixa qualidade do sono e riscos elevados de câncer, pressão alta, doenças cardíacas, diabetes, obesidade, depressão, oscilações de humor, baixa libido e danos cognitivos. Um estudo revelou que pessoas que dormem menos de seis horas por noite (ou mais de oito horas) são 12% mais propensas a morrer de forma prematura. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, mais de um terço dos americanos dorme menos de sete horas por noite, e pesquisas mostram que as pessoas estão dormindo, em média, duas horas a menos do que se dormia nos anos 60. Nossa mania de tuitar, checar o Instagram e mandar mensagens da nossa cama não está ajudando.

Por sorte, eu já tinha os dois equipamentos necessários para ter uma “higiene do sono” — sim, o termo existe — perfeita. Uma ex-namorada de sono leve havia me presenteado com um gerador de ruído branco que, segundo seus fabricantes, ajuda clientes a dormir com “som constante e relaxante feito para acalmar seu cérebro” e camufla ruídos externos. O motivo do presente foi o fato de que moro numa das ruas mais barulhentas do centro de Manhattan, nos EUA. A uma distância mínima da minha varanda, é possível pegar um ônibus fretado para Jacksonville, trocar suas seringas usadas por novas ou receber uma entrega de litros de óleo vegetal antes mesmo do sol nascer. Ah, eu já ia me esquecendo: minha rua também conta com um quartel de bombeiros bem movimentado. Eu me orgulho do fato de conseguir dormir mesmo com todo esse barulho, mas hoje vejo que esse orgulho não era razoável. Embora eu não me lembre dos micro-estímulos gerados pelos ruídos da minha rua, eles estão, segundo estudos que encontrei durante minha pesquisa, afetando a qualidade do meu sono.

Além do gerador de ruído branco, meu quarto está equipado com cortinas blackout desde que me mudei. Embora eu tenha comprado essas cortinas para manter meu quarto aquecido durante o inverno, elas também deixam meu quarto num breu total. Pesquisas mostram que esse é um dos fatores decisivos para uma boa noite de sono, já que a luz interfere na produção da melatonina, o hormônio que regula tanto o estado de sono quanto o da vigília.

Além disso, segundo um estudo feito em 2014, quartos iluminados durante a noite estão relacionados a uma maior incidência de obesidade. Uma opção mais barata e prática seria uma máscara de dormir, que, além de te proteger das luzes da rua, tem a vantagem de bloquear luzes que venham de dentro do quarto e de poder ser usada como um acessório sadomasoquista.

Fazer e beber café não é apenas um ritual matinal aromático, delicioso e prazeroso — é o que me faz sair da cama. O problema disso, segundo a ciência, é que os humanos já recebem uma injeção de energia natural todas as manhãs. Esse energético natural é o cortisol, um hormônio produzido por nosso organismo. Sua produção atinge um pico três vezes ao dia: entre 8 e 9 da manhã, meio dia e uma da tarde e 17:30 e 18:30. Pesquisas mostram que a interação desses dois energéticos — a cafeína e o cortisol — não é positiva. Na verdade, a produção natural de cortisol é afetada pela cafeína, o que significa que, com o tempo, nós passamos a depender do café para acordar. Em longo prazo, nossa tolerância à cafeína tende a aumentar, o que explica porque eu consigo virar dois expressos e dormir logo em seguida.

Começo meu primeiro dia de terapia do sono abrindo minhas cortinas, encarando o sol que brilha outro lado da janela e bebendo uma xícara de água morna com gotas de limão e uma dose generosa de sal rosa do Himalaia. (Aparentemente, esse combo amargo oferece uma lista extensa de benefícios para a saúde). Para matar os 57 minutos que restam até que meu nível de cortisol diminua o suficiente para eu poder beber uma xícara de café, preparo alguns detalhes da minha próxima noite de sono.

Primeiro, eu finalmente uso o recurso “Hora de Dormir”, disponível no aplicativo do relógio do meu iPhone. O aplicativo me diz o que já li em outros lugares: que uma rotina de sono regrada, com horários para dormir e acordar, é essencial para um sono mais restaurador e tranquilo. Decido me deitar à meia noite e ajusto meu despertador para as 11 da manhã. Antes de me deitar, pretendo desligar todas as luzes e dispositivos eletrônicos: segundo várias pesquisas, luzes artificiais interrompem a produção de melatonina e atrapalham o sono. Também instalo o f.lux no meu laptop. Nesta época do ano, faço a maior parte do meu trabalho depois do sol se pôr. O f.lux ajusta a temperatura da luz da minha tela de acordo com a hora do dia e minha localização na Terra.

Gasto os 17 minutos que faltam assistindo a vídeos no meu celular. No entanto, ao contrário do que costumo fazer, faço questão de não fazer isso na minha cama. Decido também não escrever deitado, que é, por bem ou por mal, como eu costumo trabalhar. Seu quarto, dizem os higienistas do sono, serve para dormir, transar e nada mais. Quando limitamos a função de nossos quartos, o associamos a esses atos, o que significa que entrar nele nos deixará com sono — e, em teoria, com tesão.

Depois de beber o melhor café da minha vida, enfrento a nevasca que aflige Nova York e vou para a academia. Um estudo publicado na revista Mental Health and Physical Activity mostra que 150 minutos de atividade física por semana causaram um aumento de 65% na qualidade de sono dos voluntários. Pessoas que fazem exercícios regulares também relataram sentir menos sono ao longo do dia do que pessoas sedentárias.

Normalmente, minha namorada traz uma garrafa de vinho quando vem jantar na minha casa, mas hoje pedi que ela não trouxesse, pois o álcool atrapalha o sono. Embora a bebida nos deixe mais sonolentos, pesquisas apoiam minha experiência pessoal, isto é, o fato de que mesmo uma quantidade moderada de álcool pode atrapalhar a qualidade do seu sono.

A maioria dos pratos que gosto de cozinhar harmoniza muito bem com vinho; além disso, a bebida é um ingrediente essencial em muitos deles: comidas apimentadas, gordurosas e ricas em proteína que também podem atrapalhar minha noite de sono.

Até o momento, ter uma boa higiene de sono me obrigou a parar de fazer muitas coisas que amo: beber café logo ao acordar, trabalhar na minha cama, tirar longas sonecas, beber cerveja e vinho e comer curry até desmaiar. Com o passar do dia, no entanto, os itens da minha lista de sono perfeito começaram a soar cada vez mais prazerosos.

O alarme no meu celular me diz que eu e minha namorada (para que esse teste funcionasse ela também precisou participar) temos uma hora até a hora de deitar. Seguindo a deixa, tomamos um banho quente e depois seguimos para meu quarto frio e escuro. Um estudo da UCLA sobre tribos caçadoras-coletoras revelou que, para seus membros, quedas de temperatura são um sinal de que é hora de dormir, o que levou alguns especialistas em sono a sugerir que emular a queda de temperatura própria do anoitecer seria o segredo para dormir melhor e mais rápido.

Antes de afundarmos nossos corpos aquecidos entre os lençóis gelados, acendo algumas velas pelo quarto, desligo todas as luzes, fecho meu laptop, coloco nossos celulares com a tela para baixo, desligo todos os alarmes e ligo o gerador de ruído branco. Naquele momento, só faltava um passo — o mais divertido deles — na minha lista de sono perfeito: sexo. O orgasmo libera uma quantidade cavalar de hormônios do sono. A ocitocina combate hormônios do estresse, ajudando seu corpo a cair no sono, enquanto a serotonina e a noradrenalina ajudam seu corpo a passar do sono REM para o sono mais profundo, o NREM. Um estudo realizado por Michele Lastella, uma especialista em sono australiana, revelou que 64% dos participantes dormem melhor após um orgasmo. Estimulados pela luz bruxuleante das velas, concluímos o último item da lista do sono perfeito e apagamos as chamas.

Pensei que diminuir meu consumo de café e álcool seria difícil, mas quatro dias depois, ainda estou super empolgado com minha nova rotina de sono. Diria que vou continuar seguindo ela por tempo indeterminado, mas percebi que fazer isso durante uma semana em que todo mundo que eu conheço está enfurnado em casa e evitando álcool e drogas, facilitou minha experiência. Me sinto mais descansado ao acordar, mais alerta e produtivo durante o dia e, mais importante, eu comecei a apreciar minha rotina pré-sono de banho quente, lençóis gelados e sexo à luz de velas. Até o momento, não sinto falta dos meus antigos hábitos e tento pensar, em vez disso, no que estou ganhando com minha nova rotina.

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